Alegretense retorna ao Brasil e trabalha em inteligência epidemiológica na região

Atualmente, Renan trabalha no Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde e realiza Especialização no Programa de treinamento em Epidemiologia aplicada aos serviços do Sistema Único de Saúde pela Escola de Governo Fiocruz Brasília..

Alegretense retorna ao Brasil e trabalha em inteligência epidemiológica na região
Alegretense retorna ao Brasil e trabalha em inteligência epidemiológica na região

O alegretense Renan Marques, Mestre em Saúde Pública e Governança de Sistemas de Saúde retornou ao Brasil.

Renan que possui graduação em Odontologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Pós-graduação em Residência em Vigilância em Saúde pela Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul.  Ano passado, concluiu mestrado duplo pela Europubhealth+ com bolsa de estudos integral financiada pela União Europeia.

Em 2018, ele havia iniciado os estudos na Universidade de Sheffield, no Reino Unido, e la estudou por um mês na École des Hautes Etudes en Santé Publique, em Rennes, na França.

No ano seguinte, se mudou para a Cracóvia, onde estudou Governança de Sistemas de Saúde na Faculdade de Medicina da Universidade Jaguelônica.

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Em julho do ano passado, o alegretense retornou ao Brasil. Cumpriu um isolamento por duas semanas em Porto Alegre, antes de vir para Alegrete. O Dr. Renan Marques encarou um lockdown de março a junho na Polônia, com medidas extremamente rigorosas quanto à circulação pelas cidades.

O alegretense conta que apenas algumas pessoas tinham autorização para descolamento até os trabalhos essenciais, e a população em geral só poderia ir fazer compras ou a farmácias e serviços de saúde. “Somente uma pessoa da família tinha autorização para andar na rua sob pena de multa”, relembra.

Atualmente, Renan trabalha no Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde e realiza Especialização no Programa de treinamento em Epidemiologia aplicada aos serviços do Sistema Único de Saúde pela Escola de Governo Fiocruz Brasília.

O trabalho no Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS) de Sant’Ana do Livramento, onde Renan exerce suas funções é uma nova unidade estabelecida pelo Ministério da Saúde que integra a Rede de Vigilância, Alerta e Resposta às Emergências em Saúde Pública do Sistema Único de Saúde.

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“Similar a uma unidade de inteligência policial, por exemplo, que monitora riscos à segurança pública, minha rotina de trabalho diz respeito à inteligência epidemiológica, com foco na detecção, verificação, avaliação, monitoramento e comunicação de risco imediata de potenciais emergências em saúde pública”, explica o alegretense.

Para essa função, ele recebeu um treinamento da plataforma Epidemic Intelligence from Open Sources (EIOS), uma ferramenta coordenada pela Organização Mundial da Saúde e capaz de detectar rumores e notícias do mundo inteiro, de milhares de fontes, em tempo real”, explica.

Semanalmente, ele participa das plenárias do Comitê de Monitoramento de Eventos promovido pelo Ministério da Saúde e, quinzenalmente, do Comitê de Avaliação e Monitoramento dos Eventos de Saúde Pública coordenado pelo CIEVS Estadual.

Atualmente, Renan está conduzindo a investigação de surtos de Doença Diarreica Aguda que ocorrem no município fronteiriço, onde já identificou mais de 275 casos.

Foto tirada na Universidade de Sheffield, Reino Unido, no dia de apresentação da turma do mestrado e do programa Europubhealth+ (setembro de 2018).

Retorno ao Brasil

Antes mesmo de iniciar o mestrado no exterior, a vontade do alegretense já era de retornar ao Brasil. “Apesar da desvalorização da Saúde Pública e dos trabalhadores do SUS, tenho um enorme respeito pela construção histórica de nosso sistema público de saúde e suas conquistas já alcançadas”, resigna-se.

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Mas com o sentimento que desenvolveu ao longo dos anos de estudo e trabalho, ele passou a entender que suas contribuições podem ter um valor ainda maior aqui. “Não consigo me imaginar trabalhando em outro país – pelo menos não sem antes consolidar minha carreira profissional no Brasil. Ao longo de minha formação e trabalho tenho aprendido muito com pessoas inspiradoras, que se doam incansável e anonimamente para cuidar da saúde e qualidade de vida da nossa população. É próximo delas que também quero deixar o meu legado”, afirma.

