Nossa vida não é mais a mesma depois da pandemia

Desde que se espalhou pelo mundo, o novo coronavírus impôs drásticas mudanças em diversos aspectos da sociedade. A pandemia afetou as relações pessoais e as formas de produção e consumo de bens e serviços, alterando a dinâmica social.

Novos hábitos passaram a fazer parte da rotina das pessoas. A máscara facial (pouco comum no Brasil, mas muito presente na cultura asiática), o álcool em gel e a frequente higienização dos produtos tornaram-se indispensáveis no dia a dia. O consumo de conteúdos na internet, que já vinha em grande expansão, exacerbou em função das condições impostas pelo isolamento social. Com isso, também se observou a expansão do comércio digital, além do aumento no número de assinaturas nas plataformas de streaming.
Ao mesmo tempo em que a pandemia implicou no surgimento de novos costumes, também provocou o retorno de antigos hábitos. Nesse sentido, destaca-se o crescente interesse das pessoas em cultivar uma parte de seus alimentos em hortas caseiras. Diante desse período pandêmico, hábitos que haviam se perdido, como o envolvimento na preparação das comidas e a realização de refeições em família, começaram a ser resgatados.

Alguns destes costumes têm a tendência de se manter, como é o caso da horta cultivada em casa pela psicopedagoga Anaeliza Borges Marzullo. Ela conta que sempre teve vontade, mas em função da falta de tempo, não conseguia concretizar esse desejo. Com a pandemia, a psicopedagoga sentiu a necessidade de pôr em prática essa prática e começou a cultivar uma pequena horta na sacada do seu apartamento, com a ajuda de sua gata Mary que adorou o espaço. “Comecei com pimentões de todas as cores. Detesto agrotóxicos, então, fui ampliando e cultivando tomates e temperos para comida e para chá”, conta. Esse novo hábito foi importante para que Anaeliza conseguisse lidar com a ansiedade gerada neste período. Atualmente, a psicopedagoga se mudou para uma casa e ampliou o cultivo em sua horta que, agora, conta com manjerona, cury, hortelã, salsa, cebolinha e alecrim. Além disso, ela ressalta outro costume que já possuía e que, em função do isolamento, conseguiu aprimorar, que foi “os cuidados com a casa, enfeitar e tornar mais agradável e aconchegante.”

A professora de química Gabriella Eldereti Machado relata como a pandemia a afetou: “A pandemia mudou muito a minha vida por ser algo inesperado. A previsão que tínhamos no início era de seis meses e ainda estamos enfrentando essa crise. No momento que iniciou a pandemia, eu estava com muitos planejamentos para o ano, que tiveram que ser interrompidos e, devido a isto, por não saber o que ia acontecer, me causou um aumento na ansiedade e um medo de tudo e de como iria ser o andamento da pandemia”.

Para amenizar os sentimentos de angústia e ansiedade pela contexto atual, Gabriella precisou buscar alternativas para lidar com a situação. “Com isso, tive que buscar algum gatilho para conseguir sobreviver emocionalmente ao período, retornei a uma atividade que tinha parado há algum tempo: as caminhadas em lugares abertos. Passei a fazer corridas também e viraram um novo hábito, que eu não tinha anteriormente à pandemia. Agora, consigo lidar um pouco melhor com a ansiedade do período e busco quase que diariamente caminhar ou correr, pois são meus refúgios”, ressalta a professora.
A técnica em contabilidade Marizete Jaques Severo, servidora pública, destaca que, desde o início, a pandemia provocou mudanças na rotina da sua família. Embora os horários de trabalho do seu marido Paulo não tenham se alterado, os seus horários sofreram modificações e a filha do casal, Mariana, de 5 anos, teve a interrupção das aulas presenciais, ela “passou do ensino integral à escolinha da vovó”.

Marizete destaca que, mesmo antes da pandemia, a família já possuía alguns costumes como, por exemplo, não entrar em casa com o mesmo calçado que estava utilizando na rua, hábito que foi potencializado nesse período. A partir do isolamento social, Mariana, filha de Marizete começou a sentir muita saudade dos colegas e da escola, pois não tinha com quem brincar. Assim, a pequena passou a convidar a mãe para as brincadeiras: “a gente brinca de esconde-esconde, pega-pega, ela montou uma sala de ballet no pátio de casa para me ensinar a dançar”. Nesse sentido, a servidora relata que tem sido positivo esse tempo em que ela tem conseguido ficar mais com a filha. Ela se considera mais presente e tem conseguido compartilhar ensinamentos com a filha: “eu ensinei ela a ter mais responsabilidades. Desde criança, quando eu morava na zona rural, eu tinha algumas responsabilidades, como por exemplo, cuidar dos animais. A Mariana queria ter animais, então ela é responsável por cuidar da coelha, da cadela, ela também pega ovos pra mim e aprendeu a moer milho”.

