Maternidade e trabalho na pandemia: três histórias de mães e como elas estão vivendo esse período

A maternidade é uma experiência que modifica completamente a rotina da família, sobretudo da mulher, que assume um novo papel: o de ser mãe. Conseguir conciliar o ser mulher, mãe, dona de casa e profissional não é uma tarefa fácil. Durante a pandemia, essa situação se tornou ainda mais difícil em função do fechamento de diversos setores da sociedade para conter o vírus. O período provocou uma grande crise sanitária e econômica no Brasil e no mundo. Essa situação já se reflete na vida das pessoas e pode ser demonstrada por meio dos números.

 

De acordo com pesquisa realizada pela Oxfam Brasil, no ano de 2020 as mulheres perderam mais de 64 milhões de empregos. Outra pesquisa, realizada pela Famivita, indica que 39% das mulheres que têm filhos pequenos perderam o emprego durante a pandemia e 59% das mulheres que são mães perderam renda. Além disso, a saúde mental das mulheres na pandemia sofreu danos, sobretudo a saúde das mães. É o que revela um estudo da USP que apontou que 63% das mães tiveram sintomas depressivos em função da exaustão provocada pelo período, no qual muitas mulheres tiveram suas tarefas e responsabilidades triplicadas. Esses são apenas alguns dados que demonstram como a pandemia afetou a vida das pessoas e, em especial, das mulheres mães.

As mulheres que conseguiram manter seus empregos tiveram que se adaptar a situação. Assim, em muitos lugares o trabalho aconteceu de maneira remota (home office), ou seja, em casa. Em outros, o trabalho seguiu normalmente, mas as dificuldades aumentaram em função das escolas e creches fechadas, do isolamento social, da falta de rede de apoio, entre outros fatores, que contribuíram para a sobrecarga materna.

 

A partir disso, conversamos com três mulheres, Aline, Ana Cláudia e Daniela, que nos contaram como estão vivendo durante a pandemia. Apesar de todas as dificuldades, das restrições, das perdas, das notícias tristes, entre outras coisas, elas decidiram manter o pensamento positivo, o sorriso no rosto e a preferência por enxergar as coisas boas que, muitas vezes, estão nos pequenos momentos do dia a dia. São histórias que falam sobre força e resiliência para enfrentar os momentos difíceis e que nos fazem refletir sobre o futuro que se espera depois de uma pandemia.

Aline Leal Gonçalves, 30 anos, trabalha como balconista em uma farmácia. Aline é mãe solo do Samuel de 10 anos. Ela relata que antes da pandemia a rotina era corrida, “trabalho, escola do filho, treinos do time que eu jogo (sou pivô do time da Associação Alegretense de Handebol feminino), academia, saída com os amigos, passeio com meu filho e festinhas”. Com a chegada da pandemia, a rotina foi modificada. De todas as atividades que Aline participava, a única que se manteve foi o trabalho. “Sigo trabalhando normalmente, as farmácias seguiram sempre abertas por ser serviço essencial”, destaca.

Foto: arquivo pessoal

Ela descreve o medo e a tensão constantes que passaram a fazer parte do seu dia a dia com a expansão e permanência prolongada da pandemia. “Desde que começou a pandemia até hoje são tempos difíceis. Eu digo difíceis porque tudo mudou muito. Antes a gente não tinha receio de atender ninguém, hoje em dia já ficamos mais apreensivas porque quando chega uma receita de covid na farmácia, a gente já sabe, já conhece os medicamentos que tem ali. Então, provavelmente, a pessoa foi buscar para um familiar ou amigo que já está infectado e não sabe se aquela pessoa também não está”.

 

Ainda sobre essa apreensão, ela explica que redobrou todos os cuidados no trabalho em que, muitas vezes, atua no caixa. “Então eu já fico preocupada com isso. Tem que estar sempre com o álcool para lá e para cá, passar em tudo e a todo momento”. Mesmo seguindo todos os cuidados, a preocupação está sempre presente, pois como Aline menciona “o vírus está bem perto… aqui, no ar” e uma grande inquietação dela é com a possibilidade de levar o vírus para casa e causar contaminação em seus familiares.

Para conseguir se manter no trabalho, Aline conta com a ajuda da mãe, Edelmira e da irmã, Jéssica. “Me ajudam em todas as tarefas, as duas são minha base forte. Minha mãe cuida do Samuel desde os 5 meses e meio para eu trabalhar e ela e a minha irmã fazem todas as tarefas de casa”. Dessa forma, ela refere que sua produtividade no trabalho não foi alterada.

