Internações por coronavírus em UTIs crescem nove vezes mais rápido do que abertura de leitos no RS

Ampliação da rede foi fundamental para evitar colapso, mas estratégia tem alcance limitado.

Um descompasso estimula a preocupação de governantes, gestores hospitalares e especialistas com o rumo da pandemia no Rio Grande do Sul. A entrega de novos leitos em hospitais foi fundamental para evitar o colapso na rede de saúde em razão da pandemia até o momento, mas não haverá como acompanhar o ritmo de avanço da covid-19 por tempo indeterminado.

Como indicam os dados da última semana, as internações por coronavírus em UTIs do Estado crescem, em média, a uma velocidade nove vezes superior à entrega de novas vagas. Esse cenário aumenta o risco de que sejam necessárias restrições mais duras, mas a decretação de bandeira preta pelo sistema de distanciamento controlado ainda não é considerada muito provável no curto prazo.

Até agora, a folga na estrutura de atendimento foi o principal fator para evitar a decretação de bandeiras pretas (nível mais alto de risco), na avaliação de especialistas. Porém, se a tendência atual se mantiver por tempo demasiado, não haverá como acompanhar a pressa do novo vírus.

Desde o início da crise sanitária, o Piratini informa que já aumentou em 75% a capacidade das UTIs do SUS para adultos. A contaminação, porém, segue em alta velocidade. Ao longo dos sete dias anteriores, conforme os números divulgados no painel de leitos do governo gaúcho, a quantidade de vagas do SUS e da rede privada para tratamento intensivo cresceu 3,8% — passou de 2.094 para 2.174 até as 16h desta quinta-feira (2).

No mesmo intervalo, as internações provocadas pelo coronavírus saltaram 34% e subiram de 306 para 410. Ou seja, para cada passo adiante dado pelo sistema de saúde gaúcho, o novo vírus dá nove.

Uma das razões para isso é que não se pode abrir leitos de UTI cedo demais, já que custam caro.

— A estratégia é ir abrindo conforme a demanda — afirma o secretário-adjunto da Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre, Natan Katz.

Mas também há fatores limitantes, como espaço físico, disponibilidade de pessoal e de equipamentos para seguir disputando corrida com a covid. Na Capital, o Hospital Conceição, por exemplo, já informou não ter como ir além das 44 vagas já abertas. No Clínicas, também já há dificuldade para contratar pessoal especializado.

— A manutenção da capacidade de atendimento é o que evitou a tomada de medidas mais restritivas até agora, mas sempre haverá um descompasso entre a atual taxa de transmissão do vírus e a oferta de novos leitos — analisa o epidemiologista do Hospital de Clínicas e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Ricardo Kuchenbecker.

Esse cenário fica ainda mais agravado no inverno, quando as baixas temperaturas resultam em mais hospitalizações por outros problemas respiratórios. Por isso, em um pronunciamento divulgado nesta quinta, o governador Eduardo Leite pediu às pessoas para redobrarem os cuidados.

— Nos próximos 15 dias, fique em casa, lave as mãos, use máscara, respeite os protocolos — declarou Leite.

Bandeira preta ainda é pouco provável

O cenário atual significa que uma bandeira preta está próxima? Segundo o professor de matemática da UFRGS Álvaro Kruger Ramos, essa medida não é impossível, mas ainda pouco provável. Segundo o matemático, que faz estudos sobre a pandemia e o modelo gaúcho de distanciamento, justamente a capacidade de seguir oferecendo mais leitos, ainda que em ritmo mais lento do que o do vírus, dificulta a coloração preta imediatamente mesmo em áreas muito afetadas pela pandemia como a Região Metropolitana.

— Dois quesitos (do sistema de distanciamento controlado) sobre número de leitos livres de UTI têm peso de 25% (na definição da bandeira). Pelo que eu entendo do sistema, a primeira bandeira preta vai surgir quando a capacidade de aumento no número de leitos se esgotar — acredita Ramos.

Mesmo Canoas, que chegou a suspender temporariamente a admissão de pacientes em setores intensivos por falta de medicamentos, ainda não iria para a bandeira preta, na avaliação do matemático, em razão dos indicadores de leitos livres na macrorregião de saúde e no Estado como um todo.

— Canoas, exceto esses dois indicadores que estão em amarelo, tem todas as outras notas vermelhas e pretas. Para uma bandeira preta, precisaria que eles ficassem (pelo menos) vermelhos — analisa Ramos.

Na macrorregião metropolitana, o número de leitos livres diminuiu 6,1% em uma semana, mas, em todo o Estado, aumentou 1%. Um levantamento realizado por GaúchaZH por macrorregião do Estado (área que serve para o cálculo de alguns itens das bandeiras), o número de hospitalizações em UTI cresceu em seis das sete áreas, e se manteve estável apenas na Centro-Oeste. Por isso, em algum momento, além de seguir ampliando a capacidade de atendimento, os gaúchos vão precisar cortar a taxa de contaminação da covid-19.

Fonte: Gaúcha/ZH