‘É triste saber que fazer o bem não tem vez’, diz estudante que alega ter sido eliminada injustamente do Enem

Segundo candidata, ela foi orientada por uma fiscal a dizer para os colegas de sala qual era o número da página que tinha o tema da redação. Mas, ao fazer isso, foi eliminada. Estudante registrou boletim de ocorrência na PF e relatou o caso ao MPF.

Uma estudante de São Leopoldo entrou com uma manifestação no Ministério Público Federal e registrou boletim de ocorrência na Polícia Federal relatando que foi eliminada de forma injusta na prova do Enem em São Leopoldo, na Região Metropolitana de Porto Alegre, no último domingo (3).

“[Me sinto] injustiçada e desamparada. É triste saber que fazer o bem e ter empatia não tem vez”, afirma a estudante Cecília Alberto Görl.

Segundo o relato de Cecília, ela estava realizando a prova na Escola Estadual Mário Sperb. Ela contou que na sala havia muitos idosos e, um deles, levantou a mão e pediu ajuda da fiscal para encontrar a orientação do tema da redação.

“A fiscal disse para ele que ela não sabia porque não tinha acesso às provas. Então, ela não poderia falar para ele. Aí, eu fiquei com dó do senhor porque estava ali fazendo a prova. Aí, eu chamei a fiscal no meu lugar e falei com ela assim: ‘Olha, se você não está falando porque não sabe a página, eu te falo a página e você fala pra ele, pra ele não ficar sem fazer a redação porque não está achando'”, conta a estudante.

Cecília acrescentou que a fiscal respondeu que não poderia fazer isso, mas a jovem, sim.

“Ela disse: ‘Eu não posso, mas você pode. Então, quando você for ao banheiro, você fala pra esse senhor a página, e aproveita e fala também a página para a senhora da frente, que ela também está com dúvida’. Aí, quando eu fui ao banheiro, eu falei a página. Quando eu voltei, eu já não pude mais ficar, porque a segunda fiscal da sala, porque são duas, a segunda fiscal viu que eu falei a página, aí eu fui eliminada”, relata.

“Fui encaminhada até a coordenação da sessão do Enem, expliquei essa situação, falei que tinha falado para os idosos a página da redação porque a fiscal tinha me autorizado e me pedido. Aí a coordenadora chamou a fiscal que fez isso, que me pediu, e essa fiscal falou na frente da coordenadora que eu era maluca, e que ela não tinha me pedido porque era cola. Isso está escrito em ata”, afirma a jovem.

Cecília contou ainda que, depois do episódio, passou mal. A estudante, que planeja cursar medicina, estava realizando o Enem pela quinta vez. Ela foi retirada da escola e ligou para o pai, que foi até o colégio e tentou falar com a coordenação.

“Eu fui eliminada por volta das 16h, eu tive que ficar até as 19h na frente do colégio esperando, para poder falar porque eu não podia atrapalhar os outros estudantes que estavam fazendo a prova. Quando a prova acabou, a equipe se trancou dentro do colégio, não quis dar informação para gente. Saímos de lá umas 20h quase, sem o nome da mulher [fiscal]”,

A estudante relatou que, depois disso, o pai dela tentou entrar na escola em busca de explicações, e a escola acionou a Guarda Municipal. “Eles meio que expulsaram a gente”, conta Cecília.

A jovem foi então até a Polícia Federal, onde registrou um boletim de ocorrência. Ao G1, a PF informou que “no momento, o que é possível informar é que foi registrada a ocorrência no plantão da Superintendência da Polícia Federal e que será analisado se há elementos para instauração de inquérito”.

A estudante também registrou o fato no Ministério Público Federal. À reportagem, o MPF informou que a “Notícia de Fato instaurada a partir de representação da estudante chegou hoje [terça] ao gabinete do 3º Ofício e tem o prazo de 30 dias para análise do Procurador da República”.

G1 também procurou o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), e aguarda resposta. A reportagem não encontrou a fiscal até a publicação desta reportagem.

‘Foi injustiça com ela’

A candidata do Enem Rosane dos Santos Galski, de 60 anos, conta que fez a prova na mesma sala que Cecília. E relatou que “foi injustiça com ela” o que aconteceu.

“Eu chamei a fiscal, e disse pra ela baixinho, pra fiscal, que eu não tinha achado o tema da redação. Porque no outro ano que fiz, o tema estava no fim, junto com o rascunho. Foi falha minha, porque não li. Gosto de fazer a redação antes do resto da prova. Aí, falei baixinho, e a fiscal disse que ia ver”, conta Rosane.

A mulher relatou que, depois disso, o senhor que estava sentado atrás dela disse em voz alta que também não estava achando o tema da redação. Outra pessoa lá no fundo da sala falou a mesma coisa.

“Eu vi que a menina saiu da sala, foi ao banheiro. A fiscal disse: ‘Uma colega de vocês vai passar o número da página’. Quando ela voltou do banheiro, ela falou em voz alta: ‘Página 20’. A fiscal disse que era para ela avisar. Ela não cochichou, ela falou em voz alta”, relata Rosane.

“Até então, concentrada na prova, não tinha entendido o que tinha acontecido. Quando vi que a menina estava chorando, achei até que ela tinha passado mal. Quando eu sai no portão, no fim da prova, ela estava lá, esperando. Injustiça com ela, não fez nada, foi orientada a fazer isso”, conta a candidata.

“Dor no coração, prejudicar a menina, o sofrimento dela, passou o ano todo se preparando. Perdeu um ano. Depois do que aconteceu, pelo menos a fiscal poderia assumir a responsabilidade, não dizer que a menina era maluca”.

Segundo Rosane, muitos idosos estavam na sala. “Foi ajudar, acabou se prejudicando”, relata sobre a atitude da estudante.

Fonte: G1