

No especial do Dia das Mães, a reportagem conversou com a mulher que além de uma super-mãe, integra uma equipe de eletricistas da RGE. Ela conta que é um desafio que começa desde muito cedo aos primeiros sinais de que algo não está bem e perdura dia após dia, numa rotina desgastante e exaustiva, mas que pode ser encarada como um constante aprendizado.
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“Eu não sou daquelas pessoas que romantiza a maternidade atípica. O autismo me trouxe marcas e dores que eu não gostaria de ter, mas consigo ressignificar cada marca deixada e busco evoluir com isso. Se por um lado o autismo me apresentou o cansaço, a exaustão, a solidão, a discriminação, o preconceito e a falta de empatia, por outro lado pude me tornar um ser humano melhor. Cresci, busquei e busco alternativas pra proporcionar ao meu filho o melhor. Compartilho experiência, aprendizado e informação com outras mães”, descreve emocionada.
Josiele aprendeu a olhar pessoas e situações apenas como expectadora sem emitir qualquer opinião. “Eu não sei a realidade daquela pessoa, eu não conheço aquela situação. É assim em todos os aspectos da minha vida. Eu sei o quanto dói o preconceito e a discriminação e luto pra que meu filho não seja alvo dessa maldade. Infelizmente nem sempre consigo protegê-lo”, desabafa a mãe de Gabriel. Além do guri, Josiele tem duas filhas, Cassiane reside em Santa Maria, Júlia mora com ela, juntamente com João Victor.
Ela menciona que nesses 11 anos de Gabriel, o momento mais difícil foi a busca pelo diagnóstico. “Eu sabia, eu sentia que ele era diferente desde muito cedo, ainda bebê, mas não sabia o que era. Isso me levou a passar madrugadas a fio lendo, pesquisando, buscando respostas. Eu só precisava de uma luz, de um possível caminho. Das pessoas próximas e até de profissionais escutei: “ele vai no tempo dele”, “essa criança precisa é de limites!”, “dá umas palmadas que ele para!”, “ele é preguiçoso!” Não, era preguiça, nem falta de limites e nem era sobre o tempo dele, eram sinais clássicos de autismo, eram atrasos que indicavam um possível diagnóstico. Que angústia! Que sensação de impotência! Fui atrás, bati em muitas portas, ouvi muitos “não”. Só parei quando com todas as avaliações que ele precisava eu ouvi do médico o que eu já sabia. Meu mundo caiu, emudeci, durante longas horas não pronunciei uma única palavra. Chorei a madrugada toda, mas no outro dia lá estava eu de novo pronta pra seguir outra vez. Eu não sei se consegui viver o chamado “luto” após o diagnóstico. Chamam assim porque de certa forma deixamos pra trás o filho idealizado e encaramos agora o filho real, com seus atrasos, limitações e um caminho incerto a seguir. Eu não me dei tempo pra isso. Eu parti logo pra ação. Fui buscar profissionais e terapias indicadas pelo neuropediatra. O resultado foi sair de uma criança com atrasos bem significativos pra uma criança que hoje socializa, interage, brinca”, assevera.
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Indagada se já sofreram preconceito, a resposta é imediata – Sim. E aponta que já foi alvo de discriminação também. “E isso dói”, relata.
Ela explica que a falta de conhecimento e de empatia são os grandes causadores dessas situações. “Conhecimento e empatia se complementam. Uma pessoa pode conhecer, saber sobre determinado assunto, no caso o autismo e suas comorbidades, mas se não tiver empatia, sensibilidade, humanidade de nada adianta. E o preconceito vem de todos os lugares e pessoas. Escola, família, amigos, comunidade e grupos em geral. As pessoas não estão preparadas pra olhar e reconhecer o diferente como também integrante do todo. Segregam, excluem, olham torto, julgam, se afastam”, frisa.
Maternidade e vida profissional
Um grande desafio na vida de Josiele. “Um imenso desafio que só é possível encarar porque tenho outras pessoas ao lado”, resume. Cita a rede de apoio, tão necessária para que ela consiga dar conta. Explica como formou em família uma força que lhe torna gigante para encarar o mundo lá fora.
