A fotógrafa que renasceu num fatídico acidente vive seus dias para levar esperança às pessoas

O milagre da vida, ele existe sim, e a alegretense Lilian da Fonseca Ramos Kovacs, hoje com 38 anos, conversou com a reportagem e contou sua história. Ela começa dizendo que há dez meses, todos os dias ao acordar, a primeira coisa que faz ao abrir os olhos é agradecer a Deus pela dádiva de estar viva. Não existem mais dias sombrios, todos são lindos como se fossem eternas manhãs de primavera.

 

Casada com o também fotógrafo Jocemar Kovacs, ela é mãe do Lucas Ramos Kovacs, com 4 anos. A história da alegretense que saiu da cidade natal aos 12 anos é uma das mais comoventes que o PAT já descreveu em seis anos.

Fotógrafa renomada com mais de 200 fotos e centenas de prêmios nacionais e internacionais, Lilian é uma sobrevivente, uma guerreira, um milagre como muitos falam.

Há dez meses, ela foi realizar uma tarefa simples e corriqueira. Lilian foi ao supermercado com o filho, naquele período, Lucas que é autista, tinha três anos. Depois das compras, chamou um Uber e saiu de Florianópolis para ir a Santo Amaro. No trajeto, o filho ficou agitado e para proteger a criança, Lilian o colocou entre as pernas e apertou contra o peito. Eles estavam no banco de trás e ela lembra que ambos sem cinto.

O acidente

Cerca de 300m à frente, depois que meu filho estava protegido, um carro invadiu a pista contrária e chocou-se contra o Uber. Com o violento impacto, o carro que Lilian e o filho estavam caiu em um barranco e logo iniciaram as chamas na parte elétrica. Um anjo como ela descreve, um ex-policial chamado Peterson, estava passando e imediatamente correu para socorrê-los. Ele quebrou o vidro e “arrancou” Lucas dos braços da mãe. Passou para um popular e na sequência conversou com a motorista que estava consciente e retirou Lilian. Ela estava com o rosto muito machucado e se afogava no próprio sangue. Enquanto que a motorista conversava, porém, não conseguia sair. Ele apagou o fogo e passou a fazer a reanimação em Lilian até a chegada do Samu e dos Bombeiros que demoraram cerca de 40 minutos.

Depois disso, mais uma hora de muita massagem para que Lilian finalmente estabilizasse e fosse encaminhada ao hospital de helicóptero, pois a  previsão era de no máximo dez minutos ou ela não iria resistir. O filho e a motorista foram para o hospital de ambulância e o condutor do outro carro, não resistiu.

Ao chegar no hospital, mais uma hora de muita massagem, desfibrilador e por último, adrenalina direto no coração, assim, ela foi reanimada. Quando finalmente conseguiu abrir os olhos viu que a motorista estava ao seu lado e tinha ido a óbito.

O choque

Neste momento, Lilian começou a chamar pelo filho, pois não sabia o que tinha acontecido e ouviu o médico dizer para a enfermeira sedá-la, caso contrário, ela iria morrer de choque emocional. Foram mais quatro horas até Lilian novamente abrir os olhos e se deparar com a irmã.

A notícia do filho

A primeira coisa que a irmã falou foi que Lucas havia saído ileso, todo o impacto do acidente havia sido absorvido por ela. Ele estava com o pai em uma sala na pediatria, em observação. Mas além disso, a alegretense ouviu da irmã que o acidente tinha sido horrível e ela havia fraturado toda a face. “Tua face está toda quebrada, você vai precisar fazer uma cirurgia de reconstituição. Tu precisa ser forte e encarar essa cirurgia” – lembra.

A cirurgia

Lilian recorda que aquela noite foi horrível, ela estava toda suja, com as roupas rasgadas, com alucinações. “Eu passei pela morte” – comenta que isso era uma das coisas que pensava naquele momento. Já na manhã seguinte, quando estava sendo preparada para a primeira cirurgia, ela pediu para que a deixassem daquele jeito mesmo, o importante era estar viva. Foi quando ouviu da enfermeira que o trauma que ela teve foi o mais grave que existe, o pior que pode acontecer na face, porém, não tinha uma explicação de como ela poderia estar sem traumatismo craniano e sem fraturas na coluna, e isso, já era um milagre.

Foram cinco horas na sala de cirurgia e muitas placas de titânio no rosto. Ao acordar, Lilian descreve que era um misto de alegria e choro. “Eu só dizia: obrigada Deus, obrigada”.

Poucas horas depois, veio a notícia de que teria que passar por outra cirurgia, pois algumas placas tinham se movido. Então, ela precisou ficar mais uns dias no hospital e depois foi pra casa.

