Sem poder trabalhar, mágico vira dono de sucata e transforma a vida de muitas pessoas desacreditadas

Marrã é casado e tem uma filha. A esposa trabalha na Sucata. "Todos que chegarem aqui e pedirem uma oportunidade, terão"

A vontade de empreender, mas acima de tudo contribuir com o meio ambiente e com as famílias e pessoas em vulnerabilidade, destacam o mágico Leonardo Pereira da Costa Junior, como um empresário que vê além da aparência. Assim, ele toca a alma de todos que trabalham com ele.

Essa referência, está aliada ao histórico junto à empresa localizada no bairro Centenário, na Zona Leste. Para compreender, vamos esmiuçar um pouco a história deste alegretense que durante 20 anos teve a mágica como sua profissão.

O início

Leonardo Pereira da Costa Junior, conhecido como Marrã, iniciou a mágica ainda no quartel e, posteriormente, ganhou o mundo com o entretenimento. O nome artístico, o amigo e colega de Unidade Militar, Rudi Pinto, foi o responsável.

Marrã destaca que, até a pandemia assolar o mundo, ele viajou por muitos estados e países. Seu maior público sempre foram às crianças. Porém, depois do fechamento das escolas e da proibição mediante decretos de atividades artísticas, com público, ele se reinventou.

Começou então, o Sucatão Do Marrã – O Rei da Sucata. Porém, muito mais do que ter um empreendimento que o desafiou, Marrã sempre teve como objetivo: oportunizar espaço para pessoas que muitas vezes estão desacreditadas, até mesmo por elas mesmas. Sendo assim, dos 23 guerreiros, como ele se refere aos falar dos funcionários, cerca de 70% são ex-presidiários, dependentes químicos ou ex-dependentes.

A mudança

Contudo, o grande destaque para o trabalho realizado pelo empreendedor começa na maneira em que acolhe os funcionários. Durante a entrevista, realizada pelo PAT, várias vezes o homem que tem um porte físico robusto, demonstra que o coração é inda maior. Ele se emociona, chora e é ovacionado pelos colaboradores.

Marrã explica que, além do lado social e ecológico, ele percebeu que muitos dos trabalhadores que atuam como catadores eram explorados. Por esse motivo, dar uma condição digna sempre foi a meta mais importante. Com isso, ele abriga seis trabalhadores, dá condições de trabalho e àqueles que não faltam têm direito a uma cesta básica, além do salário.

Dentre às ações, está a confecção de uma carrocinha que é disponibilizada para todos que trabalham com a coleta de recicláveis. Além de alguns galpões que ele já construiu em pátio de algumas casas para que os catadores possam deixar o material acondicionado sem que fique exposto ao tempo e também gerando acúmulo em frente às residências o que fica um imagem de lixo e desorganização.

A maneira em que ele convenceu muitos dos funcionários a trabalharem com ele é bem peculiar. Sempre que ele passava por alguma pessoa em situação de rua, se aproximava e oferecia trabalho, alimento e moradia. Assim como, o salário e todos os direitos. Com isso, pessoas que estavam desacreditadas, que ficavam o dia todo nas drogas ou consumindo bebida alcoólica, receberam uma chance quase inacreditável de um recomeço. Ex-presidiários também estão entre os agraciados. O desejo de ajuda é tanto, que Marrã comprou uma casa nas adjacências da empresa para dar uma melhor qualidade e condições para os funcionários que não têm moradia. “A regra vai ser a organização e não usarem drogas. Vão ganhar cestas básicas e o salário”- acrescenta.

No período em que conversávamos, alguns funcionários fizeram questão de contribuir e falaram sobre a experiência. Um deles foi o argentino de 46 anos, Felipe Aquino. Ele disse que havia passado por vários estados, países e cidades. mas jamais foi tratado como Marrã o recebeu. Ele estava dormindo na rua quando foi acordado, recebeu uma palavra amiga e a oportunidade de fazer diferente, desde então, está trabalhando e muito feliz – acrescenta.

Outro, que se identificou apenas como Anderson, era um homem que não tinha mais esperança. Aos 34 anos disse que passava o dia e a noite drogado. Já não tinha mais vida, além das drogas. No Sucatão do Marrã se redescobriu e se emocionou ao dizer o quanto estava agradecido pela oportunidade.

E, para dar sequência aos depoimentos, o gerente do local que há mais de seis anos está trabalhando com Marrã, Peterson Jaques, acrescentou sua admiração por tudo que recebeu do empresário. Quando chegou em Alegrete há seis anos, não tinha perspectiva, por problemas pessoais e por consequência de uma relação errônea passou por maus períodos. Desempregado, desacreditado e muito entristecido, teve a oportunidade de conhecer muitos lugares ao sair para trabalhar com Marrã, ainda, no período da mágica e posteriormente assumiu o cargo de gerente na Sucata. Hoje, ele é casado, tem casa, carro e mantém os filhos do primeiro relacionamento com ele. Alegria e gratidão o definem.

Já Douglas Martins, aos 42 anos acrescenta que conheceu o ‘mundo”, mas a oportunidade e a valorização do ser humano, só encontrou quando conheceu Marrã, uma pessoa abençoada que o fez renascer. “Aqui, somos tratados como família, não há desigualdade ou preconceito. Todos os dias recebemos palavras de otimismo e de incentivo. Somos fortes pois somos como elos, cada um tem o seu potencial e sua importância. Marrã é um pai para todos, o que ele faz, nunca via alguém pensar em fazer para alguém.” acrescentou.

Diante de tantos elogios, a emoção tomou conta, Por vezes, Marrã não segura às lagrimas. O homem que está se mostrando forte,diante de muita empatia e solidariedade se comove ao saber do carinho que todos expressam.

Ao ser questionado como se sente por ter se desafiado também à mercê de um período complicado em meio a uma pandemia, Marrã é sucinto: sou feliz no que eu faço, trabalho com brilho nos olhos. Vi muita pobreza, muita desigualdade enquanto mágico, mas nunca, que eu saiba, uma criança ficou sem ver a minha apresentação, pois todas que eu tive conhecimento que estavam aguardando ou que muitas vezes vendiam sucata para me ver, elas entravam. Sempre fui visitar vilas, asilos….sei que as pessoas precisam muitas vezes de dignidade para desenvolverem o seu trabalho e, a sucata, o reciclável e tudo que envolve essa atividade dá sustento para muitas famílias”- destaca.

Marrã é casado com Fabiana Silva Vieira e tem uma filha. A esposa trabalha na Sucata. “Todos que chegarem aqui e pedirem uma oportunidade, terão”- conclui.

Flaviane Antolini Favero