Decisão da UFSM de selecionar só pelo Sisu repercutiu em diferentes setores de Santa Maria

Promessa de recursos federais teria sido o que mais pesou na hora da decisão dos conselheiros
 
A Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) aplicou uma espécie de prova surpresa para estudantes, professores e empresários de Santa Maria e região. Pelo menos cinco pessoas ouvidas pelo Diário nesta sexta-feira apontam que essa prova foi elaborada muito rapidamente, sem amparos e feita com a promessa de recebimento de muitos recursos federais. A adesão total ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu) foi debatida e decidida pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) na quinta-feira, depois de cerca de duas horas de discussões sobre o tema. 
Com o fim do vestibular, tradicional concurso que contou com a inscrição de mais de 44 mil candidatos em 2013, estudantes que almejam uma vaga na UFSM já procuraram o Ministério Público para saber se a decisão realmente é válida. Os motivos alegados vão desde o fim das inscrições para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que se encerram às 23h59min de sexta-feira, passam pelos ensinamentos dos cursinhos, voltados para a prova do vestibular, pelo dinheiro já investido por pais desses estudantes e seguem pelo temor do setor empresarial de ter retorno financeiro reduzido com o fim do concurso.
A intenção de extinguir o vestibular não é nenhuma novidade na UFSM. Já se falava nisso desde o fim do Peies, em 2012. O tema ganhava força à medida em que alguma universidade federal aderia de forma parcial ou total ao Enem ou mesmo ao Sisu. Em coro, reitores e pró-reitores da administração anterior e também atual dizem ser “uma tendência nas instituições” e que é “uma possibilidade de concretizar a democracia ao Ensino Superior”. E o DCE (há quem diga que com influência da reitoria) tomou a dianteira na reunião da última quinta-feira. Depois de pedir vistas da proposta inicial (30% para o Sisu), os estudantes voltaram com a ideia de votar os 100% de vagas pelo sistema.
Três pessoas que acompanharam os debates dizem que o problema é que esse caminho foi seguido pela UFSM em tempo recorde. Antes mesmo da decisão histórica do fim do vestibular, alguns conselheiros disseram que a reserva de metade das vagas para cotistas “passaria fácil” pelo Cepe, mas que, “com o Sisu, não será tão fácil assim”. 
– Eles (reitoria e pró-reitoria) parecem que estão sem uma supervisão técnica sobre o que isso (adesão total ao Sisu) realmente representa. Por isso, foi uma votação tão atropelada. Eles jogaram com 30%, mas quando apresentaram os 100%, aderiram sem pestanejar porque já era a intenção deles – afirma uma das fontes ouvidas pelo Diário e que preferiu não ser identificada.
Outras duas pessoas ouvidas pelo Diário concordam que a promessa de recursos federais foi o que mais pesou na hora da decisão.
– Estão cegos pelos recursos do governo federal. A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) levou mais de R$ 175 milhões quando aderiu parcialmente ao Sisu. Mas fazem isso sem pensar muito – relata outra fonte.
Nesta semana, o reitor da UFSM Paulo Burmann esteve em Brasília em encontro com representantes do Ministério da Educação. Ao retornar de lá, apenas disse que o governo federal deu garantias para a instituição de que abasteceria a Federal com verbas de assistência estudantil.
‘Não é uma decisão qualquer, que pode ser revertida’
Na tarde desta sexta-feira, a assessoria de comunicação do reitor Paulo Burmann convocou uma entrevista coletiva para comentar o assunto. Questionado sobre se a decisão sobre o vestibular pode ser revertida, Burmann foi enfático:
– Não é uma decisão qualquer, que pode ser revertida em qualquer tempo. Tem de haver um fato novo para rediscutirmos o vestibular.
Com relação à recursos federais, o reitor não apresentou números, mas disse que serão usados para construções de Restaurantes Universitários nos campi de Palmeira das Missões e Silveira Martins, para a construção do campus de Cachoeira do Sul e para ampliação e reforma do RU e Casa do Estudante de Camobi.
Para os candidatos que já começaram o Processo Seletivo Seriado, a Pró-Reitoria de Graduação afirmou que alternativas ainda estão sendo discutidas e serão levadas para a provação do Cepe. Uma das alternativas é que as notas sejam revertidas em porcentagem e contemplem a nota do Enem.
Não há motivo para pânico, afirma especialista
Apesar de as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e dos tradicionais vestibulares serem diferentes em relação à estrutura e à abrangência de conteúdo, não é preciso pânico. Pelo menos é  nisso que acredita Roselane Costella, professora do departamento de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em Enem. Além de tranquilizar a gurizada, ela ainda dá dicas para quem se preparava para o vestibular em cursinhos: o negócio é continuar estudando como antes, uma vez que pesquisas científicas comprovam que o aluno que tem bom desempenho nas provas tradicionais do vestibular, também têm bons resultados no Exame do Ensino Médio.
A especialista considera que o ingresso dos alunos na UFSM pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que utiliza a nota do Enem em sua classificação, em detrimento do vestibular, é uma vitória para a democracia e deve ser comemorada. Para ela, o Enem cobra competências abrangentes que envolve três questões fundamentais: leitura, escrita e capacidade de resolver problemas. Em contrapartida, afirma a especialista, as provas tradicionais de vestibular focavam, em sua grande parte, em especificidades de conteúdos.
– Quem compreende a disciplina como um todo vai se sair muito bem. É isso que o Enem exige, a essência do conteúdo, tornado essa forma de ingresso a melhor – explica Roselane.
Já com relação ao resultado do novo modelo de seleção, a especialista acredita que pode ser revelador. Não no que diz respeito ao nível dos estudantes que podem vir a ser aprovados, mas com relação ao Ensino Básico. Para Roselane, se os alunos gaúchos deixarem de conquistar vagas e aumentar o percentual de alunos outros Estados na UFSM, a culpa não deve recair na forma de ingresso, mas, sim, no sistema básico de educação:
– Temos que concorrer de igual para igual. Se nós, gaúchos, perdermos, então é preciso avaliar e cobrar sobre a qualidade do nosso ensino, que está perdendo para outros Estados. É preciso entender que as federais são para todos.
Outro ponto polêmico com relação ao exame é consequência de problemas de anos anteriores, em que foram registrados vazamentos de provas e problemas de logística na aplicação. 
A professora concorda que ainda há muito a ser feito, principalmente envolvendo a aplicação da prova e as questões discutíveis. Mesmo assim, Roselane ainda acredita que é essa a melhor forma de ingresso em uma instituição pública de Ensino Superior.