Treze municípios do Vale do Rio Caí requisitaram 173,6 mil caixas de hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina e zinco. Entidades médicas não recomendam uso desses medicamentos na prevenção ou tratamento precoce da doença.
Hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina são remédios que vêm sendo apontados como solução para prevenir ou tratar de forma precoce a Covid-19. No entanto, eles não possuem eficácia comprovada no tratamento nesta fase da doença, conforme as autoridades médicas.
Nas últimas semanas, médicos do Vale do Caí têm defendido e espalhado a ideia entre prefeitos da região, e 13 cidades decidiram fornecer os medicamentos à população. Quatro não vão seguir a recomendação, e duas ainda não sabem.
A associação que representa os municípios da região solicitou com urgência os medicamentos ao Ministério da Saúde. São mais de 173,6 mil caixas de remédios: 32,4 mil de hidroxicloroquina, 37,9 mil de ivermectina, outras 37,4 mil de azitromicina e mais de 65,9 mil de zinco. A decisão de prescrever caberá ao médico e ao paciente, que deverão assinar um termo de consentimento.
“Nosso objetivo é tratar precocemente as pessoas. Chegar à população e dizer: ‘Procure atendimento, porque tem como se tratar precocemente e evitar hospitalizações e óbitos’”, diz a médica Eliane Reginato Monaretto.
Ela é cardiologista em Montenegro, na Região Metropolitana de Porto Alegre, e integra um grupo que, recentemente, elaborou um documento em que sugerem aos municípios que disponibilizem um conjunto de remédios e vitamina D. A ideia é que o médico possa receitar esse coquetel ao paciente assim que aparecerem os primeiros sintomas gripais, antes mesmo do resultado do diagnóstico e da necessidade de internação.
Entidades alertam para riscos à saúde
O presidente da Sociedade Rio-Grandense de Infectologia, Alexandre Vargas Schwarzbold, destaca que o uso dessas drogas pode causar múltiplos problemas.
“O primeiro risco são os efeitos colaterais, principalmente as pessoas que sofrem de problemas no coração. O segundo risco é a falsa esperança que se cria nelas de que, com isso, vão estar protegidas de evoluírem mal, ou protegidas de adquirir a doença, o que não é verdade. Com isso, elas diminuem as proteções que são fundamentais, as mais importantes e comprovadas”, assinala Schwarzbold.
Dos 35 profissionais que assinam o documento, nenhum é infectologista. Até o momento, não há comprovação científica da eficácia do uso de qualquer medicamento para prevenir ou tratar a Covid-19.
“Pra isso, demora tempo. Nós não estamos em uma situação confortável para se esperar esse tempo. Infelizmente, temos que agir com as armas que temos aqui”, diz Eliane.
A recomendação é reprovada por sociedades médicas e científicas. Em posicionamento recente, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) destacou que, por enquanto, a melhor forma de combater a pandemia é o isolamento social e o uso de máscaras.
“Não existem evidências científicas de que quaisquer das medicações disponíveis no Brasil, tais como ivermectina, cloroquina ou hidroxicloroquina, isoladas ou associadamente, sejam capazes de evitar a instalação da doença em indivíduos não infectados. Isso também é verdade para vitaminas, como, por exemplo, a C e D, e suplementos alimentares contendo zinco ou outros nutrientes”, cita a SBPT, em nota.
Já a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) ressalta que, até o momento, os principais estudos clínicos não demonstraram benefício do uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina, e que a ivermectina apresentou resultados positivos em laboratório, mas não foi testada em seres humanos. Além disso, a combinação entre hidroxicloroquina e o antibiótico azitromicina, destaca a SBI, não tem benefício e pode oferecer riscos ao paciente.
“Vivemos uma séria crise de saúde pública. Não podemos colocar em risco a saúde da população brasileira com orientações sem evidência científica”, pontua, em nota, a SBI.
Prefeituras adotam medidas parecidas
Medidas semelhantes estão sendo tomadas por prefeitos de outras regiões. Em Parobé, no Vale do Paranhana, o denominado “kit-covid”, que contém Tamiflu, paracetamol e azitromicina, passou a ser receitado na semana passada.
“Nós tivemos casos de pessoas que contraíram o vírus, fizeram o tratamento e acabaram melhorando, inclusive um médico do nosso hospital”, diz o prefeito de Parobé, Diego Picucha. “Saber 100% se foi pelo medicamento, a gente não tem como saber. Mas, ao que tudo indica, sim, o tratamento foi feito com esses medicamentos.”
“Muitos dos gestores públicos estão seguindo essas recomendações, que não são das sociedades médicas, e, com isso, fazendo gastos públicos que, na frente, vão se comprovar que não deveriam ter sido feito”, rebate o presidente da Sociedade Rio-Grandense de Infectologia.
No Sul do estado há um movimento de prefeitos nesse sentido, segundo nota divulgada pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Porém, segundo a UFPel, em documento, experiências individuais ou estudos com problemas metodológicos têm sido usados para justificar o tratamento. A insituição reitera que não recomenda o uso das medicações.
“Se, eventualmente, ele quiser prescrever uma medicação é que off-label, que não está na bula, ele pode, deixando bem claro que é uso off-label, deixando bem claro as evidências que existem”, diz o vice-presidente do Conselho Regional de Medicina (Cremers), Eduardo Neubarth Trindade.
Kit Covid passou a ser receitado em Parobé — Foto: Reprodução/RBS TV
Fonte: G1