Em Alegrete, 95% dos estupros de crianças ocorrem dentro da própria família

Entrevista com a promotora criminal Rochelle Jelinek revela que o segundo maior número de processos criminais no município refere-se a crimes sexuais contra crianças, evidenciando uma realidade marcada pelo machismo estrutural, tanto na zona rural quanto na área urbana da cidade.

Durante entrevista exclusiva, a promotora criminal Rochelle Jelinek apresentou dados alarmantes sobre os crimes sexuais em Alegrete. Embora o maior número de processos criminais seja relacionado ao tráfico de drogas, o segundo lugar é ocupado pelos crimes sexuais, superando furtos, assaltos e abigeatos. Curiosamente, os crimes contra o patrimônio apresentam números relativamente baixos em comparação com outros municípios da região.

Segundo Rochelle, o que mais chama a atenção é a gravidade dos crimes sexuais, profundamente vinculados ao machismo estrutural presente tanto no campo quanto na cidade. Relatos de crianças abusadas frequentemente trazem à tona frases ditas pelo agressor, como “está na hora de virar mulher” ou “o primeiro tem que ser da família”, evidenciando o abuso disfarçado e normalizado dentro do ambiente familiar.

De acordo com as estatísticas oficiais citadas pela promotora, dezenas de casos são noticiados à polícia mensalmente e encaminhados à Promotoria e ao Judiciário. No entanto, esse número representa apenas cerca de 7% do total real de abusos sexuais ocorridos, já que a grande maioria dos casos não chega a ser denunciada. Estima-se que os números reais sejam muito superiores ao que se imagina.

Clique aqui para receber as notícias do PAT pelo Canal do WhatsApp

A esmagadora maioria dos abusos — cerca de 98% — ocorre no âmbito intrafamiliar, envolvendo crianças de 5, 8, 10 anos de idade, com os agressores sendo, em sua maioria, avô, padrasto, pai, tio, irmão, primo ou pessoas próximas da família. Cerca de metade das vítimas tem até 5 anos de idade.

Rochelle destaca que o que causa ainda mais espanto é a postura das famílias, que em muitos casos, ao invés de acreditar e proteger a criança, tendem a proteger o abusador, contribuindo para a perpetuação do silêncio e do sofrimento das vítimas.

As denúncias costumam surgir somente após um longo período de abusos, motivadas por diversos fatores. Muitas vezes, as crianças são levadas a acreditar que os atos são normais. Em um caso emblemático citado pela promotora, o abusador mostrava filmes pornográficos com personagens de desenhos infantis para sua sobrinha, tentando normalizar o abuso. Em outros casos, ameaças dirigidas à criança ou à família mantêm as vítimas em silêncio, com medo de não serem acreditadas ou de sofrerem retaliações. Em várias situações, a criança conta para a mãe ou avó, que não acreditam ou “abafam” o caso, escondendo o abuso.

Geralmente, os fatos só vêm à tona anos depois, quando a vítima chega à adolescência e, na puberdade, passa a compreender que sofreu abuso e que aquilo não era algo normal, o que a leva a denunciar.

No mês de Maio Laranja, dedicado à conscientização contra o abuso sexual infantil, Rochelle Jelinek faz um apelo à comunidade para que esteja atenta e vigilante. É fundamental que famílias, professores e qualquer pessoa que tome conhecimento de um possível caso de abuso denuncie imediatamente. A denúncia pode ser feita pelo Disque 100.

“O abuso sexual infantil é um crime silencioso, sutil e cruel que precisa ser combatido com urgência”, finaliza a promotora.

Clique aqui para receber as notícias do PAT pelo Canal do WhatsApp

“Em 99% das audiências, ouço testemunhas dizerem ‘ele não pode ter feito isso, é uma ótima pessoa, um trabalhador respeitável’. Entendam: pedófilos sempre parecem ótimas pessoas — esse é exatamente o perfil deles. É impossível para muitos acreditar nas vítimas, mas vocês acham mesmo que uma criança de 6 ou 7 anos inventaria uma história de abuso? Em todas as semanas, em quase todas as audiências, o abuso acontece dentro da família ou por alguém próximo: tio, padrinho, vizinho, amigo de confiança que frequenta a casa. Sempre. Pode ter certeza, o abusador é uma das pessoas em quem a vítima mais confia.”- destacam as promotoras criminais.

Se inscrever
Notificar de
guest
0 Comentários
Mais antigas
O mais novo Mais Votados
Comentários em linha
Exibir todos os comentários