Família de primeiro marido de Alexandra Dougokenski pede reabertura de inquérito de morte por suicídio em 2007

Caso foi arquivado. Perícia particular contratada pela família apontou contradições entre provas e relatos colhidos pela polícia. Defesa de Alexandra nega.

A família de José Dougokinski, primeiro marido de Alexandra Dougokenski, solicitou, nesta terça-feira (6), que o inquérito da morte dele seja reaberto. O pedido foi submetido ao Ministério Público de Farroupilha, na serra gaúcha, onde o casal morava e onde o corpo de José foi encontrado.

A conclusão da Polícia Civil, do Ministério Público e da Justiça foi suicídio, e o caso foi arquivado, em 2007. Mas uma perícia particular contratada pela família levanta a hipótese de que ele possa ter sido assassinado, supostamente com a participação de Alexandra.

O promotor Ronaldo Lara Resende confirma que recebeu o pedido, mas que, devido ao excesso de processos em razão do período eleitoral, deve analisar somente após as eleições.

“É uma situação complexa. Envolve questionamento em relação à perícia do Instituto Geral de Perícias (IGP), que é uma coisa extensa e complexa”, diz. “Se tiver algum fundamento, a gente pede o desarquivamento”.

A defesa nega. O advogado de Alexandra, Jean Severo, disse que vai contestar as conclusões do laudo.

“Pelo que Alexandra nos falou, trata de suicídio. Ela não tem nenhuma participação nisso. Me causa até estranheza trazer um assunto desse à tona nesse momento da instrução processual. A família teve anos para fazer isso e não o fez”, afirma.

José é o primeiro marido de Alexandra Dougokenski, e morreu na casa do casal, em Farroupilha, em 2007. — Foto: Arquivo pessoal

José é o primeiro marido de Alexandra Dougokenski, e morreu na casa do casal, em Farroupilha, em 2007. — Foto: Arquivo pessoal

Alexandra Dougokenski está presa após confessar a morte do filho, Rafael Winques, em maio desse ano, na cidade de Planalto, no Norte do Rio Grande do Sul. Foi indiciada por homicídio triplamente qualificado, e cumpre prisão preventiva na Penitenciária de Guaíba, na Região Metropolitana de Porto Alegre.

Morto aos 32 anos, José é o pai do primeiro filho de Alexandra. Na época, a criança tinha 3 anos, e Rafael ainda não era nascido.

Segundo o relato de Alexandra à polícia, ela e José tiveram uma briga em casa, e quando ela foi dormir com o filho, José se enforcou, pendurando uma corda em uma viga no teto. Alexandra disse ter ouvido uma espécie de gemido, e encontrado o corpo do marido por volta das 22h30. Foi ela quem avisou a polícia.

Helena Dougokenski, irmã de José, nunca acreditou na hipótese de suicídio. “Ele não teria motivos para tirar a própria vida. A gente quer que seja reaberto”, diz.

Segundo Helena, a mãe deles acreditou, até o fim da vida, que o filho José foi vítima de um crime.

“Quando o Rafael faleceu, a gente reviveu tudo de novo, porque a gente teve mais contato com o irmão [filho mais velho de Alexandra] e passou a reviver os mesmos momentos que a gente passou 14 anos atrás”, lamenta a irmã.

A família, então, procurou uma advogada e um perito particular para analisar o laudo.

José tinha 32 anos quando morreu — Foto: Arquivo pessoal

José tinha 32 anos quando morreu — Foto: Arquivo pessoal

Contradições

 

O perito criminalístico Eduardo Llanos, da empresa contratada pela família, elencou as contradições que encontrou no relato de Alexandra, nas conclusões da perícia e nas imagens dos laudos de necropsia, em entrevista à RBS TV.

“Inicialmente, quando você analisa o local do crime, você precisa confirmar a versão da pessoa que efetuou a denúncia com elementos técnicos e científicos, o que não aconteceu nesse caso. Fizemos um levantamento completo dos elementos disponíveis que demonstrou se tratar de uma simulação de suicídio”, afirma.

Confira abaixo as principais contradições apontadas pela perícia contratada pela família:

  • Corda no pescoço

 

No depoimento à policia, Alexandra disse que “subiu na cama, cortou a corda, visando socorrê-lo, ao que percebeu que já estava morto”. O perito aponta uma contradição com o que foi encontrado na cena do crime.

“Mesmo no desespero de ver o cônjuge ou companheiro nessa situação, o primeiro que você faz é tirar a corda do pescoço. Independente de ele estar vivo ou morto. Ele ficou com a corda apertada no pescoço até a chegada da polícia”, relata.

  • Marcas

 

As marcas, ou sulcos, analisadas nas fotos do corpo, são incompatíveis com um enforcamento, diz a perícia contratada, e compatíveis com um estrangulamento.