Ela ressalta que, em função da pandemia e de ter deixado de fazer as outras atividades, consegue ter mais tempo com o filho agora e que se mantém presente na educação de Samuel. “Quanto às atividades escolares ajudo bastante ele e minha sobrinha da mesma idade. Tento fazer com que eles sintam mais interesse de estudar em casa, invento jogos, experiências, atividades físicas em casa. Faço tudo o que os professores propõem pra manter uma boa qualidade de ensino e para eles gostarem e não enjoarem de estudar em casa”.

Foto: arquivo pessoal

Aline menciona que, durante a pandemia, tem percebido um aumento nas vendas de medicamentos para ansiedade e depressão. Sobre a percepção que Aline tem de como está a saúde mental dela, ela relata que, apesar da atual situação e da incerteza sobre o futuro, tem muita fé e sempre tenta pensar no lado bom das coisas. “Claro que eu sei que essa doença é terrível, mas o lado ruim eu já sei. Por isso, sempre tento ver as coisas boas da vida, para que meu psicológico se mantenha forte e para que eu não me abale e nem me entristeça. Isso não quer dizer que não me preocupo com o próximo, muito pelo contrário, apenas não quero absorver isso para não correr o risco de adoecer ou algo do tipo”.

 

Aline mostra a leveza com que decidiu levar a vida e relata as coisas boas que aconteceram nesse período. Além da gratidão que sente e expressa por nenhum membro da família ter adecido, ela destaca que, com a pandemia, conseguiu ter mais tempo com o filho e a família, “aprendi a valorizar meu tempo e não ter tanta pressa para tudo, como tinha antes. Aprendi a aproveitar os momentos que realmente importam”.

A pedagoga e empresária, Ana Cláudia De Gregori Ramos, 33 anos, é casada e mãe da Diana, 2 anos. Ela descreve um pouco de como era antes da pandemia, “tínhamos uma rotina muita intensa de trabalho, aí fiquei grávida. Foi uma gravidez complicada, fazendo com que mudasse totalmente nossa rotina. Parei de trabalhar no quarto mês de gestação, Diana nasceu prematura com 6 meses, ficando muito tempo em UTI’s. Isso mudou completamente nossa maneira de ver as coisas e nossas prioridades, principalmente as minhas. Diana virou cem por cento a minha prioridade”.

Foto: arquivo pessoal

Com a pandemia, agora Ana se divide em algumas horas de trabalho presencial e outras em home office, “trabalho como diretora 20 horas presenciais e o restante de maneira remota. Ela afirma que não percebeu diferenças em relação a produtividade no trabalho como diretora. Entretanto, relata que teve que se afastar do restaurante. “Me dedico pela manhã ao trabalho e o restante do tempo sou integralmente mãe. Minha dedicação é exclusivamente da Diana, eu e o Dione. Assim, para realizar as tarefas de casa, o casal optou por contratar uma funcionária em meio período. Dessa forma, conseguem se dedicar a filha e ao trabalho.

Em função do histórico de Diana, Ana menciona que a filha tem uma rotina que conta com fonoaudióloga e fisioterapeuta em atendimento domiciliar. Para ela, a experiência vivenciada com o nascimento prematuro da filha, os cuidados que precisaram manter, assim como as dificuldades da situação, a tornaram ainda mais forte, sobretudo, para conseguir enfrentar esse momento pandêmico com boa saúde mental. “Acredito que depois de tudo que passamos para estar com a Diana, mesmo que a introdução alimentar seja difícil, as birras e os limites nos testem, é incrível. Tenho muita paciência para isso tudo, pois me realizei como mãe e a Diana tem o diferencial de tudo que passou, esteve entre a vida e a morte. Sou católica, acredito que se ela ficou aqui, só posso agradecer e tentar ser a melhor mãe para ela”, destaca.

Foto: arquivo pessoal

Ana ressalta que, apesar do momento, dos obstáculos, da ausência de contato com as pessoas, da situação financeira que sofreu em função da significativa perda de renda do restaurante, enfim, de tudo o que vem ocorrendo, assim como Aline, também consegue se ater ao que vê de positivo nesse momento. Nesse sentido, ela destaca a possibilidade de ficar mais tempo em casa e poder curtir mais momentos com a filha. “Amo meu trabalho, mas ela sempre em primeiro lugar”.

Foto: arquivo pessoal

Para finalizar, Ana expressa sua felicidade em ser mãe, “me realizou e preencheu meus vazios existenciais”.

A terapeuta ocupacional, Daniela Maicá da Silveira, 30 anos, é casada e tem dois filhos, Madalena de 2 anos e 2 meses e Joaquim de 2 meses. Daniela é alegretense, mas atualmente reside em Ijuí. O segundo filho de Daniela nasceu durante a pandemia, assim, antes desse período a rotina era dividida entre cuidados com a filha, “tinha três empregos (APAE, Unijuí e consultório particular), saíamos para passear aos finais de semana, viajávamos para visitar os familiares que residem em outra cidade, a filha mais velha não frequentava escola, então a cada 30 dias vinha um familiar nos dar rede de apoio e cuidar dela enquanto trabalhávamos. A rotina era um pouco puxada, porém conseguíamos dar conta devido a rede de apoio que sempre esteve presente conosco após meu retorno da licença maternidade”, menciona Daniela.

