Tribunal condena prefeitura de Caxias do Sul a pagar indenização milionária a família por doação de terreno

Família Magnabosco doou área de 57 mil m² para a UCS, que não foi utilizada e acabou sendo ocupada por moradores. Valor pode chegar a R$ 820 milhões, segundo os advogados.

A prefeitura de Caxias do Sul terá de pagar a dívida milionária que tem com a família Magnabosco. A decisão foi confirmada durante julgamento da ação rescisória que tentava tirar o município da condição de réu no processo que se arrasta há mais de 30 anos. O julgamento foi concluído nesta quarta-feira (27) no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Três ministros votaram a favor do município e três votaram contra. O desempate coube ao presidente da sessão, ministro Mauro Campbell. Ele votou pelos Magnabosco.

— O presidente veio no sentido de que uma ação rescisória não é palco para rediscutir uma matéria que já teve decisão preliminar. O município deveria é ter entrado contra todas as partes no processo e não apenas contra os Magnabosco — diz o advogado da família, Rodrigo Balen.

Na ação, o município de Caxias do Sul pedia para deixar de ser réu no caso que envolve a área de 57 mil metros quadrados que a família Magnabosco doou, em 1966, para construção da Universidade de Caxias do Sul (UCS). O terreno acabou não sendo utilizado para a finalidade para qual foi destinado e, sim, ocupado por centenas de moradores, dez anos depois, dando início ao bairro Primeiro de Maio, na área central da cidade. A indenização pode chegar atualmente a R$ 820 milhões, segundo cálculo feito pela defesa da família Magnabosco. O valor oficial não está calculado, uma vez que o processo de cobrança dos precatórios de parte da dívida estava suspenso em razão do julgamento da ação rescisória.

Com a definição no STJ, o próximo passo, segundo Balen, é reunir a equipe jurídica responsável pelo defesa do Magnabosco e ver de que forma agir a partir de agora.

julgamento teve início de fato em 27 de março, quando votaram o relator, Benedito Gonçalves, e a revisora, Assusete Magalhães, ambos contrários ao município. Na mesma sessão, o ministro Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, pediu vista pela primeira vez. Depois, disso, houve uma sequência de adiamentos provocada pelo próprio ministro por diferentes motivos.

A votação só prosseguiu no dia 9 de outubro, quando mais três ministros votaram. Herman Benjamin votou parcialmente favorável ao município. Ele defendeu que a área foi devolvida à família pelo Executivo municipal e que a prefeitura apenas cumpriu seu dever oferecendo suporte aos ocupantes com redes de água e esgoto. Para Benjamin, cabe à prefeitura  a responsabilidade pelas benfeitorias que fez e não o total referente à área de 57 mil metros quadrados. O ministro Sérgio Kukina votou com Benjamin, empatando o placar em 2 a 2.

No entanto, ainda na mesma sessão, a ministra Regina Helena Costa desempatou, votando com o relator, e deixando o placar em 3 a 2 contra o município. Em seguida, o ministro Gurgel de Faria pediu vista, interrompendo mais uma vez a votação. Na retomada do julgamento nesta quarta-feira, Gurgel votou a favor do município. Campbell desempatou.

Há ainda outras duas ações em diferentes esferas judiciais sobre o caso.  Em uma delas, a prefeitura pede a impugnação dos precatórios do caso. Na outra ação, questiona valores de uma parte da dívida, que considera que foram calculados indevidamente.

Prefeitura lamenta resultado

Em nota, o prefeito de Caxias do Sul, Daniel Guerra, se manifestou a respeito do desfecho da ação. Ele cita juros indevidos e considera absurdo o valor da indenização. O montante atualizado da dívida não está confirmado, uma vez que não há posicionamento oficial da Justiça a respeito disso. A estimativa é de que o valor chegue a R$ 820 milhões.

 “Lamentamos a decisão do Superior Tribunal de Justiça, com a diferença de um voto, em condenar a cidade de Caxias do Sul a esta absurda indenização à família Magnabosco. Entretanto, questões relevantes foram trazidas no julgamento desse caso pelos ministros, como a ofensa, inclusive a princípios constitucionais, e o montante absurdo da condenação, que tem a sua maior parte em juros que não são devidos à família Magnabosco pela interpretação do Supremo Tribunal Federal. Iremos avaliar com a nossa Procuradoria como o impacto desta indenização pode ser reduzido para conservação dos serviços essenciais do município nas áreas prioritárias: saúde, educação e segurança”, reforçou Guerra.

A procuradoria-geral do município também emitiu parecer sobre o resultado do processo.