Perspectivas de trabalho ao retornar para o Brasil

O retorno ao Brasil em meio à pandemia, sobretudo para Alegrete, foi muito desafiador. Após ter a formatura do mestrado cancelada – o que seria também a última oportunidade de se despedir de grandes amizades que fez na Europa -, ele voltou ao país durante a reta final de sua dissertação, em julho.

Porém, ele já imaginava que a reinserção no mercado de trabalho seria difícil. “Aqui não temos tantas oportunidades como em outros lugares, onde há grande demanda por consultores em saúde e cargos para Direção e Planejamento em áreas para as quais fui treinado”, explica.

Logo que chegou, Renan se inscreveu como voluntário em algumas iniciativas para ajudar no enfrentamento da pandemia, mas não foi chamado.

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“No fim, minha satisfação foi poder ajudar realizando a limpeza do ginásio do Instituto Estadual de Educação Oswaldo Aranha para que o Centro de Triagem Respiratória – o gripário – fosse instalado”, conforma-se. “À distância, acabei trabalhando como tradutor para uma empresa polonesa de Inteligência Artificial”, fala.

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As primeiras impressões ao retornar para o Brasil

De março a julho, ainda na Polônia, ele acompanhou as coletivas do Ministério da Saúde do Brasil quase que diariamente pelo YouTube. Também se mantinha atualizado pela mídia e redes sociais, sempre buscando diferentes opiniões para conseguir ter uma noção mais abrangente do que acontecia no Brasil.

Porém, logo que chegou, ficou bastante decepcionado com a situação que encontrou. “Em comparação ao que vivíamos na Europa, a postura do Brasil diante da pandemia parecia uma grande brincadeira de mau gosto, principalmente pela falta de seriedade com que se encarava a situação”, destacou.

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Renan diz que a primeira troca de Ministro da Saúde e de sua equipe, a qual era composta por profissionais muito competentes, foi uma atitude política sem embasamento técnico. “Era o prenúncio de uma abordagem e narrativa negacionista que tratava o novo coronavírus realmente como uma “gripezinha” qualquer”, explica.

Porém, o alegretense confessa que foi apenas a ponta do iceberg. “Outras situações foram se desenrolando ao longo do tempo. Muitas delas, difíceis de se acreditar, pois no exterior eu já havia vivenciado diariamente e já se tinha certeza sobre seus impactos positivos, como: distanciamento social/físico, necessidade de testagem em massa e de respeito à quarentena, extrema cautela para evitar a banalização de medicamentos “milagrosos” sem eficácia comprovada contra a COVID-19, necessidade de campanhas educativas sérias e de uma linguagem informativa clara, a ser transmitida por lideranças com imagem positiva diante da opinião pública, e, é claro, a necessidade de combate às fake news e narrativas mentirosas”, pondera. 

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Já em Alegrete, vivenciou alguns momentos surpreendentes, como quando recebeu um áudio que viralizou com uma orientação médica de que usar máscara não seria tão importante, mas que “trancar a respiração” ao se passar por outras pessoas na rua seria eficiente, e até mesmo teve uma discussão com uma profissional da área da saúde que, juntamente com sua família, recusava-se a usar máscara até mesmo ao utilizar o elevador de um condomínio.

“Nas redes sociais, tive inúmeras e desgastantes discussões contra a postura de colegas da área da saúde que compartilhavam estudos e opiniões “científicas” fraudulentas. Entretanto, também testemunhei ótimos exemplos, como os de profissionais da linha de frente de todas as áreas da saúde, que me mantinham otimistas e orgulhosos do SUS, e atitudes de cuidado e empatia pela maioria da população e empresas”, conta.

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Opinião pessoal e profissional sobre o enfrentamento da pandemia no Brasil

Considerando minha formação em Governança na Saúde e o que aprendi ao trabalhar durante as epidemias de Ebola (2014) e de Dengue, Zika e Chikungunya (2016/2017), eu diria que os erros do Governo Federal foram muitos. Apesar da gestão em saúde pública no Brasil ser descentralizada, ou seja, competindo aos municípios elaborar o planejamento local de ações em saúde, inclusive sua execução orçamentária, cabe ao nível Estadual, e sobretudo ao nível Federal, prestar auxílio técnico e financeiro aos municípios no contexto de emergências sanitárias como a de COVID-19. Isso significa que, no mínimo, uma liderança séria deveria ter sido assumida imediatamente após a declaração da Pandemia pela Organização Mundial da Saúde, em março de 2020, e mantida até hoje.

