Amputado após assalto, PM faz vaquinha para colocar prótese

Equipamento e tratamento de adaptação custam cerca de R$ 78 mil

Rodrigo Dewes, 33 anos, tinha rotina agitada até a noite de 3 de setembro de 2019. Soldado do grupo de força tática da Brigada Militar em Rio Grande há 10 anos, praticava jiu-jitsu, corrida, musculação e natação, além de frequentar o curso de piloto de embarcação da Marinha. Naquela terça-feira, ao deixar a sala de aula e entrar em uma farmácia, seu destino tomou outra direção.

Pouco depois que entrou no estabelecimento, dois homens chegaram e anunciaram o assalto. Dewes aguardava atendimento no momento do roubo. Diz que sacou a arma e avisou que era policial militar. Um dos criminosos disparou contra o PM, que foi atingido no abdômen e na perna esquerda.

Após mais de três meses de tratamento, complicações obrigaram os médicos a amputar a perna baleada. Com o sonho de reconquistar a mobilidade e de retornar ao 6º Batalhão de Polícia Militar (BPM) ainda neste ano, o policial deu início a vaquinha online para bancar a prótese e o tratamento de adaptação, que, somados, custam R$ 78 mil.

– Quero ter a vida mais normal possível. Tenho uma limitação, mas não me coloco na condição de limitado – afirmou o PM.

Durante o crime, houve troca de tiros entre Dewes e os dois assaltantes. Imagens de câmera mostram que o tiroteio durou 17 segundos. O PM tentou se proteger dos disparos atrás de uma prateleira, mas acabou atingido. Uma bala transfixou a perna direita e ficou alojada no joelho esquerdo. O segundo disparo perfurou o intestino. Além de Dewes, os assaltantes também foram baleados. Um deles morreu.

– No momento em que vi eles entrarem apontando a arma em nossa direção, não tive outro pensamento se não reagir. Foi no intuito de proteger as pessoas. Não fiz mais do que o meu dever – recorda.

Socorrido por colegas brigadianos, Dewes foi levado à Santa Casa de Rio Grande, onde ficou três dias na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Precisou ser transferido para o Hospital da Brigada Militar, em Porto Alegre. Como na época a prefeitura de Rio Grande não dispunha de UTI móvel para transportá-lo à Capital, foi necessário contratar o serviço particular.

Segundo Dewes, era preciso R$ 10 mil para bancar o transporte. Uma vaquinha online foi aberta e, em menos de 24 horas, arrecadou R$ 34 mil – mais do que o triplo do necessário. O dinheiro que sobrou foi usado para custear curativos que o convênio não cobria.

Recuperação

Na Capital, Dewes ficou internado 108 dias. Assim que chegou, começou a batalha para evitar a amputação da perna esquerda. Uma melhora foi observada após procedimento para retorno da vascularização. Porém, faltando 10 dias para receber alta, foi identificada uma infecção. A piora oferecia risco à vida do PM. Por isso, optou-se pela retirada da perna.

– Desde que levei o tiro, e quando soube que havia atingido a artéria femoral, tinha o entendimento de que a amputação poderia acontecer. Durante a internação, fui me preparando para isso.

Até entender que era o melhor para mim. Quando chegou o momento de amputar, estava com a cabeça preparada para aquilo – lembra.

Ainda assim, o policial sentiu um choque ao olhar para o próprio corpo após a retirada da perna.

– Quando me vi amputado, a primeira coisa que passou pela minha cabeça foi que minha vida passaria a ser monótona e parada. Assustou um pouco – admite.

Amputado, o soldado passou a buscar informações sobre possibilidades com a nova condição:

– Penso muito em como posso voltar a ter vida ativa com a prótese, fazendo tudo que as pessoas não amputadas fazem. Basta se adaptar.

De volta a sua casa, em Rio Grande, onde mora com a noiva, o policial avalia que a experiência o tornou mais forte.

– Apesar de toda a estrutura do hospital e do apoio da minha família, foi muito sofrido, física e psicologicamente, ficar tanto tempo internado. Como ser humano, sou muito melhor do que era antes desse episódio – avalia.

Dewes faz fisioterapia seis vezes por semana. Devido à perfuração do intestino, utiliza bolsa de colostomia, que deve ser retirada na metade do ano. Por enquanto, se movimenta com muletas e depende da família para algumas tarefas do dia a dia, como preparar a alimentação. O policial espera voltar à BM até o final de 2020.

– Não vejo por que não permanecer. A BM é muito ampla, há vários locais onde posso me encaixar – projeta.

Iniciativa já arrecadou R$ 48,6 mil

Na Brigada Militar, sindicância apura os fatos. Se o procedimento administrativo apontar que o serviço como policial fez com que Rodrigo Dewes perdesse a perna, ele terá direito a seguro da BM.

– O relatório está em fase de conclusão. O valor não deverá cobrir todo o custo da prótese, mas a BM está mobilizada para ajudá-lo – afirma o coronel Silvio Cesar Gomes Cardoso, comandante do 6º Batalhão de Polícia Militar.

Como o valor será insuficiente – e pode demorar–, o soldado deu início à vaquinha. Com os R$ 78 mil,  pagará pela prótese e pela clínica na Capital que fará a adaptação, processo que pode levar de uma semana a 20 dias. Em quatro dias, a arrecadação havia ultrapassado R$ 48,6 mil.

– É surpreendente como meus colegas são incansáveis. A todo momento alguém liga, manda uma mensagem, me visita. A família brigadiana é muito unida e me surpreende a cada dia. Estou tendo prova de fidelidade muito grande – afirma.

A Polícia Civil indiciou por latrocínio o criminoso que sobreviveu.

Fonte: G1