“Eles me seguram, me levam, me levantam. Eu não saberia definir o tamanho da gratidão que sinto quando olho para o lado e vejo cada um deles, em especial minha mãe. Ao mesmo tempo sinto culpa por sobrecarregar os que amo. Por dividir com eles uma tarefa tão minha. Eu só consigo bater a porta e sair para trabalhar segura de que se na minha ausência algum problema aparecer alguém vai estar lá por mim. Sinto angústia quando vejo outras mães que não podem fazer o mesmo. Em muitas famílias o diagnóstico chega de forma devastadora. Se vai o emprego, se vão os amigos e até companheiros, maridos, pais. Ficam mãe e filho”, diz Josiele.
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A comunidade e o Autismo
Ela acredita que conseguiram nesses últimos anos trazer o autismo para ser debatido e o tema ganhou bastante visibilidade. “Quando digo conseguimos, é porque eu participei desse processo e junto com outros parceiros levantamos essa pauta. Até bem pouco tempo não se falava sobre Autismo. Algumas falas aqui e acolá, mas só. Hoje graças a mobilização do poder público, entidades e famílias temos um Centro de Atendimento Especializado em Autismo sendo construído, mas temos ainda um longo caminho a percorrer até que existam políticas públicas atendendo efetivamente essas pessoas. Precisamos de auxiliar em sala de aula, precisamos de terapias verdadeiramente efetivas e continuadas, precisamos de profissionais especializados e precisamos de conscientização sobre o tema”, revela.
Ela aproveita para ir além e deixar uma reflexão, com a propriedade de quem conhece essa realidade. “Hoje meu filho é uma criança ainda, um adulto amanhã, mas conheço mães idosas de pessoas autistas. Existe alguma política sendo pensada pra essas pessoas? Quem cuida dessa idosa e quem cuidará desse filho na sua ausência?
Sobre consciência digo: nossos filhos não são esquisitos, mal educados e não lhes falta limites. Dizer que fulano é “meio autista” não é engraçado”, observa.
O Autismo e a maternidade
“Aprendi com meu filho a viver um dia de cada vez sem o peso da preocupação com o amanhã. Eu não sei como será amanhã. Eu tenho o hoje e isso é tudo. Amo, cuido, protejo. Tento dividir minha atenção com todos, tenho outros filhos e raramente consigo ser 100% presença, é impossível, mas a certeza que deixo com eles é que eu sempre estarei, não importa como, eu serei sempre quem eles terão ao lado quando precisarem. De alguma forma estarei. Já vivemos muitas adversidades, mas nosso elo é forte, com o amor que temos uns pelos outros, superamos. Às vezes pesa, sinto sobrecarregada, me sinto insuficiente, impotente, não tenho pernas e braços que deem conta de trazer tudo na linha. Nessas horas eu faço uma pausa, descanso um pouco, depois sigo sendo a mãe que consigo ser. Eu não sou a melhor, eu gostaria de ser mais, mas eu sou humana, e sendo humana, sou a mãe possível, a que dá pra ser naquele dia. Com o Gabriel aprendi o valor de um abraço, de um beijo. O primeiro dele eu ganhei com 3 anos e pouco. Devido a sensibilidade sensorial meu filho não me abraçava nem beijava. Esse dia ficou marcado pra sempre no meu coração”, relembra emocionada.
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Mensagem a comunidade
Como mãe e como cidadã, e aqui eu me coloco como a voz de outras mães, nós gostaríamos que nossos filhos fossem vistos e respeitados nas suas diferenças e individualidades. Nós não somos guerreiras, não romantizem a sobrecarga que adoece. Nós somos mães e como mães fazemos o possível, mas que se tornaria um pouco mais leve se cada um fizesse sua parte. Nós precisamos de políticas públicas que verdadeiramente atendam as necessidades dos nossos filhos. Nós precisamos de escolas e profissionais qualificados, capacitados e habilitados e que nossas crianças possam ocupar o espaço que lhes pertence. E mais importante, sempre que possível seja colo pra uma mãe atípica. Ofereça um abraço, ofereça momentos de escuta, de conversa. Olhe com mais empatia, busque conhecer a realidade dessas famílias. Lhes garanto que não é nada fácil. Mas se ainda assim, nada disso for possível, ao menos ofereça respeito.

Tua luta merece ser reconhecida e abraçada, mãe! Meu coração transborda de orgulho e amor pela mãe que sempre fostes para nós. Seguimos juntas, te amo de todo meu coração!