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A demora inicial em organizar uma resposta rápida e intersetorial (com a integração entre as áreas da economia, educação, assistência social, etc), foi um ponto crucial que atrasou o início do enfrentamento da pandemia de maneira correta. Isso gerou a falsa impressão de que somente os setores de assistência à saúde seriam responsáveis por mitigar os impactos da pandemia. E a maior prova disso foi que, somente após um ano de pandemia e por pressão do Congresso, o Governo Federal instituiu o Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento da Pandemia da Covid-19. Da mesma forma, o atraso e negligência quanto à disponibilização do auxílio emergencial deixou a população e a economia vulneráveis inicialmente, sem a possibilidade real de uma adoção efetiva das medidas sanitárias.

Nesse contexto, as inúmeras trocas de Ministro de Saúde – o que tecnicamente implica tanto na reformulação de equipes assessoras inteiras quanto demanda bastante tempo até a reorganização de processos de trabalho – foi outro erro fundamental que nos fez perder muito tempo.

A substituição de pessoas extremamente qualificadas por pessoas sem formação específica e experiência prévia em Saúde Pública, como a polêmica militarização da saúde na figura do General Eduardo Pazuello, foi uma atitude absurda que indiretamente favoreceu a propagação do novo coronavírus. Afinal, durante 18 dias, após a saída do ex-Ministro Nelson Teish, o Ministério da Saúde ficou sem liderança e política de saúde definidas.

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Depois disso, o General Pazuello ficou “temporariamente” à frente da pasta por quatro meses, totalizando um período de 10 meses como Ministro da Saúde até sua saída por falhas de gestão e indícios de corrupção. Isso sem falar no suposto “gabinete paralelo”, formado por médicos e empresários negacionistas, que aparentemente foram os verdadeiros influenciadores da tomada de decisão do Presidente da República.

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Alguns pontos críticos que evidenciam a desastrosa gestão e governança do Brasil durante a pandemia dizem respeito às inúmeras infrações sanitárias cometidas por políticos e pelo próprio ex-Ministro Pazuello, ao circular em público sem máscara e promover aglomerações.

A apologia a medicações controversas para “tratamento” da COVID-19 em detrimento de amplo incentivo à vacinação; A negligência e atraso na aquisição de vacinas, que poderiam ter sido negociadas com maior antecedência;

Gastos e incentivo ao “kit covid” – principalmente a favor da cloroquina e ivermectina;

Baixa testagem para a COVID-19, com estocagem e vencimento de milhões de testes;

Envio de vacinas para lugares errados;

Indícios de corrupção na negociação de vacinas e atraso no lançamento de uma ampla e efetiva campanha de imunização;

Ligação com contratos e estudos científicos fraudulentos.

Se coubesse a mim apontar tecnicamente uma das causas do atual cenário brasileiro, destacaria a interferência e polarização política como principal fator que nos levou a tantas perdas para a COVID-19, sejam elas representadas principalmente pelas 600 mil vidas que nos deixaram, ou pelos prejuízos econômicos e sociais que enfrentamos. Não há outra explicação plausível para nossa situação senão a negligência e boicote à ciência, pois temos recursos humanos em pesquisa e Saúde Pública de excelência. Sobretudo, temos um dos maiores e melhores sistemas de saúde do mundo, mesmo com todas as suas fragilidades.

Em geral, como recomendação para maior efetividade das políticas públicas adotadas, eu diria que, diferentemente da prática militar hierarquizada e campanhista, normalmente instituída por meio de programas verticais de curto prazo, o enfrentamento de uma emergência em saúde como a que enfrentamos atualmente demanda ação horizontal e participativa. E isso requer incentivo para que diferentes lideranças sejam capazes de explorar positivamente a singularidade e diversidade cultural de suas comunidades em torno de um mesmo objetivo.

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Para isso, ainda precisamos desenvolver boas práticas de governança e cidadania – inclusive virtual, fazendo com que nossas lutas brasileiras sejam enfrentadas pela celebração de nossa diversidade, tanto em prol de nossa saúde quanto pela saúde de nossa democracia. E, da próxima vez, se faltar conhecimento técnico, que não falte empatia. Viva o SUS, a Ciência e a população brasileira que fez e continua fazendo a sua parte.

Visita ao Instituto Butantan durante o Curso Colaborativo em Saúde Pública Harvard-Brasil (janeiro de 2017)
Foto tirada durante celebração dos 50 anos do Conselho Regional de Odontologia/RS, oportunidade em que fui agraciado com o Prêmio Destaque Gaúcho em Odontologia (abril de 2017)

Fotos: acervo pessoal

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