A psicologia conclui; a pandemia está nos ensinando um novo jeito de viver e morrer

Há algo de novo e cruel no luto relacionado a mortes pela Covid-19. Face o risco de contaminação pelo novo coronavírus, algumas etapas que seriam fundamentais no processo de construção de sentido e aceitação da perda foram suprimidas: sem o acompanhamento do doente em seus últimos dias no hospital, com velórios suspensos e sepultamentos rápidos com poucos familiares à distância e com caixões lacrados, ficou difícil se despedir.

A reportagem do PAT entrevistou a psicóloga Thais Campos da Cunha Severo e o Pároco da Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, Padre Pedro Egídio Quinteiro Navarro.

A psicóloga Thais Campos da Cunha Severo falou sobre a importância do trabalho do psicólogo e deu dicas para ajudar no momento da perda de entes queridos. Somente no início desta semana, em Alegrete, foram três casos, todos em um único dia, totalizando o número de cinco para o Município. Além do fato de que há mais de 90 dias, quem está cumprindo com o isolamento social, a situação é de reclusão. Para isso, a saúde mental é determinante para que se não haja o agravamento ou o início de uma depressão, entre outras doenças.

 

Estamos vivendo um momento muito delicado e novo para todos. A COVID-19 está trazendo muita insegurança e medo à grande maioria da população.  Mesmo os descrentes na pandemia estão sendo obrigados a vivenciar os traumas e consequências desse período.

Escolas fechadas, em alguns momentos o comércio, bares, restaurantes, igrejas e clubes. Se não estão totalmente fechados, há restrições. Ou seja um novo contexto, um novo modo de viver e se relacionar e por que não dizer, um novo modo até de morrer. 

São máscaras diversas, topando os rostos e sorrisos, escondendo a alegria ou descontentamento.”Somos acostumados com abraços e beijos, um povo caloroso e afetivo, acolhemos o mundo em nossos braços. Hoje, somos impedidos de agir da forma como somos acostumados, estamos sendo podados em nosso comportamento habitual. Não estou dizendo que estão erradas todas essas mudanças,  bem pelo contrário, é mais que necessário estas adaptações neste momento. Mas estou mostrando como à COVID-19 nos forçou a mudar radicalmente o que nos era natural”- explicou a psicóloga.

Em isolamento ou distanciamento social , o fato é que a vida está muito diferente, convivência apenas por telas, sem o calor e o afago do outro . Além, dessas dificuldades talvez muitos não tenham parado pra pensar nas perdas de cada mãe, filho, filha, netos, esposa, esposo ao perder seu ente querido, comentou. 

Ele salienta que falamos em número de mortes, mas não falamos no quão mais difícil e traumático a pandemia está tornando para essas famílias.  Na psicologia é sabido e muito estudado a importância da despedida, do preparo para o luto para que possa facilitar o processo do enlutamento. Se em mortes trágicas, as famílias já encontram grande dificuldade de processar o luto, imagine que hoje, em razão da pandemia, os familiares são internados, isolados das famílias, às notícias na sua maioria são dadas pela equipe do hospital. 

“Em pesquisas vemos que nos outros países , e até mesmo aqui no Brasil, estamos explorando o máximo uso das mídias sociais, mensagens, ligações por vídeo, etc. Porém, temos um empecilho bem significativo, pois nossos idosos ainda tem grande dificuldade de usar esses recursos. E estes tem sido os mais afetados pela doença” – falou.

Seja isolado em suas residências, ou no hospital, a falta do face a face, do abraço e cafuné dos familiares já afeta diretamente no processo de melhora do paciente. E falando nas perdas em si, à COVID-19 não permite mais realizar os velórios e rituais de despedidas, não é permitido a reunião, os abraços e chorar com os amigos e familiares a falta que aquela pessoa fará em suas vidas,  não podem se reunir e compartilhar as experiências e aprendizados que tiveram com a pessoa querida que se foi.

Em alguns países com a situação da pandemia, a alternativas, são filmagens para posterior despedida, a construção de memoriais pedindo que familiares e amigos escrevam cartas, reúnam fotos, façam cartões em homenagem aos falecidos para amenizar a dificuldade de não poderem ter se despedido presencialmente. 

Esse fato de não conseguir fazer um ritual de despedida,  também causa nas famílias um sentimento de culpa, por não terem conseguido se despedir como o ente querido desejava, ou como merecia, segundo a religião de cada família, esclareceu.

“Por isso, os psicólogos das instituições hospitalares tem sido de extrema importância nesse momento para auxiliarem os internos a se comunicar por vídeo com familiares, para acalmar as famílias que estão em suas casas angustiadas com a espera da recuperação e até mesmo no momento da notícia triste de que de um dia para o outro o paciente teve uma grande piora no quadro, vindo a falecer, pois o novo coronavírus, traz mais esse complicador para o luto, a piora muita rápida do quadro evoluindo para óbito em dias ou horas. Os psicólogos tem trabalhado de forma muito intensa nessa pandemia,  seja por vídeo,  ou tomando as precauções cabíveis para o momento e local onde estão trabalhando. Pois além da problemática das perdas traumáticas através dos lutos que não puderam ser vivenciados, estamos diariamente lidando com a piora nos quadros psíquicos dos nossos pacientes durante a pandemia, e o aumento de procura por atendimento de novos pacientes, pois a ansiedade, depressão, preocupação com o futuro,  angústia frente ao novo e à situação financeira que tem trazido muito desequilíbrio emocional à população”- descreveu.

Sendo assim, quando as pessoas sentirem mudanças no seu estado emocional e de comportamento devem procurar a avaliação de um profissional, para que não haja agravamento no quadro emocional e psíquico. “Em relação ao luto, sugiro às famílias que tentem criar como nos outros países, rituais para uma futura despedida de seu ente querido,  seja por fotos, slides, cartões ou até mesmo videoconferência entre os familiares e amigos para que possam se apoiar mesmo que virtualmente nesse momento de perda e tristeza”- conclui.

Já o Padre Pedro Egídio Quinteiro Navarro falou sobre a importância da oração.

“Realmente a morte, mesmo sendo algo natural da nossa vida, é uma realidade que provoca muita dor e sofrimento.
A dor da perda e saudade é algo humano, inclusive há uma canção que diz: “só se tem saudade do que é bom, se chorei de saudade, não foi por fraqueza” ,foi porque eu amei!”
Então, imaginar a morte dentro da situação de Pandemia, exige de quem não é parente, muita paciência, pois a dor é redobrada.
E com certeza, a oração é indispensável para o conforto dos familiares. O normal, dentro de nossa cultura é sim, um momento de Oração, da chamada Celebração das Exéquias. Em que rezamos pela pessoa falecida e pelos seus familiares.
Diante de um situação como a que vivemos me sirvo das palavras do Papa Francisco do último dia 22: “Nestes dias, ouvimos as notícias de muitos falecidos: homens e mulheres que morrem sozinhos, sem poder despedir-se de seus entes queridos. Pensemos neles e rezemos por eles. Mas também pelas famílias, que não podem acompanhar seus entes queridos no momento do falecimento. A nossa oração especial é pelos defuntos e seus familiares” – observou.

Foto arquivo

Flaviane Antolini Favero