Mário Quintana: a história de um dos maiores poetas do Brasil

No dia 4 de maio de 1994 o Brasil perdia um de seus maiores poetas da geração moderna, Mário Quintana. Nascido aqui no Alegrete, em 30 de julho de 1906, Mario de Miranda Quintana era o caçula entre 11 irmãos, o quarto filho de Celso de Oliveira Quintana, farmacêutico, e de D. Virgínia de Miranda Quintana.

Com 7 anos, auxiliado pelos pais, aprende a ler tendo como cartilha o jornal Correio do Povo. Seus pais ensinam-lhe, também, rudimentos de francês. No ano de 1914 inicia seus estudos na Escola Elementar Mista de Dona Mimi Contino. Aos 13, mesmo que contrariado, foi enviado a Porto Alegre pela família, para estudar em regime de internato no severo Colégio Militar. Seus primeiros escritos foram publicados na revista “Hiloea”, do colégio. Tendo passado mais um tempo em Alegrete, Quintana voltou a Porto Alegre em 1926 e começou a trabalhar na Editora Globo, que mais tarde publicaria todos os seus livros. Venceu um concurso de contos promovido pelo jornal “Diário da Noite”, ganhando inesperada notoriedade. Desde então, tomado de entusiasmo, não parou mais de produzir. Dos românticos, era o maior poeta vivo do Brasil.

 

Um poeta reservado

Descoberto por Érico Veríssimo, amante de Camões e Shakespeare, leitor de ficção científica, tradutor de Proust, Voltaire e Virginia Woolf, Mario Quintana era um poeta profundamente lírico, avesso a entrevistas e à fama. Mas foi candidato eterno à Academia Brasileira de Letras.

 

Homenagem em Alegrete


Em 1968, ano em que foi homenageado por Alegrete com um busto de bronze, para ser colocado na praça Getúlio Vargas, o poeta, teria respondido que, por modéstia, não poderia aceitar a homenagem, dizendo que “um engano em bronze é um engano eterno”. Como Quintana fugia dos holofotes, declarou em uma entrevista o motivo de ter feito as declarações que fez: Incomodam-me as homenagens: geralmente são feitas para nos mostrar que o nosso fim está próximo, e que faremos falta. Certa vez, a prefeitura de Alegrete, minha cidade natal, inaugurou um busto meu na praça principal, e o prefeito, na época, convidou-me para redigir palavras que seriam gravadas numa placa de bronze, abaixo do busto. Eu o adverti: “Um engano em bronze é um engano eterno!” E preferi que eles gravassem essa frase, pura e simplesmente. Para mim, o único ponto realmente positivo numa homenagem é que, com essas manifestações de carinho, a figura do poeta, em si mesma, é cada vez mais reconhecida. Eu costumo dizer que, antes, ser poeta era uma agravante. Depois, passou a ser uma atenuante. Hoje, ser poeta é uma credencial. …

 

Primeiras produções literárias

Suas primeiras produções literárias foram publicadas numa revista do Colégio Militar, onde estudou quando adolescente. Em 1926 ganhou um concurso de contos do “Diário de Notícias” de Porto Alegre” com o título “A sétima personagem” e, quatro anos depois, com o advento da “Revista do Globo”, começou a publicar suas primeiras poesias. Tornou-se tradutor, pela Editora Globo, a mesma que publicaria “A Rua dos Cataventos”, em 1940, o primeiro dos 56 livros que escreveu.
Quarenta anos mais tarde e após ter conquistado a admiração de Manuel Bandeira, Augusto Meyer e Carlos Drummond de Andrade com “O aprendiz de feiticeiro”, o poeta recebeu o Prêmio Machado de Assis. Era o reconhecimento de sua obra. Mas para não perder a chance de fugir das entrevistas e homenagens, foi correndo refugiar-se em Alegrete. “Prefiro ser alvo de um atentado a ser alvo de uma homenagem”, justificou.

