Ela fez o Caminho de Santiago duas vezes após os 60

Uma das peregrinas que estreia o documentário “Caminho da Superação” dividiu com a VT tudo sobre a sua experiência transformadora pelo Caminho Francês.

Com seus mais de 800 quilômetros de extensão, o Caminho de Santiago de Compostela fascina peregrinos desde o século IX. A partir de então, milhões de pessoas já encararam as curvas e os desvios do norte da Espanha para chegar à tumba do apóstolo Santiago, em uma jornada transformadora que ultrapassa barreiras físicas e psicológicas. Uma dessas barreiras é a da idade, como mostra o documentário Caminho da Superação, com estreia marcada para esta sexta (30) nas plataformas de streaming do iTunes, Net Now, Vivo Play, Looke, Google Play e Youtube Filmes.

 (Caminho da Superação/Divulgação)

O filme acompanha seis peregrinos da Nova Zelândia e da Austrália, todos entre 50 e 80 anos, que buscam respostas pela vida ao longo do Caminho Francês. A história e as motivações de cada andarilho é única, mas a vontade de superar traumas – como a morte de um filho ou uma doença degenerativa – é a força motriz comum de todos eles para encarar o percurso.

Uma das seis peregrinas do filme (e a mais experiente do grupo quando o assunto é o Caminho) é Claude Tranchant. A jornada registrada no documentário, quando ela tinha 72 anos, não foi a sua primeira peregrinação até Santiago. Aos 64, a francesa, que há décadas mora na Austrália, percorreu sozinha uma rota ainda mais extensa: de Vézelay (na Borgonha) até a cidade espanhola de Muxía, para além de Santiago da Compostela. O resultado foram 2.500 quilômetros de andanças em 100 dias, uma transformação pessoal e um livro para narrar a história.

 Com seus 72 anos, Claude já percorreu mais de 2 mil quilômetros do Caminho de Santiago

Em conversa com a VT, Claude conta as motivações, os aprendizados e as alegrias e dificuldades da sua trajetória pelo Caminho de Santiago, além de dar dicas preciosas para quem pensa em fazer essa jornada algum dia. Confira:

O que te levou a fazer o Caminho da primeira vez?

Com 58 anos, comecei a trabalhar em um mercado onde conheci muitos peregrinos. Eles eram clientes e estavam sempre me contando sobre o Caminho. O tempo todo. Acho que não teria ouvido falar sobre ele se não tivesse trabalhado nessa loja. Quando fui visitar o meu pai na França, antes de ele falecer, mencionei para minha irmã que estava pensando em fazer a peregrinação e ela deu uma boa risada, porque eu não estou acostumada a caminhar. Na manhã seguinte, havia uma revista em cima da mesa da cozinha e quando abri vi que ela falava sobre o Caminho francês. Foi um sinal. Pensei que deveria ter alguma razão maior, que eu ainda não entendia, para passar por essa jornada. Só senti um desejo e uma necessidade muito grande de fazer isso, mesmo sem saber o porquê. Meus filhos todos acharam que eu estava louca, mas resolvi escutar os sinais. Às vezes as pessoas preferem ignorar os indícios, mas acreditei e disse pra mim mesma: “Faça. O pior que pode acontecer é você falhar. E daí? Você não vai se arrepender”.

Como foi essa experiência, tanto no aspecto psicológico quanto no físico?

Comecei a jornada no meu aniversário de 64 anos, cruzando a França. Existem quatro rotas para chegar até os Pirineus, mas eu não sabia qual queria fazer. Por algum motivo, escolhi andar por Vézelay, que é um caminho que poucas pessoas fazem – em 300 quilômetros de caminhada, não vi um único peregrino. Demorei oito semanas para alcançar a base dos Pirineus e, depois de chegar até Santiago, decidi ir além, até Finisterra e Muxía. Todo o percurso deve ter levado uns cem dias. Nesse meio tempo, me perdi muito. Eu tenho um senso bem ruim de direção e não sei ler mapas, então passei por vários sufocos.

Mas foi uma benção disfarçada, porque caminhar sozinha o tempo todo, me perdendo e com medo me obrigou a revisitar a minha vida, os aspectos bons e os ruins. Todas essas emoções afloram e o choro vem – e não tem ninguém por perto. Você chora para tentar curar o seu coração e isso não é nada fácil. Em oito semanas, devo ter visto cerca de 20 pessoas. Foi muito solitário, mas bom. Não entendi muito bem na época, mas depois percebi que isso me ajudou a ser mais aberta aos meus companheiros de caminhada e eu me tornei uma espécie de confidente quando eles precisaram de mim. Essa foi a minha jornada emocional.

Fisicamente, foi complicado. Passei por dores horríveis e as pessoas ao longo do caminho, inclusive médicos, falavam pra eu parar e eu nem ouvi. Isso me fez descobrir o quanto sou teimosa.

Fonte: Abril.com.br