 

Foto: arquivo pessoal

Com a pandemia, a rotina teve que ser alterada. “No início da pandemia minha mãe estava conosco nos auxiliando, porém teve que retornar para casa devido ao risco de se infectar que correria se prolongasse o tempo aqui, então tomei a decisão que eu sairia de um dos empregos para facilitar as coisas e ficar em casa mais dias com a Madalena. Fiquei trabalhando nas terças e quintas e após às 18 horas, nesses dias meu esposo ficava em casa com ela”, descreve.

Ainda sobre o trabalho, a terapeuta ocupacional refere que ficou em home office por um curto período em função da profissão, que demanda um contato direto com os pacientes. Durante o tempo que trabalhou remotamente, ela relata que foi difícil conciliar os cuidados com a pequena que, na época tinha 11 meses, com o home office e mais as tarefas da casa.

Foto: arquivo pessoal

O marido de Daniela também é terapeuta ocupacional e durante alguns meses teve que trocar os dias no trabalho. Dessa forma, o casal não tinha quem os auxiliasse nos momentos em que os dois estavam trabalhando. Assim, precisaram de ajuda para os cuidados com a filha. “Nas quintas ela ficava na casa de uma família que nos acolheu super bem, na casa da chefe do meu esposo”, explica.

Ela também descreve a dificuldade que sentiu em conciliar o trabalho com as tarefas domésticas e cuidados com a filha. “Esse período exigiu que tivéssemos uma rotina exclusiva para as tarefas do trabalho e, com criança pequena, é muito difícil dar conta. Uma das maiores dificuldades foi deixar o acesso à televisão, o que somos contra devido à idade dela. Mas na hora do aperto, era o que ajudava a manter ela fixada para dar conta da demanda do trabalho. Após, conseguia fazer atividades com ela e nos outros dias da semana, pois meu home era somente dois dias na semana e os pacientes do consultório consegui trocar os horários para os sábados”.

 

Atualmente Daniela está em licença maternidade e o casal tem se virado sozinho para dar conta da rotina em casa, com os filhos e o trabalho do esposo. “Estamos nos virando sozinhos para que ninguém corra risco de contaminação, está sendo bem pesado. Puerpério sem rede de apoio, com dois pequenos… Meu esposo conseguiu tirar 20 dias de férias para tentarmos engrenar uma rotina com os dois, mas não está sendo fácil”, destaca.

Foto: arquivo pessoal

Daniela revela que a situação durante este período causou uma exaustão mental no casal, pois são apenas os dois para dividir todas as tarefas e responsabilidades do dia a dia. Além disso, com o nascimento do segundo filho, veio a privação de sono que ocorre nos primeiros meses, esse fator também contribuiu para o cansaço mental. Outra preocupação do casal é que, como o marido de Daniela continua trabalhando normalmente, a possibilidade de levar o vírus pra casa e transmitir aos filhos.

A terapeuta ocupacional afirma que não vê a hora para que essa situação acabe, “para podermos visitar nossos familiares que são de outro município, no qual não vamos desde dezembro de 2019. Sinto muito pelos meus filhos não estarem convivendo com os avós e bisavós. Como também, as dificuldades que isso irá ter a longo prazo no desenvolvimento das crianças por não socializarem com seus pares, não poderem sair de casa e explorar o que há de melhor no mundo”.

 

Para finalizar, Daniela comenta que uma das coisas positivas que tem percebido nesse momento é que muitas pessoas que não valorizavam as coisas do dia a dia, os pequenos momentos, agora estão percebendo o valor de todas essas coisas. Além disso, ela destaca que o momento aflorou o pensamento das pessoas enquanto coletividade.

Essas três histórias são pequenos recortes da realidade de muitas mulheres e mães. Em comum, Aline, Ana e Daniela têm a preocupação que o vírus chegue até suas casas e familiares próximos. Além disso, outro ponto a ser destacado é a perda de parte da renda. Com Aline não aconteceu diretamente. Ela seguiu trabalhando, mas o pai e a irmã, que são autônomos e dividem as contas em casa, ficaram um tempo sem trabalhar, o que ocasionou dificuldades financeiras. Já Ana teve que se afastar do restaurante da família. Assim como Daniela, que teve que sair de um emprego. Elas mostram que são tempos difíceis para todos, mas que também é possível encontrar bons momentos em meio ao caos e traz a reflexão sobre o futuro que queremos a partir de agora.

 

Laís Alende Prates