 

Vida Pessoal


Extremamente discreto quanto à sua vida pessoal, Mario Quintana teve duas grandes paixões assumidas em versos: Cecília Meireles e Bruna Lombardi. “A amizade é um amor que nunca morre”, disse Quintana. Ele e Bruna, roteirista de filmes e poeta, se conheceram nos anos 80, durante uma Feira do Livro em Porto Alegre e se tornaram muito amigos. Ela foi diversas vezes apontada como a musa do poeta. Bruna, na sua última vinda ao R.G.Sul, declarou: “A nossa amizade foi baseada nisso: uma pequena e mútua companhia”. Quando perguntada sobre quais lembranças tinha de Mario Quintana, Bruna respondeu: ” Passeando com ele pelas ruas de Porto Alegre, tomando café, olhando as pessoas e imaginando o que elas pensavam ou o que faziam.”


Avesso a política, apartidário, sem religião, fumante inveterado, solitário por natureza e solteirão convicto, embora tenha se referido a três grandes paixões em sua vida, Mario Quintana viveu para escrever o que lhe interessava. O escritor Erico Veríssimo se referiu a ele como “um anjo que desceu à terra disfarçado de homem e escolheu a profissão pouco lucrativa de poeta”. Ao que o poeta rebateu, evidenciando, como sempre, seu contagiante bom humor: “Prefiro o diabo, ele é mais divertido…”

 

Sua Morte


Em 1994 Quintana é internado no Hospital Moinho de Ventos em Porto Alegre com infecção intestinal e insuficiência respiratória, vindo a falecer no dia 5 de maio desse ano. Sua morte aconteceu quatro dias depois da tragédia de Ayrton Senna, em 5 de maio de 1994, e comoveu tremendamente o Rio Grande do Sul.
O ficcionista Sergio Faraco, amigo fiel de três décadas, guarda a despedida com a nitidez de ontem. “A morte dele, para mim, foi muito dolorosa, não só pela perda de um amigo e de um grande poeta que, embora idoso, ainda escreveria seus belos e sentidos poemas, mas pelas circunstâncias em que se deu. Estávamos ao lado dele na UTI do Hospital Moinhos de Vento, Elena e eu, segurando-lhe as mãos. Mario já não falava, já não ouvia, a agonia se prolongava e então desci para fumar um cigarro no pátio do hospital, com o propósito de retornar logo e acompanhá-lo até o fim. Naqueles escassos minutos que permaneci no térreo, ele morreu. Nunca me perdoei por essa absurda deserção justamente no instante em que ele deixou de respirar e partiu para o céu dos poetas. Quintana talvez quisesse falecer como cantou: “sozinho como um bicho”.

A melhor definição para Mario Quintana, foi feita por ele mesmo, em 1984:
“Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Nasci no rigor do inverno, temperatura: 1 grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro — o mesmo tendo acontecido a sir Isaac Newton! Excusez du peu… Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! Sou é caladão, introspectivo. Não sei porque sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros? Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmácia durante cinco anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Erico Verissimo — que bem sabem (ou souberam) o que é a luta amorosa com as palavras”.
Preso à sua querida Porto Alegre, mesmo assim Quintana fez excelentes amigos entre os grandes intelectuais da época. Seus trabalhos eram elogiados por Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Morais, Cecília Meireles e João Cabral de Melo Neto, além de Manuel Bandeira. O fato de não ter ocupado uma vaga na Academia Brasileira de Letras só fez aguçar seu conhecido humor e sarcasmo. Perdida a terceira indicação para aquele sodalício, compôs o conhecido “Poeminho do Contra”:

Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!
A Câmara de Vereadores da capital do Rio Grande do Sul — Porto Alegre — concede-lhe o título de Cidadão Honorário, em 1967. Passa a publicar Do Caderno H no Caderno de Sábado do Correio do Povo (até 1980).

