Condenados no caso Bernardo Boldrini pedem anulação do julgamento e novo júri no RS

Pedido foi feito pelos réus Leandro Boldrini, Evandro e Edelvânia Wirganovicz, que também fazem outras solicitações nos recursos. Advogado da quarta ré, Graciele Ugulini, informou que recorreu, mas não relatou quais são os argumentos.

Os réus Leandro Boldrini, Evandro e Edelvânia Wirganovicz, condenados por envolvimento na morte do menino Bernardo, pedem que o julgamento que ocorreu em março, em Três Passos, seja anulado e um novo júri seja realizado. A criança, de 11 anos, foi morta em abril de 2014.

Em abril deste ano, o MP-RS apresentou as razões para o recurso em que pede aumento das penas dos acusados. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul informou que todas as partes já apresentaram suas razões e contrarrazões, ou seja, seus argumentos.

Nos próximos dias, ambos os recursos, da defesa e dos promotores, devem chegar ao TJ, onde serão julgados.

A quarta ré pelo crime, Graciele Ugulini, madrasta de Bernardo, foi condenada a 34 anos e sete meses de reclusão em regime inicialmente fechado, por homicídio quadruplamente qualificado e ocultação de cadáver.

Em agosto, o advogado Vanderlei Pompeo de Mattos informou ao G1 que recorreu contra a condenação de Graciele. A reportagem perguntou o que a defesa está pedindo, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

Pedido das defesas

Leandro, pai da criança, foi condenado a 33 anos e oito meses de prisão por homicídio doloso quadruplamente qualificado, ocultação de cadáver e falsidade ideológica. A defesa pede que o julgamento seja anulado e contesta a pena, pedindo a redução da mesma.

“Os argumentos são de duas ordens: inicialmente técnica, por inúmeras nulidades ocorridas durante o julgamento. Segundo, de ordem de fato, pois a decisão do júri contrariou de forma manifesta a prova contida nos autos sobre ser Leandro o mentor intelectual do delito”, afirma o advogado Rodrigo Grecellé Vares.

Edelvânia, amiga de Graciele, foi condenada a 22 anos e 10 meses por homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver. A defesa dela pede que a confissão da Edelvânia seja considerada integralmente, o que reduziria a pena, e que, caso o julgamento seja anulado para outro réu, seja anulado para ela também.

“A gente está pedindo, no caso, que a confissão da Edelvânia, como ela confessou onde estava o local do corpo do menino, confessou que enterrou o menino, que a confissão fosse considerada integral. A juíza não considerou a confissão dela integral, por isso a pena ficou um pouco mais alta do que a gente esperava”, afirma o advogado Jean Severo.

Evandro, irmão de Edelvânia, pegou nove anos e seis meses em regime semiaberto por homicídio simples e ocultação de cadáver. Duas semanas depois, a Justiça concedeu liberdade condicional a ele. A defesa pede que ele seja absolvido ou submetido a um novo julgamento pelo Tribunal do Júri.

“Há uma condenação sem provas no caso do Evandro. Não há qualquer elemento que justifique a condenação”, afirma o advogado Luiz Geraldo Gomes dos Santos.

Bernardo Boldrini foi morto aos 11 anos em 2014  — Foto: GloboNews

Bernardo Boldrini foi morto aos 11 anos em 2014 — Foto: GloboNews

O que diz o MP

O Ministério Público apresentou as contrarrazões sobre as apelações protocoladas pelas defesas dos réus.

Para pedir a anulação do júri, a defesa de Leandro argumenta que o MP não respeitou o direito do réu de ficar em silêncio durante o interrogatório. O promotor Ronaldo Adriano de Almeida Arbo discorda, e cita partes da transcrição da ata do julgamento para justificar que o pedido não deve ser aceito.

“a) ‘o acusado ter declarado, no início do interrogatório, que desejava falar’. b) ‘o defensor, tão logo efetuadas perguntas de cunho pessoal por parte do Ministério Público, ter intervisto prontamente e sinalado a orientação repassada ao representado’; c) ‘o exercício do direito ao silêncio não implica em vedação a que perguntas sejam formuladas pelo Ministério Em relação a Leandro, Público e dirigidas ao acusado, nos termos do que prevê o art. 186, caput, do CPP, vedada, por óbvio, coação para que fossem respondidas, o que não ocorreu no caso dos autos’; d) ‘a defesa, na sequência, reformulou as perguntas efetuadas pelo Ministério Público e respondidas pelo interrogando'”, afirma Arbo nas contrarrazões.

Sobre a diminuição da pena de Leandro, o promotor também pede que não seja aceito pela Justiça.

A defesa de Edelvânia pede também a anulação do julgamento argumentando violação do direito ao silêncio do corréu Leandro, e argumenta que houve um erro no cálculo da pena, por não ter sido aplicada a confissão espontânea como atenuante da ocultação de cadáver. O MP pede pelo não conhecimento do recurso de apelação da ré.

“Inicialmente, é relevante mencionar que Leandro optou por responder as indagações, não apenas aquelas formuladas pela Magistrada Presidente do Tribunal do Júri, mas também os questionamentos da acusação, de modo que sequer o direito ao silêncio é oponível”, relata o promotor Ricardo Melo de Souza.

A respeito do pedido da defesa de Evandro, de que o homem seja absolvido ou submetido a um novo julgamento pelo Tribunal do Júri, o promotor Arbo informa que é “juridicamente impossível” absolver o réu. Isso porque o recurso não pode passar uma condenação para absolvição e vice-versa. Para isso, é necessário um novo julgamento popular.

