Filha de produtores de banana de SC é aprovada em medicina na UFSM: ‘A educação pública venceu’

Jovem enfrentou desafios do ensino a distância na pandemia, efeitos do ‘ciclone bomba’, jornadas em dois trabalhos e de estudo por até 15 horas diárias. Ela só reativou suas redes sociais após o Enem.

Uma jovem de 18 anos filha de produtores de bananas e aluna de escola pública de Garuva, no Norte catarinense, foi aprovada no curso de medicina da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul. Noemi Röder madrugava para conseguir dar conta de estudar, trabalhar em dois lugares, ajudar na limpeza do galpão de bananas dos pais e auxiliar os irmãos mais novos nos estudos à distância em casa. Além disso, sua cidade também foi uma das mais afetadas pelo ciclone bomba.

Ela também excluiu as redes sociais durante os estudos. Ao reativar uma delas, a primeira foto postada há uma semana mostra aos amigos e seguidores sua aprovação. Com os braços e rosto pintados, ela celebrou a divulgação do resultado.

“Aprovada em medicina na federal. Agradeço a todos que acreditaram, torceram e oraram. A escola pública venceu”, publicou Noemi.

 

Mesmo com a rotina corrida durante a pandemia, ela também foi aprovada em um processo seletivo e agora é funcionária da prefeitura.

Estudante de escola pública de SC foi selecionada no curso de medicina  — Foto: Redes Sociais/Reprodução

Estudante de escola pública de SC foi selecionada no curso de medicina — Foto: Redes Sociais/Reprodução

A jovem vai ingressar no primeiro dos 12 semestres de curso em 18 de maio. Por enquanto, como as aulas estão 100% online, não precisará se mudar para Santa Maria. Enquanto isso, ela continua estudando em casa.

Noemi afirma que ter prestado o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e passado para o curso com o qual sonhava não encerrou a rotina de estudos que ela iniciou em março do ano passado. Para o Enem, mesmo trabalhando e terminando o ensino médio, ela conta que chegou a estudar 15 horas por dia.

“Quanto mais eu estudava, mais eu percebia como estava atrasada, mais eu via que não sabia nada. Então, eu continuo estudando todos os dias”, conta Noemi.

Estudos, trabalho e redes sociais

 

A jovem conta que suas notas dificilmente eram menores do que 8 no boletim e, por isso, quando ouvia falar em Enem, imaginava que se sairia bem. Ao entrar no terceiro ano do ensino médio decidiu que estudaria para tirar só notas 10. Mas, a pandemia chegou, as escolas foram fechadas e as aulas remotas começaram.

Noemi estudava cerca de 15 horas por dia para dar conta da carga horária — Foto: Jornal Folha Norte SC/Reprodução

Noemi estudava cerca de 15 horas por dia para dar conta da carga horária — Foto: Jornal Folha Norte SC/Reprodução

“Eu comecei a procurar por vídeos de aulas aleatórias para não ficar sem estudar naqueles primeiros dias, e apareceu a propaganda de um cursinho pré-vestibular online que tinha mensalidades baratas. Assinei na hora. Cinco a seis aulas para fazer por dia, mas eu comecei com uma a duas aulas e fui ficando atrasada. Decidi que teria que acordar às 5 horas da manhã para dar conta de começar a estudar antes de ir trabalhar”, relembra.

Noemi conta trabalhava oito horas por dia em uma padaria, mas quando ela fechou, em razão da pandemia, trabalhou em duas lojas.

Além dos estudos, durante o ano passado ela ainda conseguiu passar em um concurso público. Atualmente, trabalha de auxiliar administrativo na Secretaria de Saúde de Garuva.

Em casa Noemi ainda dava suporte aos irmãos mais novos nas aulas à distância, ajudava a mãe na limpeza do galpão de armazenamento das bananas e, de vez em quando, a auxiliava quando ia fazer faxina em casas da região para complementar a renda da família.

Foi aí que Noemi percebeu que deveria excluir as suas contas nas redes sociais, para “não cair na tentação de acessá-las” e não perder tempo. Os perfis só foram reativadas depois da prova do Enem. Foi com a nota do exame que a catarinenses conseguiu a vaga em uma universidade federal.

Noemi é filha de produtores de banana em Garuva (SC) — Foto: Jornal Folha Norte SC/Reprodução

Noemi é filha de produtores de banana em Garuva (SC) — Foto: Jornal Folha Norte SC/Reprodução

Ciclone bomba e sem internet

 

Entre o dia 30 de junho e madrugada de 1º de julho de 2020, além da pandemia os catarinenses tiveram que lidar com um ciclone bomba. O fenômeno causou a morte de 11 pessoas e de outras três durante a reconstrução dos imóveis, de acordo com o relatório da Defesa Civil.

A cidade de Noemi foi bastante impactada. Por nove dias, os moradores ficaram sem energia elétrica e, consequentemente, sem internet.

“Talvez para outras pessoas, nove dias sem internet não signifique muito. Mas imagina você saber que já está atrasada em relação ao conteúdo e não poder estudar? São 100 horas a menos de estudo”, afirma.

 

Noemi excluiu suas redes sociais para não "cair na tentação", segundo ela — Foto: Jornal Folha Norte SC/Reprodução

Noemi excluiu suas redes sociais para não “cair na tentação”, segundo ela — Foto: Jornal Folha Norte SC/Reprodução

Mesmo com todo o esforço e contratempos que Noemi enfrentou para conquistar uma vaga na universidade, ela afirma que a os professores foram essenciais para alcançar o resultado desejado. Apesar dos ótimos mestres ela afirma que o ensino público precisa receber mais atenção e investimentos.

“Têm professores que se esforçam muito. Mas o sistema está precarizado e estamos acostumados com isso, ficamos acomodados. A pandemia também contribuiu para a precarização, os professores não podiam cobrar muito dos alunos porque estavam a distância”, analisa a jovem.

 

Para o futuro Noemi planeja regressar para cidades próximas de Garuva e se dedicar a pesquisa acadêmica assim que terminar a formação no estado gaúcho.

Fonte: G1