Casa de Cultura Mário Quintana

Por aprovação unânime da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, o prédio do antigo Hotel Magestic (onde o autor viveu por muitos e muitos anos), tombado como patrimônio histórico do Estado em 1982, passa a denominar-se Casa de Cultura Mário Quintana.

A Rua dos Cataventos
Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.
Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arrancar a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!

Confira nossa galeria de fotos do poeta e a seguir sua bibliografia.

Bibliografia:

– Em português:

– A Rua dos Cata-ventos (1940)
– Canções (1946)
– Sapato Florido (1948)
– O Batalhão de Letras (1948)
– O Aprendiz de Feiticeiro (1950)
– Espelho Mágico (1951)
– Inéditos e Esparsos (1953)
– Poesias (1962)
– Antologia Poética (1966)
– Pé de Pilão (1968) – literatura infanto-juvenil
– Caderno H (1973)
– Apontamentos de História Sobrenatural (1976)
– Quintanares (1976) – edição especial para a MPM Propaganda.
– A Vaca e o Hipogrifo (1977)
– Prosa e Verso (1978)
– Na Volta da Esquina (1979)
– Esconderijos do Tempo (1980)
– Nova Antologia Poética (1981)
– Mario Quintana (1982)
– Lili Inventa o Mundo (1983)
– Os melhores poemas de Mario Quintana (1983)
– Nariz de Vidro (1984)
– O Sapato Amarelo (1984) – literatura infanto-juvenil
– Primavera cruza o rio (1985)
– Oitenta anos de poesia (1986)
– Baú de espantos ((1986)
– Da Preguiça como Método de Trabalho (1987)
– Preparativos de Viagem (1987)
– Porta Giratória (1988)
– A Cor do Invisível (1989)
– Antologia poética de Mario Quintana (1989)
– Velório sem Defunto (1990)
– A Rua dos Cata-ventos (1992) – reedição para os 50 anos da 1a. publicação.
– Sapato Furado (1994)
– Mario Quintana – Poesia completa (2005)
– Quintana de bolso (2006)

No exterior:

– Em espanhol:
– Objetos Perdidos y Otros Poemas (1979) – Buenos Aires – Argentina.
– Mario Quintana. Poemas (1984) – Lima, Peru.

Participação em Antologias:

No Brasil:

– Obras-primas da lírica brasileira (1943)
– Coletânea de poetas sul-rio-grandenses. 1834-1951 – (1952)
– Antologia da poesia brasileira moderna. 1922-1947 – (1953)
– Poesia nossa (1954)
– Antologia poética para a infância e a juventude (1961)
– Antologia da moderna poesia brasileira (1967)
– Antologia dos poetas brasileiros (1967)
– Poesia moderna (1967)
– Porto Alegre ontem e hoje (1971)
– Dicionário antológico das literaturas portuguesa e brasileira (1971)
– Antologia da estância da poesia crioula (1972)
– Trovadores do Rio Grande do Sul (1972)
– Assim escrevem os gaúchos (1976)
– Antologia da literatura rio-grandense contemporânea – Poesia e crônica (1979)
– Histórias de vinho (1980)
– Para gostar de ler: Poesias (1980)
– Te quero verde. Poesia e consciência ecológica (1982)

No Exterior:

– La poésie brésilienne, 1930-1940 – Rio de Janeiro (para circulação no exterior) (1941)
– Brazilian literature. An outline. – New York (1945)
– Poesía brasileña contemporánea, 1920-1946 – Montevideo (1947)
– Antologia de la poesía brasileña – Madrid (1952)
– La poésie brésilliene contemporaine – Paris (1954)
– Un secolo di poesia brasiliana – Siena (1954)
– Antología de la poesía brasileña – Buenos Aires (1959)
– Antología de la poesía brasileña. Desde el Romanticismo a la Generación de Cuarenta y Cinco – Barcelona (1973)
– Chew me up slowly – Porto Alegre (para circulação no exterior) (1978)
– Las voces solidarias – Buenos Aires (1978)

Por Johnny Parison