Se não houver retomada na atividade, tendência é de aumento no fechamento de postos de trabalho, alertam empresários
Chegaram ao emprego os efeitos do freio na engrenagem da indústria gaúcha. Os reflexos do ritmo lento da atividade aparecem em indicadores recém-divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Ministério do Trabalho.
Sem sinais de reaquecimento da economia, avisam os empresários, a tendência seria de aceleração nas demissões nos próximos meses. Na sexta-feira passada, surgiu uma tênue expectativa de que a injeção de recursos disponíveis para crédito – foram liberados R$ 45 bilhões pelo Banco Central – possa melhorar o humor na economia, mas não há certeza de que contribua para manter o nível de emprego do setor.
Dados do IBGE mostram que, de janeiro a maio, o Rio Grande do Sul teve retração de 4% no emprego industrial, a maior taxa entre as 14 regiões pesquisadas. Pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, o saldo mensal de criação de vagas, que se mantinha positivo até abril, apresentou resultado negativo nos últimos dois meses.
No ano, as admissões na indústria superam em 20,9 mil o número de desligamentos, mas em maio e junho houve 6,6 mil demissões acima do número de contratações. Conforme o IBGE, a maior retração no emprego ocorreu nos segmentos calçadista e metalmecânico.
– Os programas de estímulo do governo amenizam, mas não surtem efeito. Os pedidos sumiram – reclama Getulio da Silva Fonseca, presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul.
Em Canoas, outra cidade gaúcha de perfil industrial, a disposição dos empresários é semelhante. O presidente do Sindicato das Indústrias Metalmecânicas de Canoas (Simecan), Roberto Machemer, diz lamentar a necessidade de dispensas. Tanto porque demitir tem custo alto quanto porque causa perda de funcionários treinados, preparação muitas vezes bancada pela própria empresa. O problema, avalia Machemer, é que se esgotaram alternativas como férias coletivas e banco de horas.
– Isso preocupa porque, depois das demissões, vem a inadimplência, e isso vira uma onda. Não gostamos de ser a gasolina do fogo. Mas não resta alternativa. A tendência é de intensificar as demissões – admite Machemer.
Nas fábricas de sapatos, o fraco movimento é relacionado à queda no mercado interno, avalia Heitor Klein, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). O inverno ameno não ajudou na venda das coleções da estação, as famílias estão endividadas, a inflação corroeu a renda e a Copa redirecionou os gastos dos consumidores. Esses fatores emagreceram as vendas e o faturamento das indústrias.
À procura até em outra área
Ricardo Gonçalvez Gussi, 39 anos, inspetor de qualidade na Perto, fabricante de terminais bancários de autoatendimento de Gravataí, foi dispensado em maio. Naquele mês, o número de demissões começou a superar o de admissões no Estado. A experiência de quase uma década e meia na área de qualidade e os sete anos na companhia não foram suficientes para segurar Gussi no emprego. Como justificativa, diz ter ouvido que os negócios estavam fracos e seria necessário enxugar 15% da mão de obra em cada setor. Logo após ser desligado, foi às agências de emprego em busca de nova colocação, mas ouvia que deveria esperar.
– Diziam que precisava terminar a Copa, porque o Brasil estava parado – relata.
Casado e pai de um casal de crianças, Gussi representa a única fonte de renda da família. Sempre trabalhou na indústria. Como o setor patina, passou a procurar vaga em outras áreas. Embora não demonstre aflição, diz que não pode demorar muito para voltar a trabalhar.
– Preciso me recolocar em até dois meses, senão a situação fica feia – admite.
Procurada, a Perto informou que precisou reduzir o quadro de funcionários no início do ano devido a contratos com grandes clientes que não teriam se concretizado no prazo esperado.
Sindicalistas veem demissões localizadas
Mesmo que os indicadores mostrem recuo do emprego industrial, para a maior parte dos sindicalistas da Região Metropolitana, do Vale do Sinos e da Serra, as demissões registradas até agora são localizadas, fruto da rotatividade normal ou fazem parte de uma estratégia para diminuir os gastos com mão de obra, recontratando funcionários por salários inferiores aos dos demitidos. O período de negociação do dissídio coletivo também reforça o discurso de que as dificuldades das fábricas não têm a dimensão alardeada pelos empresários.
— Não existe crise. O sindicato patronal faz chantagem ameaçando demissões. Se hoje eles demitem 30, amanhã contratam mais 30 com salários mais baixos — diz Luiz Carlos Ferreira, presidente em exercício do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Caxias do Sul e Região.
Também de acordo com dirigentes dos sindicatos de metalúrgicos de Porto Alegre e de Canoas, não há, até agora, registro de grande volume de desligamentos nas indústrias locais. Mas identificam algum tipo de economia nas folhas de pagamento.
– Algumas empresas não repõem o pessoal que sai, outras têm plano de demissão voluntária aberto ou se adequaram com férias coletivas durante a Copa – pondera Paulo Chitolina, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Canoas e Nova Santa Rita.
No setor calçadista, ao lado do metalmecânico um dos mais afetados pelo ritmo lento da economia, não é muito diferente, conforme sindicalistas.
– O que existe é uma oscilação normal. Aqui não se fala em crise. Na indústria calçadista há vagas abertas – afirma Júlio Lopes, presidente do Sindicato dos Sapateiros de Campo Bom.
Um dos poucos a avaliar que os desligamentos não são apenas pontuais é o diretor administrativo do Sindicato dos Metalúrgicos de Gravataí, Valcir Ascari:
– Muitas empresas estão demitindo.
Segundo o dirigente, outras indústrias da cidade, como Tecmont (material eletrônico), Mundial (cutelaria) e SüdMetal (fundição), já recorreram a demissões este ano. No segmento automotivo de Gravataí – formado pela General Motors e quase duas dezenas de fornecedores cativos, os chamados sistemistas –, as dispensas seriam pontuais, conforme o sindicalista.
Fonte: Zero Hora