
Todos os anos, familiares, amigos e membros da comunidade se reúnem para homenagear as vítimas e reforçar a importância da memória e da busca por justiça.

O Coletivo “Kiss: que não se repita” lançou a campanha “Sobrevivi para Contar”, com o objetivo de preservar a memória das vítimas e promover mudanças sociais por meio de narrativas sobre a tragédia da Boate Kiss. A reportagem do Portal Alegrete Tudo conversou com a alegretense Kelen Ferreira, uma das sobreviventes da tragédia que ceifou a vida de quatro jovens de Alegrete.

“12 anos da maior mudança que aconteceu na minha vida. 12 anos que comecei a me reconstruir todos os dias e aprender a conviver com as marcas físicas e psicológicas”, destaca Kélen.

Ela desabafa e diz que viver esses tantos anos, é conviver com as perdas que eram tão próximas e acreditar que um dia todos iremos nos reencontrar.
“É conseguir entender o porque as pessoas me consideram um exemplo de superação, de vida, de resiliência, força” pontua.

“Deus permitiu que eu ficasse aqui para que eu fortalecesse minha Fé, para contar minha história, ser missão nessa vida, poder conviver com minha família, meus pais, meu alicerce e lutar para que não seja esquecido. Agradeço cada vez mais pela segunda chance de vida” crê a alegretense.
“Janeiro é meu mês de reflexão, da ferida que cai a casquinha e que jamais sairá do meu coração e pensamento. Peço que todos vocês não se esqueçam, rezem por nós sobreviventes, pelas famílias e pelos 242 jovens que o destino foi ceifado. Que vocês lutem conosco para que NÃO SE ESQUEÇA e para que QUE NÃO SE REPITA. Cristiane, Juliana, Laureane: Presentes”, pontua.

Kelen, tinha 19 anos no dia do incêndio na Kiss. Cursava o terceiro semestre de Terapia Ocupacional na Universidade Federal de Santa Maria e foi na festa junto de duas amigas, que acabaram não tendo a mesma sorte que ela.

Com 18% do corpo queimado, principalmente os braços. Ficou em coma por 15 dias e internada por 78 dias ao todo. Passou por mais de dez cirurgias, inclusive pela amputação transtibial da perna direita. Atualmente é Terapeuta Ocupacional no Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas, onde reside e vive sua vida, ao lado do marido.
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O hall da Câmara dos Vereadores de Santa Maria foi palco da exposição fotográfica Sobrevivi para Contar, de iniciativa do Coletivo Kiss: que não se repita, que ficou em exposição até sexta-feira (24). As histórias são de 12 famílias ou pessoas diretamente envolvidas com a tragédia, que sobreviveram e mudaram as suas vidas.

