O Portal Alegrete Tudo percorreu bairros próximo ao centro da cidade que estão na enchente e conversou com moradores que estão desabrigados.
Segunda-feira, 15 horas 55 minutos, no final da Venâncio Aires, três homens sentados conversam sem parar à sombra de uma residência que está no meio da rua. O cenário é desolador, uma casa na rua e, ao fundo, água por todos os lados.
Entre eles, o vice-presidente do bairro Santo Antônio, Funcho, faz questão que coloque “Funcho”. – Todo mundo me conhece assim – explica o líder comunitário. Criador de uma biblioteca comunitária no bairro, perdeu mais de 2 mil livros. A casa onde mora está com água na janela. – Essa é a segunda neste ano, já estamos calejados – resigna-se o homem.
Não diferente, João do Santos, 55 anos, com a esposa hospitalizada diz que não consegue pegar no sono desde o dia 23. – Não tem como, mas aqui no bairro é tranquilo,com ajuda dos vizinhos vamos levando – comenta o trabalhador, com os olhos marejados.
Da conversa sobre as cheias, logo chega na política – aí eles soltam o verbo. Problemas estruturais do bairro vem à tona. Ali todos são unânimes, para eles os políticos só aparecem nas horas boas, tiram fotos, um aperto de mão e nunca mais.
Dentro de uma barraca improvisada, Luís Carlos, 41 anos, arruma um copo e enche de água gelada e leva para o filho que brinca na rua . – Conseguimos ali no bar uma garrafa, a prioridade é as crianças, né – comenta meio sem jeito.
Não distante dali, encontramos numa esquina da rua General Vitorino, um caminhão com uma lona estendida que alcança o muro de uma residência. Sete jovens e três crianças conversam sobre o calor e que as águas estão baixando devagarinho.
Numa cadeira de madeira, um guri aparentando 13 anos, toma chimarrão num calor superior aos 32º C. Logo ele explica que aquilo é uma bebida. – Eu coloco a erva normal na cuia e depois faço um suco de limão bem gelado e tomamos – explica o menino que prefere ficar no anonimato.
Enquanto os pais estão trabalhando, a gurizada, de férias, fica embaixo da lona e cuida o caminhão que comporta os objetos que foram salvos da casa inundada. As refeições são feitas ali mesmo, um fogareiro e logo, almoço e janta são servidos.
No Bairro Macedo, muitos estão abrigados em casa de parentes. Em cada esquina se reúnem para contabilizar as perdas. – Ficamos o Natal e agora o Ano-Novo na rua – grita um homem da janela de uma casa volante no meio da rua.
Na Restinga, moradores passam pela água na intenção de ver as casas invadidas pela água. Convivem desde o dia 24 com movimento de botes e na tentativa em vão de salvar algum móvel. – Muitos perderam tudo até roupas foram perdidas, estamos aguardando baixar essa água toda para limpar as casas e retomar a vida – diz o jovem Alexandre Martins.
No outro lado do centro, o Bairro Tancredo Neves se mobilizou e ali moradores formam um mutirão dia e noite.
Em cima dos trilhos, os moradores atingidos observam atentos o volume de água que atingiu inúmeras casa no bairro.
Na Avenida Eurípedes Brasil Milano, os moradores tiveram a rotina alterada ao extremo. Locais que nunca haviam pegado enchente foram surpreendidos pelo avanço das águas do Ibirapuitã. – Eu nunca tinha visto isso aqui com água, tentamos tirar o que deu mas perdemos muita coisa, foi tudo tão rápido – revela um morador da Barão do Amazonas.
Na Vila Nova, não difere dos outros bairros. Barracas nas ruas e muita aglomeração de desabrigados. A solidariedade tem feito a diferença. – Um ajuda o outro e fica mais fácil passar esta fase – revela uma senhora com os pés na enchente. – Fui ver a minha casinha – rebate a dona de casa.
No Ginásio do Oswaldo Aranha, encontramos sete famílias no abrigo. – Precisamos de água, tá terminando – comenta uma senhora que tenta espantar o calor em frente a um ventilador num ginásio abafado.
O trabalhador Valdomiro Ivo, 49 anos diz que desde a véspera do Natal estão abrigados na quadra. – Tivemos de sair, a casa ficou debaixo d’água – argumenta.
Com muita ajuda e solidariedade de dia, à noite o consumo de bebidas alcoólicas faz parte da rotina de muitos desabrigados. Há quem diga que um bom sopão e uma cachaça não pode faltar nesses abrigos improvisados em meio às ruas próximas de onde a enchente histórica de 2015 chegou.