“No âmbito do procedimento de julgamento dos crimes dolosos contra a vida, apenas se mostra cabível a apelação, para desconstituição da solução condenatória, quando for a decisão dos jurados manifestamente contrária a prova dos autos, totalmente dissociada do caderno probatório, e, ainda assim, apenas para submeter o acusado a novo júri, nunca para absolver, sob pena de usurpar competência constitucional do Tribunal Popular (artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “d”, da Constituição Federal)”, relata o promotor Arbo.

Sobre Evandro ser submetido a um novo julgamento pelo Tribunal do Júri, o MP informou que são “improcedentes as alegações formuladas pela defesa”.

Julgamento

Fórum de Três Passos, onde aconteceu o julgamento do caso Bernardo — Foto: Carolina Cattaneo/G1

Fórum de Três Passos, onde aconteceu o julgamento do caso Bernardo — Foto: Carolina Cattaneo/G1

Foram cerca de 50 horas de sessões em cinco dias de julgamento. Houve debate entre defesa e acusação, os quatro réus foram interrogados e 11 testemunhas foram ouvidas – cinco arroladas pela acusação e sete arroladas pela defesa de Leandro Boldrini (uma delas falou tanto pela defesa quanto pela acusação).

Na fase dos interrogatórios dos réus, durante a semana do julgamento, Boldrini foi o primeiro a ser ouvido. Ele negou as acusações, atribuiu o assassinato do filho a sua mulher Graciele Ugulini e a Edelvânia Wirganovicz e argumentou que só ficou sabendo da morte de Bernardo quando foi avisado pela polícia, no momento em que foi preso.

No dia seguinte, os demais réus foram ouvidos. Graciele disse que a morte do enteado foi “acidental” e que o menino teria tomado os medicamentos por conta própria. Ela assumiu ter enterrado o corpo, por desespero, segundo ela, junto com a amiga Edelvânia a quem teria implorado ajuda.

A ré inocentou Evandro e Leandro, dizendo que a rubrica que seria do médico na receita usada para comprar o medicamento foi, na verdade, uma imitação feita por ela.

Edelvânia também disse não ter envolvimento na morte de Bernardo, mas apresentou uma versão diferente da de Graciele. Disse que a amiga teria entregado a quantidade de medicamento ingerida por Bernardo nas mãos do menino. Na sequência, teria sido ameaçada por Graciele para que a ajudasse a enterrar o corpo, caso contrário sua família seria morta. Ela também inocentou o irmão e Leandro. A ré chegou a passar mal durante o depoimento.

O réu Evandro foi o último a ser interrogado. Ele negou todas as acusações, disse que não participou do crime e que “não conhecia esse lado da irmã”. Alegou que mentiu, inicialmente, em depoimento à polícia sobre ter estado nas proximidades do local onde o corpo de Bernardo foi enterrado por medo de ser culpado pelo homicídio do menino, mas que estava em férias, pescando.

O caso

Outdoor colocado na entrada da cidade de Três Passos pedia justiça pela morte de Bernardo — Foto: Carolina Cattaneo/G1

Outdoor colocado na entrada da cidade de Três Passos pedia justiça pela morte de Bernardo — Foto: Carolina Cattaneo/G1

Morador de Três Passos, Bernardo Uglione Boldrini desapareceu no dia 4 de abril de 2014. Ele foi encontrado morto 10 dias depois, em uma cova vertical às margens de um riacho, em Frederico Westphalen. Laudos periciais atestaram a presença de Midazolam no estômago, rim e fígado do menino. A superdosagem do medicamento teria sido a causa da morte da criança.

No dia do desaparecimento de Bernardo, Graciele foi multada por excesso de velocidade na ERS-472, em um trecho entre os municípios de Tenente Portela e Palmitinho. A madrasta do menino trafegava a 117 km/h e seguia em direção a Frederico Westphalen. O Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM) disse que ela estava acompanhada de Bernardo.

Segundo a denúncia do Ministério Público, Graciele conduziu o enteado até Frederico Westphalen. Ao iniciar a viagem, ainda em Três Passos, ministrou-lhe, via oral, a substância Midazolam, sob o argumento de que era preciso evitar enjoos. Em seguida, já na cidade vizinha, Graciele encontrou a amiga Edelvânia Wirganovicz.

Ainda conforme o MP, Graciele, com apoio moral e material de Edelvânia, aplicou em Bernardo mais uma injeção intravenosa da substância, em quantidade suficiente para lhe causar a morte.

A denúncia ainda aponta que Evandro Wirganovicz foi o responsável por fazer a cova vertical, além de limpar o entorno do local, dois dias antes da morte de Bernardo, para facilitar o crime.

Leandro chegou a informar a polícia sobre o desaparecimento do filho, mas a investigação da promotoria apontou que ele já teria conhecimento que o filho estava morto e que teria ajudado a arquitetar o crime, inclusive rubricando e carimbando a receita do medicamento encontrado no organismo do filho.

Conforme o MP, em um vídeo, gravado no celular de Leandro, Graciele ameaça Bernardo, dizendo: “Eu não tenho nada a perder, Bernardo. Tu não sabe do que eu sou capaz. Eu prefiro apodrecer na cadeia a viver nesta casa contigo incomodando”.

Bernardo morava com o pai, a madrasta e a filha do casal, à época com cerca de um ano, em uma casa em Três Passos.

A mãe do menino, Odilaine, foi encontrada morta dentro da clínica do então marido anos antes, em fevereiro de 2010. A polícia havia concluído que ela cometeu suicídio com um revólver. Mas a defesa da mãe dela, Jussara Uglione, contestou a versão. O inquérito foi reaberto. Concluído em março de 2016, a nova investigação não apontou indícios de homicídio. Para a polícia, Odilaine se matou.