O cultivo de horta com diversos vegetais e a plantação de camomila foram outros hábitos que Marizete menciona terem sido potencializados durante a pandemia. Ela destaca que toda a família trabalha nos cuidados da horta e que a filha Mariana participa do processo de plantio, cuidado, colheita e tratamento da camomila para armazenar o chá.
A servidora também destaca que a filha e o marido a presentearam com um jardim e que os momentos de convívio em família foram fortalecidos. “Nós começamos a cozinhar mais em casa, eu ensinei algumas receitas para a Mariana e também eu comecei a fazer algumas coisas em casa que antes não conseguia por causa do tempo, como fazer uma costura, pintar uma grade, fazer um reparo… essas coisas que a gente não tinha um olhar mais aguçado para dentro de casa e hoje a gente já consegue observar melhor e cuidar mais de casa e, acima de tudo, gostar mais de estar em casa.” Pequenas mudanças que estão aproximando a filha às raízes dos pais.

A psicóloga Anne Carolyne Ferreira relata que, com a pandemia, observou mudanças nos atendimentos que fornecia aos pacientes. Ela refere que “os atendimentos clínicos se modificaram muito nesse período de pandemia. Foi necessário reinventar os modos de atendimento, para que os pacientes fossem acolhidos e fosse possível estabelecer o vínculo e a confiança”. Ela também destaca que houve aumento na procura por atendimento psicológico nesse período. Segundo Anne, “o aumento foi perceptível e as principais queixas envolvem as dificuldades de reinventar novas maneiras de viver e, principalmente, a dificuldade de lidar com morte, as maneiras de elaborar a partida de pessoas, muitas vezes, sem ter a possibilidade de vivenciar o ritual dos atos fúnebres, uma vez que com a pandemia este ritual se tornou inviável pelo risco de contaminação, fato esse que dificulta o processo de luto”.
Para a psicóloga, a pandemia não implicou na retomada de antigos costumes, mas reforçou o distanciamento social que antes era velado. Ela cita que “a mudança de hábito é algo que incomoda e gera angústia e, em quarentena, o ser humano acaba se tornando frágil e perdendo o contato mais próximo com as pessoas. Enquanto profissional, não vejo como uma retomada de antigos hábitos, uma vez que nossa geração vive na modernidade líquida, conceito do sociólogo Bauman, o mesmo se refere a uma fragilidade nas relações sociais, onde não há uma criação sólida de relações. As pessoas tinham suas vidas corridas e viviam num mundo cibernético, onde tudo que vivenciavam tinha que ser postado nas redes. Se antes já tínhamos relações frágeis, com a pandemia, houve o afastamento de pessoas e os afetos passaram a ser distribuídos nas redes sociais, sendo assim com a pandemia tudo isso se reforçou, uma vez que as pessoas evitam contato presencial e iniciaram jornadas online, aula, trabalho, família, etc. Acredito que a pandemia mudou hábitos no sentido das pessoas serem criativas para recriar novas formas de viver”.

Ela ressalta que “a sociedade precisa se recriar, encontrar novas formas de viver, como lidar com a morte, demonstrar afeto sem aglomerar, criar novas formas de gerar renda, etc. Destaco a criatividade como algo positivo, pois o ser humano que é criativo para lidar com situações novas tem maior facilidade de resolver conflitos”. A partir disso, o que podemos ter como certeza é de que o “normal” como conhecíamos ou esperávamos, não existirá mais. A pandemia provocou e ainda continua provocando muitas perdas (emocionais, físicas, financeiras) e ainda levará algum tempo para que as cicatrizes deste período comecem a se curar. Além disso, a pandemia impactou em diversos setores sociais e econômicos, gerando a necessidade de resgatar valores e tradições anteriormente descartados e que, no presente, mostram-se essenciais.

Lais Prates