Monitor da Violência: dois em cada cinco assassinatos no RS não têm autoria definida

Em 60 casos de homicídio, feminicídio ou latrocínio registrados de 21 a 27 de agosto de 2017, em apenas 36 o autor foi identificado. Em 24 deles, não. Outros 22 casos de mortes violentas foram registrados como suicídio.

Em apenas uma semana de agosto, em 2017, o Rio Grande do Sul registrou 82 casos de mortes violentas. Exceto por 22, registrados como suicídio, foram 60 ocorrências por homicídio, latrocínio ou feminicídio cometidas por outra pessoa.

Só que, dois anos depois, apenas 36 do total de casos tiveram a autoria definida — ou seja, três em cada cinco casos (60%) o autor foi identificado pela polícia e responderá à Justiça pelo crime. Outros dois em cada cinco (24 casos, no total, ou 40%) ainda seguem em investigação para definir quem é o criminoso.

Os índices foram extraídos do Monitor da Violência, projeto do G1 inédito no país que registrou todos os casos de homicídio, latrocínio, feminicídio, morte por intervenção policial e suicídio ocorridos no Brasil de 21 a 27 de agosto de 2017. Veja os números sobre autoria dos crimes no RS:

  • 82 casos
  • 24 seguem sem autor identificado (dois autores não informados)
  • 36 têm autores identificados (dois por autoria de policiais)
  • 22 são suicídios

A maioria dos casos insolúveis aconteceu em Porto Alegre, Viamão ou Alvorada. Além de concentrar a maior parte dos crimes, as cidades da Região Metropolitana ainda aglutinam as ocorrências mais complicadas.

“É de uma semana de 2017. Depois disso, tivemos uma melhora significativa dos indicadores de criminalidade e das elucidações, que já estão em mais de 70% em Porto Alegre e quase 70% na Região Metropolitana e no interior”, avalia a delegada Nadine Anflor, chefe da Polícia Civil do estado.

Entre os casos solucionados, dois tiveram como autores policiais em serviço. Foi em uma operação da Brigada Militar no bairro Fátima, em Caxias do Sul. As mortes foram definidas como legítima defesa e os policiais não foram indiciados. O Ministério Público também optou por não oferecer denúncia, e o processo foi arquivado.

Nos demais 34 casos, ainda restam criminosos que não receberam denúncia ou que estão foragidos. Mas, pelo menos, a autoria já é conhecida pela polícia e pelo Judiciário.

“Um ano depois, a gente foi ver em que pé estavam as investigações, e viu que apenas 2% dos casos haviam sido julgados, a maioria dos inquéritos estava em andamento na polícia, a maioria dos autores não havia sido identificada ainda. A gente viu que era um processo lento a investigação desses casos”, comenta o jornalista Thiago Reis, coordenador do Monitor da Violência do G1, sobre o panorama nacional do levantamento.

‘Um crime leva ao outro’

Ivo vacariano morreu no local dos disparos, e Salvina no hospital — Foto: Polícia Civil/Divulgação

Ivo vacariano morreu no local dos disparos, e Salvina no hospital — Foto: Polícia Civil/Divulgação

Um dos casos acompanhados pelo G1 RS, na cidade de Passo Fundo, envolve a briga entre vizinhos que acabou gerando um novo crime. Após um casal ser assassinado em 2017, o filho deles matou o autor do primeiro homicídio. Ele se apresentou à polícia em maio deste ano e confessou a autoria.

“Ele atirou e eu revidei”, afirma Eron Vaccariano. “Disparei umas 11, 12 vezes. Eu tinha dois revólveres. Descarreguei um, peguei o outro e descarreguei o outro”, completa.

A Polícia Civil diz que a motivação para o crime tem a ver com a morte dos pais. “Apuramos desde o início que a motivação era uma vingança”, afirma a delegada responsável pela investigação, Daniela Mineto.

Policiais foram até o local após a ocorrência — Foto: Reprodução/RBS TV

Policiais foram até o local após a ocorrência — Foto: Reprodução/RBS TV

Eron conta que o desentendimento entre os pais e o vizinho surgiu por causa das galinhas que eles criavam em casa. “As galinhas do pai iam lá e ele estava comendo as galinhas. Começou ali a rixa de um ficar um olhando de cara feia para o outro. Foi um dia que ele bebeu e fez essa tragédia”, lembra.

Ivo e Salvina estavam em casa quando Gervani entrou, naquela tarde de 21 de agosto. “A mãe falou com ele e ele deu uma coronhada, depois atirou. O pai estava dormindo na sala. Ele acertou a perna do meu pai, chegou em cima e deu mais três tiros contra o peito dele”.

O vizinho foi até a delegacia, acompanhado de seu advogado, e confessou ser o autor. Ele não foi preso porque, segundo a polícia, era réu primário e tinha trabalho — atuava como vigilante — e residência fixos.

Ficaria aguardando a data do julgamento em liberdade. Porém, acabou morto a tiros por Eron antes que isso acontecesse.

Gervani foi morto a tiros em maio de 2019 — Foto: Polícia Civil/Divulgação

Gervani foi morto a tiros em maio de 2019 — Foto: Polícia Civil/Divulgação

Os disparos também acertaram a esposa de Gervani, que estava com ele no carro no dia do ataque.

“Três balas no braço e uma na cabeça. Escapei por um fio”, diz Cleuza de Araújo Telles.

Eron também responde em liberdade. “Um crime leva ao outro, e nunca vai parar. Isso aí em que parar”, diz.

“É muito importante identificar o homicida para retirá-lo de circulação porque, muitas vezes, a partir do momento em que ele mata, é vingado, e se iniciam ciclos de vingança incessantes. Um homicídio se transforma em vários homicídios”, avalia Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

Fonte: G1