Alegretenses falam, abertamente, sobre o mês do orgulho gay e movimento LGBT

Declarar-se abertamente gay, lésbica, bissexual ou transexual para os pais, a família, amigos e colegas em escolas ou no trabalho pode ser um desafio complexo no Brasil, onde o assunto é tema de debates acalorados.

Junho é o mês em que se celebra, em todo o mundo, o Orgulho LGBTQIA+, são centenas de Paradas acontecendo no mundo inteiro a partir desse mês todos os anos. Mas em tempos de pandemia, todas as paradas foram canceladas. Mas o assunto está amplamente sendo discutido, seja pelas redes sociais ou relatos de histórias, muitas emocionantes que demonstram a necessidade, principalmente do apoio familiar.

A reportagem do PAT falou com dois alegretenses que aceitaram falar do assunto de forma aberta e transparente. Um dos primeiros passos de acordo com eles é conversar com a família, esse apoio faz toda diferença. Ambos são formados e não residem no Município, mas destacam que esse assunto deve ser abordado.

Os alegretenses, o médico Guillierme Chervenski Figueira, que está em Londres, Raicha Figueira de Oliveira residente em Santa Maria(Educação Especial- UFSM) e Franciele Figueira de Oliveira, redigiram, em conjunto, o seguinte artigo sobre o assunto:

 

Mês do orgulho gay, precisa disso?

 

  • Internacionalmente estamos no mês do orgulho gay, mas será que sabemos o que isso significa e por que isso é importante?

 

Assim como o movimento tradicionalista gaúcho comemora o dia 20 de setembro como um dia importantíssimo para reviver e reafirmar a identidade gaúcha e a nossa cultura, existem outros movimentos que também são muito importantes para outros grupos identitários. Historicamente, foi no dia 28 de Junho de 1969 que em Nova Iorque aconteceu um evento que serviu de marco para o movimento de lésbicas gays,bissexuais, transexuais/travestis,  interssexuais e todos aqueles que não se enquadram nas definições tradicionais de gênero. Nesta data em um bar de Nova Iorque chamado Stonewall Inn a comunidade gay da época que frequentava o bar revoltou-se contra os abusos policiais que ocorriam todas as noites naquele lugar. Devido a grande discriminação da época, a comunidade gay não podia ocupar espaços públicos, como ir a cafés, boates, bibliotecas. Eles acabavam frequentando lugares específicos da periferia onde o controle policial era mais flexível, mas essa “flexibilidade” tinha um preço. Todas as noites a polícia entrava no lugar para arrecadar propina em troca de não prender ninguém por seus comportamentos supostamente inadequados. Foi então que nessa noite, não se sabe exatamente os detalhes, aconteceu uma revolta dos frequentadores do bar e ocorreu um enfrentamento da polícia resultando em violência e prisões.  Mas a partir desse evento e de outros ocorridos na Alemanha e Argentina, possibilitou-se o início de um movimento internacional de luta por direitos LGBTI+s em todo o mundo. Dessa forma, no mês de junho se comemora essas todas as lutas, conquistas e mais do que isso o orgulho de ser quem se é, amar a quem se quer, sem discriminação. 

 

  • E a história de tudo bem ser gay desde que nao seja afeminado(a) ou caminhoneira(o)? Precisa esfregar na cara da sociedade?

 

Bom, essa é uma conversa longa, falo muito mais como homem gay do que propriamente um estudioso profundo. Entendo que a forma como cada indivíduo se sente confortável em expressar sua sexualidade/gênero é parte fundamental da construção psíquica do ser humano e toda e qualquer forma de negação, opressão ou discriminação impede que a pessoa se desenvolva de forma plena. Acredito que todos aqui sabem da importância que viver a sexualidade plenamente tem para as suas vidas. Pessoas que se sentem confortáveis em sendo mais afeminadas ou caminhoneiras tem o pleno direito de serem da forma como entenderem e os demais não devem opinar sobre isso. Acredito que a pergunta deva ser o contrário, aqueles que não se sentem confortáveis com essas pessoas devem repensar seus preconceitos. Tudo bem sim ser afeminado e/ou caminhoneira. 

 

  • E como é ser homossexual em Alegrete?

 

Durante esse mês buscamos por coletivos LGBTI+ na cidade e não encontramos, o que talvez por si só já seja significativo. Esses coletivos são importantes pois criam oportunidade para que tenhamos espaço onde compartilhar nossas experiências e auxiliar aqueles que mais precisam de ajuda.  Muitas coisas mudaram nos últimos anos quanto a possibilidade de experiências de vidas homossexuais mas ainda precisamos discutir muito e melhorar muito. Principalmente na população transsexual e travesti principalmente das pessoas negras da cidade que historicamente sofrem com preconceito e violência. Inúmeros são os recortes que precisam ser discutidos no contexto local e acredito muito no diálogo como forma de luta e resistência pois o Brasil continua a ser um dos países que mais mata essa população que tem uma expectativa de vida de pouco mais de trinta anos e enfrenta inúmeros obstáculos sociais e no atendimento a saúde. Um dos melhores caminhos para diminuir preconceitos é justamente aceitar que todos temos preconceitos e estarmos abertos para discutir eles e diminuí-los.

 

  • A importância de evitar silenciar-se frente a um comentário e/ou atitude preconceituosa

      

Uma pessoa LGBTI+ não “sai do armário” uma única vez na vida, ela sai do armário diariamente. Contar para a família geralmente é uma questão de muito medo, nunca sabemos a reação das pessoas, o tamanho do preconceito que ela carrega e qual será sua reação, pois, assim como nós precisamos de um tempo para nos entendermos como pessoas LGBTI+, a família também precisa ter esse tempo e espaço. É preciso muito diálogo e respeito para ambos os lados.

Não basta não sermos homofóbicos, precisamos lutar contra a homofobia. Quem nunca ouviu uma “piada” sobre gay?! Aquele preconceito velado de piada que você escuta e silencia. Às vezes de maneira inconsciente, sem o intuito de ofender, pois ouviram alguém contar e acreditaram ser engraçada, mas que nos ofende/machuca tanto. É importante ressaltar que são questões que vêm de raízes históricas e culturalmente machistas, mas não podemos levar apenas esses fatores como justificativa para comportamentos preconceituosos e não conversar sobre isso, resultando no silenciamento. 

É necessário que existam políticas públicas para termos espaços de diálogo e quebrarmos esses preconceitos, proporcionando que atitudes discriminatórias, sejam elas de violência física, psicológica, sexual, moral e/ou verbal (piadas, ofensas, termos pejorativos, comentários quando veem um casal homossexual passar) não se repitam.

Esperamos que um dia não seja mais necessário “sair do armário”, que  esses tipos de debates não existam mais, que nós possamos andar na rua de mãos dadas com a pessoa que desejamos sem ter medo dos olhares e comentários, das agressões físicas e verbais que sofremos.E para isso ainda precisamos de muitos avanços, por tanto, ressaltamos que “NÃO PODEMOS NOS SILENCIAR!”.

 

Essa reportagem não tem pretensão de esgotar o assunto mas sim de iniciar uma conversa ampla e sincera no baita chão do Alegrete para que nenhum/nenhuma/nenhxm alegretense sofra mais por preconceito e discriminação e consiga se expressar e ser e amar quem a quem for.

 

Guillierme Chervenski Figueira

Raicha Figueira de Oliveira

Franciele Figueira de Oliveira