“A Procuradoria avalia como injusta a decisão do STJ, que terá como efeito prático o sacrifício de um município de mais de 500 mil habitantes, em detrimento do enriquecimento de uma única família. Seguiremos alinhando estratégias jurídicas para amenizar os impactos para o município e para a população”, frisou a procuradora-geral, Cássia Kuhn.

O que dizem os advogados da família

 O advogado Durval Balen, responsável pela ação de reintegração de posse da área dos Magnabosco e que resultou em pedido de indenização, diz que falta bem pouco para que a família seja reparada pelos danos sofridos. Para ele, a insistência do município em não reconhecer a responsabilidade no caso só contribuiu para a dívida acumular juros e correção monetária.

Confira a opinião do advogado em entrevista ao Pioneiro:

O que acontece a partir de agora?
Durval Balen:
 Existe um processo que é a ação de reintegração de posse que foi transformada em indenizatória de acordo com inúmeras decisões dos tribunais. Pela lei, quando não pode ser cumprida a decisão de retirada do pessoal que ocupou uma área, se converte em ação indenizatória. O município, por ter agido em concurso com os invasores, criando infraestrutura, tem de responder por isso. Ganhamos todos os recursos. Quando transitou em julgado há mais de 10 anos, o município entrou com essa ação rescisória que foi julgada hoje (quarta-feira, dia 27). Sob o ponto de vista jurídico, sempre tivemos absoluta confiança, pela lei, pela doutrina, pela jurisprudência, no resultado. O que ensejou os votos contrários nesse julgamento foi o valor da indenização, só que o magistrado nunca pode julgar um processo com a máquina de calcular na mão, mas sim com a lei. Esses três votos favoráveis ao município, respeito as decisões todas, mas sou obrigado a dizer que de jurídico não tem nada, foram votos vazios, sem fundamentação nenhuma, baseados exclusivamente no valor da indenização que nem sabe qual é o valor correto. Se por um acaso fosse vencedora a tese do município, estaríamos abrindo um precedente enorme. Ou seja, conta pequena se paga, se a conta for elevada, não. Então, o negócio seria dever muito para não pagar a dívida. Agora ainda tem recursos, os famosos embargos de declaração, mas pouco ou nada vai ser alterado, temos confiança absoluta. Os embargos de declaração só podem ser feitos após a publicação do acórdão desta decisão de hoje, que pode levar alguns dias, mas isso aí só vai aumentando a conta. Mas deixaram de julgar uma questão muito importante, que a ação rescisória foi proposta apenas contra a família e a lei manda que todas as partes integrem o processo rescisório e não foi o caso. Foi um erro absoluto. Tanto é verdade que nesse julgamento, o ministro do voto antes do empate, levou três minutos. A ministra Assusete (Magalhães) e Regina Helena Costa intimaram o ministro Gurgel (de Faria) se ele havia enfrentado essa questão, que é preliminar. Deveria ter sido extinta essa ação. Ultrapassada essa parte, o ministro Hermann (de Vasconcellos e Benjamin), que é um ministro fazendário, sempre via de regra está ao lado da Fazenda Pública, vai ter que julgar aquele processo que é o recurso especial, que o precatório, que já colocou e tirou de pauta por quatro vezes. Ou ele julga ou vamos ter que fazer uma petição representando contra o ministro.

E o pagamento de precatórios que estavam suspensos?
Já foi determinado pelo presidente do TJ e a família concordou que deveria ser pagamento à vista, mas o presidente entendeu que poderia ser pela operação que houve em pagamentos mensais. O pagamento foi suspenso justamente em razão da ação rescisória e do recurso especial que pede o cancelamento dos precatórios. Se o município por acaso ganhar aí a conta será astronômica. Porque anula o precatório, volta para trás, na data em que foi confeccionado e gera novo precatório e volta a incidência daqueles juros, coisa que hoje está suspensa. É paradoxal, se o município ganhar, a conta cresce. Precatório só tem correção monetária, cessam juros. Agora não é mais aqueles R$ 65 milhões (bloqueados na conta do município e depois revogados), agora já teriam transcorrido todos os meses desde então. A não ser que seja feita um acordo, reiniciando prazo para o pagamento.  Uma coisa que realmente não entendo: qualquer advogado que se debruçasse sobre o caso iria ver o resultado final desse processo. A família sempre esteve aberta para o diálogo com o município para se encontrar uma solução pacífica, acordo é acordo, mas nunca fomos procurados e apesar de sempre termos dito a mesma coisa desde o início há quase 40 anos. Seria a hora do município de procurar de alguma maneira a família e tentar uma composição dessa dívida. Se eu fosse prefeito, já teria feito isso há muito tempo. Postergar só vai aumentar o valor.

Fonte: Gaúcha/ZH