“A marca que fica [no pescoço], produto da pressão da corda de varal, tem diferença quando falamos de suicídio ou enforcamento. No suicídio tem diferentes medidas, diferentes pressões. No caso do estrangulamento, o sulco vai ser sempre igual, reto. O que temos [no caso de José] é um sulco uniforme, característica de estrangulamento”, aponta.

  • Presença de álcool no sangue

 

Outro fato que enfraquece a tese de suicídio, segundo a perícia particular, foi a constatação revelada no exame que detectou a presença de álcool no sangue de José.

“Foram detectados sete decigramas, um estado etílico que não lhe permite tomar decisões, determinações, ter lógica de fazer algo. Ele não está 100% na capacidade de poder desenvolver dinâmica para tirar a própria vida”, diz o perito.

  • Posição do corpo

 

A perícia particular também aponta que os acúmulos de sangue constatados no exame do corpo de José não são compatíveis com um suicídio.

“As manchas vermelhas, produto do funcionamento sanguíneo, estavam depositadas no peito, abdômen, na parte dianteira, o que indica que ele estava deitado de barriga pra cima. Se estivesse suspenso, [as manchas] estariam nas mãos e nas pernas. E quando a polícia chegou, o corpo estava no chão do quarto, de barriga pra baixo”, diz.

O perito ainda acredita que Alexandra não teria agido sozinha, devido ao peso do marido. Por isso, defende que o caso volte a ser investigado.

“Se no dia do fato tivesse sido de forma minuciosa e amparado em elementos técnicos e científicos, hoje o filho de Alexandra estaria vivo. Porque essa pessoa já estaria na cadeia, cumprindo pena por um homicídio”, declara o perito Eduardo Llanos.

Inclusive, Llanos comenta sobre a semelhança da corda de náilon, de varal de roupa, que foi usada por Alexandra, segundo a polícia, para matar o filho. O material é igual ao usado na morte de José.

“O mesmo modus operandi, inclusive o elemento de contrição que é a corda de náilon foi usada na mesma forma . Se deu certo uma vez, poderia dar certo de novo, mas não deu”, aponta.

Por fim, Eduardo lembra que José não havia dado sinais, em sua vida pregressa, de que sofria de depressão, nem que tinha ideias de suicídio.

Advogada da família concorda

 

A advogada da família de José, Maura da Silva Leitske, também chegou a conclusão parecida.

“Nós constatamos que há uma semelhança que supera 95% entre a forma de agir, os instrumentos e também a tentativa de ocultar os vestígios do crime. O crime que lá foi tratado como suicídio apresenta todas as características de uma simulação”, aponta.

Polícia e IGP

 

A delegada que chefiou a investigação da morte de José está aposentada. O delegado Rodrigo Viega Morale, atual titular da Delegacia de Farroupilha, informa que ainda não recebeu nenhuma no notificação do Ministério Público, e que a Polícia Civil também não recebeu nenhuma manifestação oficial sobre o caso.

A chefe da Polícia Civil, Nadine Anflor, complementa que o inquérito foi analisado junto com o Instituto Geral de Perícias, que não encontrou elementos que levassem à reabertura.

Já o Instituto-Geral de Perícias afirma que teve acesso ao laudo particular e não se manifesta sobre o trabalho de terceiros.

“A análise do mérito caberá à Justiça, em momento oportuno. Cabe lembrar que o Laudo produzido pelo IGP após a morte de José Dougokiski e a investigação da Polícia Civil convergiram para a conclusão de suicídio causado por asfixia mecânica, não tendo sido solicitadas perícias adicionais. Ressaltamos ainda que a perícia de uma cena de crime é complexa e envolve análises de diferentes vestígios”, diz o órgão, em nota.

Rafael Mateus Winques está desaparecido desde sexta-feira  — Foto: Divulgação/Polícia Civil

Rafael Mateus Winques está desaparecido desde sexta-feira — Foto: Divulgação/Polícia Civil

Caso Rafael

 

A Justiça iniciou na semana passada as audiências do caso Rafael, ouvindo as primeiras testemunhas. Alexandra deve ser ouvida.

Ela chegou a reportar o desaparecimento do filho à Polícia Civil, mas, em 25 de maio, ela confessou parcialmente o que havia ocorrido, alegando que havia ministrado comprimidos, e acreditando que a criança estava morta, acabou usando uma corda pra transportar o corpo até a casa onde [o corpo] foi encontrado.

A equipe da Polícia Civil de Planalto foi até o local indicado pela mãe e encontrou o corpo. Ela foi presa temporariamente.

A polícia realizou uma reprodução simulada dos fatos. De acordo com a polícia, durante todo o período de investigação, Alexandra apresentava informações que oscilavam entre a verdade e a mentira.

Em novo depoimento, Alexandra apresentou uma nova versão dos acontecimentos e admitiu ter estrangulado o filho, segundo a Polícia Civil. Ela foi indiciada por homicídio triplamente qualificado, por motivo fútil, asfixia e impossibilidade de defesa da vítima, ocultação de cadáver e falsidade ideológica.

Fonte: G1