A chegada em casa

Lilian lembra que nesse momento o “bicho pegou”, ela se afogava muito, até mesmo, com a própria saliva. A alimentação era apenas líquida e as dores terríveis. ” Minha mãe e meu marido me salvaram várias vezes quando estava me afogando, não tinha controle. Depois dessas duas cirurgias, em menos de 48h, em fevereiro eu fiz mais uma para reconstruir meu nariz, pois eu respirava apenas pela boca, até então” – explica.

Os anjos

Lilian ainda descreve que durante esses meses fez questão de conhecer Peterson, o ex-policial que saiu da polícia por não conseguir uma transferência e que queria ficar perto da família. ” Foi Deus que mudou o destino dele, o colocou naquele lugar. Somente por ele eu estou aqui. Caso contrário, o carro teria pegado fogo. Além de todas as reanimações. Quando ele falou comigo, depois que já estava em casa, disse que não imaginava que eu fosse sobreviver, apesar de não desistir, até o momento, em que o Samu chegou. Ele disse que a motorista falava, mas infelizmente teve hemorragia interna durante o trajeto até o hospital. Eu tive parada respiratória, ela teve paradas cardíacas.” – comenta.

Peterson disse para Lilian que não percebeu na hora que Lucas era autista e, ver o desespero dele pela mãe o fez ter forças para reanimá-la e desafogá-la. Ele também é pai e pensou que não poderia deixar aquele menino sem a proteção da mãe que foi a razão dele ter saído ileso.

A mensagem de Lilian

“Eu sobrevivi junto com meu filho, mas por dentro sou cheias de sequelas desse acidente. Era fotógrafa, e hoje não enxergo direito, tenho diplopia pós acidente, vejo tudo em 3D.

Comer só pastoso e líquido, tive o pior trauma de face que existe. Não tenho força no maxilar pra mastigar e muitas vezes, engasgo com algo que antes era simples comer. Emagreci 12kg.

Ganhei uma prótese dentro do olho porque quebrou o osso que o sustentava e várias placas de titânio no rosto. Hoje me viro com todas as dores e sequelas desse acidente. Faz 10 meses que peguei um Uber e não cheguei em casa naquele dia.

Mas estou viva e isso é suficiente pra ser grata. Sobre meu filho: ele é autista, e estava pulando muito atrás no carro e eu o peguei, apertei contra o meu peito. 300m à frente o acidente e meu corpo absorveu todo o impacto que era pra ser nele. Mesmo inconsciente, segundo o anjo, que nos socorreu disse que eu me afogava no próprio sangue, mas estava abraçada nele. Segundo os bombeiros, ele não ter sofrido nenhum arranhão foi um milagre, pois os outros dois motoristas morreram.

Teve um anjo que viu tudo acontecer, quebrou o vidro do carro tirou meu filho dos meus braços e apagou o fogo, com risco do carro no barranco cair todo em cima dele. Ele foi um anjo enviado por Deus. Tomei adrenalina no coração pra voltar. Recebi massagem cardíaca por horas, até me transportarem pro hospital.

Quando me tiraram do carro todos falaram: a motorista tá viva, mas a passageira essa não vai resistir até o hospital.

Aqui estou eu provando que quem decidi minha vida é Deus! Eu sinto muito pela motorista. Nunca esqueço suas últimas palavras antes de batermos: essa é minha última corrida, estou indo pra casa ver meu filho.

E ela nunca chegou em casa, nunca mais pôde abraçar seu filho. Hoje quando eu abraço o meu, abraço com gratidão e muitas vezes lembro dela. Que ela não pode fazer isso antes de ir.

Um dos bombeiros me falou que estavam cansados fisicamente de fazer massagem cardíaca por mais de 1h. Mas um deles me disse: parece que você me dizia assim, continua, eu quero viver, não desiste de mim. E tua força de vontade de ficar foi maior! Hoje eu sei que essa força vinha de Deus pra também continuar cuidando do meu filho que tem necessidades especiais.

Aprendi a ser grata por cada dia que tenho o presente de abrir meus olhos e ver que estou viva. Hoje eu não tenho mais medo de morrer, tenho medo de viver uma vida sem propósito, sem poder impactar pessoas com meu testemunho de vida. Só quem venceu a morte pode me tirar do vale da sombra da morte e me dar vida.

Essa nunca será uma história triste pra mim, sempre será uma história de Amor, o maior amor que já vi e senti, o de Cristo por mim!

Milagres são flechas, precisam ser contadas pra acertar alvos (corações), use o seu também pra mostrar esse amor indescritível!”

Para finalizar, Lilian ressalta que é preferível mil vezes todas as dores e sequelas que têm do que não ter a chance de estar ali com o filho. Ela também disse que aceitou fazer o relato, pois muitas pessoas que tentaram o suicídio ao conversarem com ela, depois que ficaram sabendo da sua história ficaram gratas pela oportunidade que viram e a importância de estar vivo. Isso, não tem valor – cita.

 

Flaviane Antolini Favero