No domingo (26) e nesta segunda (27), seguem painéis de discussão e homenagens que acontece na tenda da vigília, em frente ao Banrisul na Praça Saldanha Marinho, e em frente ao espaço onde funcionava a boate Kiss, na Rua dos Andradas. As ações são de iniciativa de Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) e do Coletivo Kiss: Que Não se Repita.
Um dos palcos da programação é o antigo local da boate, na Rua dos Andradas, centro de Santa Maria. No local, os tapumes protegem a estrutura para a construção do memorial em homenagem às vítimas, que já completou seis meses de obras. Nos próximos dias, terá início a fase de concretagem. A empresa responsável pela construção, Infra Incorporadora, mantém a previsão de conclusão para março, mas não descarta uma possível alteração no prazo.
O arquiteto Felipe Zene Motta é o responsável pelos ambientes que serão construídos no memorial. Ele foi o ganhador do concurso realizado, em 2018, pela AVTSM e pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RS) para escolher o projeto. Na fachada, a proposta traz um muro de concreto e tijolos que bloqueia quase que inteiramente a visão do espaço interior, se vista da rua. De acordo com o autor do projeto, a austeridade da fachada representa o luto da cidade e exige respeito do visitante ao que aconteceu. No interior, em contraste, ao atravessar o muro, encontra-se um espaço de luz e fluidez.
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O atravessar busca trazer uma signification do luto e do pesar. Já no centro, o coração do projeto, haverá um jardim circular de flores. À sua volta, 242 pilares de madeira, cada um representando uma vítima da tragédia, suportam uma cobertura radial que abriga as diversas salas do conjunto. Ao fundo, será instalado um auditório, composto por um palco central e plateia em lados opostos. Uma sala multiuso de caráter cultural abrigará o acervo em formato de exposição permanente multimídia. Do outro lado, optou-se por criar uma sala única que abrigará a sede da AVTSM, assim como demais áreas de reunião e atividades coletivas.
A retirada do letreiro da boate Kiss e das portas de entrada, em ato simbólico na Rua dos Andradas no dia 12 de julho de 2024, marcou o início da obra. Ainda na primeira semana, foram catalogados os objetos que farão parte do acervo, e teve início a retirada de materiais da boate como gesso, madeira, alumínio e espuma. O objetivo era dar o direcionamento adequado aos itens e abrir espaço para a entrada do maquinário.
Quase duas semanas depois, em 23 de julho, outro marco importante: a remoção do telhado e das estruturas internas do local. No dia seguinte, a fachada do prédio da boate Kiss começou a ser demolida de forma manual, com a retirada de janelas e estrutura de madeira. Esse foi o último passo antes da derrubada completa das paredes, que ocorreu no dia 29 de julho.
Com a remoção da estrutura, foi realizada a limpeza do entulho e nivelamento do terreno. Nada sobrou do antigo prédio da boate. Após, foram realizadas as marcações de obra e no início das perfurações, primeiras fases da obra, relacionadas à infraestrutura.


Nesta segunda, haverá uma paralisação na construção. O pedido foi da AVTSM, devido à programação voltada aos 12 anos da tragédia. A concretagem será retomada na próxima terça-feira (28), com possíveis alterações no trânsito devido à entrada e saída de maquinários.
O júri realizado em dezembro de 2021, que durou 10 dias, condenou os quatro réus, Elissandro Spohr, Mauro Hoffmann, Luciano Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos, pelo incêndio. Em agosto de 2022, o Tribunal de Justiça do Estado (TJRS) anulou o julgamento, alegando irregularidades, como a escolha dos jurados, uma reunião reservada entre o juiz e os jurados, sem a participação das defesas ou do Ministério Público, e ilegalidades nos quesitos elaborados. Com a decisão, os réus foram soltos.

Em setembro de 2023, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a anulação do júri e o caso foi para o STF. Já em maio de 2024, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu ao Supremo Tribunal Federal o restabelecimento do resultado do júri e consequente prisão dos réus que, até então, aguardavam a definição em liberdade.
No dia 2 de agosto, em decisão monocrática (tomada por um único ministro), Dias Toffoli atendeu aos pedidos do Ministério Público Estadual e do Ministério Público Federal (MPF) em recurso extraordinário e manteve a decisão do júri. Com isso, as condenações dos réus voltaram a valer. Com a decisão do STF, os quatro acusados voltaram para a cadeia para o cumprimento das penas, que vão de 18 a 22 anos de prisão.
Entre os dias 13 de dezembro de 2024 a 3 de fevereiro de 2025, a 2ª Turma da Corte do Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá, em sessão virtual, se irá confirmar o recurso extraordinário que resultou na decisão do ministro Dias Toffoli.
O resultado dessa sessão vai definir se o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) poderá seguir com a análise dos recursos de apelação feitos pelas defesas dos réus para a redução de suas respectivas penas. É necessário aguardar a definição do STF para dar continuidade a esses julgamentos. É possível que a análise tenha três possíveis desdobramentos: redução da pena dos réus, encaminhamento para um novo júri ou a manutenção da atual condenação.