Apresentação online de trabalho de conclusão de aluno da UFSM é alvo de ataques homofóbicos

Tema da pesquisa era homotransfobia. Estudante registrou boletim de ocorrência na Polícia Federal e foi instaurado um inquérito para apurar os fatos. Universidade repudiou o ataque.

Um estudante de direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), na Região Central do estado, apresentava o Trabalho de Conclusão de Curso pela internet, quando a atividade foi invadida por um grupo que passou a disseminar discurso homofóbico, no dia 15 de julho.

Pablo Domingues registrou um boletim de ocorrência na Polícia Federal, e um inquérito foi instaurado para apurar os fatos. O crime investigado será de prática, indução ou incitação a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, cometido através de comunicação social.

A UFSM afirmou que “repudia toda e qualquer conduta desrespeitosa, intolerante, discriminatória em qualquer ambiente e circunstância”, e que está orientando as unidades de ensino de como proceder com segurança nos ambientes digitais.

O link para acompanhar a apresentação online havia sido divulgado nas redes sociais do estudante, cerca de cinco minutos antes de começar. O tema da monografia era a criminalização da homotransfobia por ações julgados pelo Supremo Tribunal Federal de 2018.

“Eu já tinha finalizado a apresentação e os avaliadores estavam falando, e alguém começou a atrapalhar com gemidos pornográficos. Era só o avaliador começar a falar que eles assopravam no microfone e então eles começaram a colocar áudios do presidente Bolsonaro falando sobre não ter filhos gays, sobre bater nos filhos se fossem gays”, conta Pablo.

A reunião foi, então, encerrada e teve seguimento em uma sala privada. Porém, o grupo seguiu na primeira reunião, que estava sendo gravada, e foi possível identificá-los.

“Meus convidados saíram e eles ficaram na sala e a gravação só para quando o último sai. Eles abriram as câmeras, um estava bolando um cigarro, e um outro, que estava sem camiseta e de máscara – o que me faz acreditar que eles não são daqui, por conta da temperatura baixas -, e falou ‘morte aos gays’, e nisso começaram a conversar entre eles, e comemorar a invasão”, relata o estudante.

Pablo afirma que lamenta que mesmo sendo poucas pessoas, estragaram o momento da apresentação.

“No momento que percebi o que estava acontecendo, fiquei abalado, porque juntei amigos e familiares, estava todo mundo presente. Não era apresentação somente do TCC, tinha muita gente que estavam presentes. Eles puderam assistir a minha apresentação, queriam assistir as palavras dessas pessoas. No primeiro momento foi frustrante. Depois senti pena na realidade. São medíocres e infelizes. Tristes que pessoas tao inúteis tenham atrapalhado tanto”, comenta.

Criminalização da homotransfobia por ações julgados pelo Supremo Tribunal Federal de 2018 era o tema do trabalho de Pablo — Foto: Reprodução

Criminalização da homotransfobia por ações julgados pelo Supremo Tribunal Federal de 2018 era o tema do trabalho de Pablo — Foto: Reprodução

Fenômeno permanente

A professora doutora Rosane Leal da Silva, coordena o Núcleo de Direito Informacional na UFSM, onde, desde 2010, são realizadas pesquisas e ações do Observatório Permanente de Discurso de Ódio. Ela destaca que os discursos de ódio são fenômenos permanentes e não acontecimentos isolados.

“Nós nos mantemos atentos a este tipo de conteúdo. O discurso de ódio pode ser explícito ou velado, ele é discriminador, no sentido de inferiorizar, normalmente ele retira a humanidade do outro, associa a algum animal, e também incita a violência. Se utilizam dessas expressões para retirar essa humanidade e para estabelecer uma dicotomia entre ofensor, que se sente superior, e os destinatários que integram o grupo atingido, que incitando a violência.”, explica Rosane, que também foi orientadora no trabalho de Pablo.

Conforme a professora, nos últimos anos houve um crescimento neste tipo de discurso.

“Na medida em que se acentua, de um lado, os nacionalismos em várias partes do mundo, não só no Brasil. Do outro lado, grupos que estavam em certa medida adormecidos, ou não se sentiam autorizados a propagar esses discursos, eles passaram a se sentir autorizados, legitimados, encorajados. Muitas vezes por autoridades públicas, passaram a sentir que eles podiam e que tinham apoio”, especifica a professora.

A invasão no trabalho do estudante de direito não foi a única desde que atividades precisaram ser adaptadas para a forma online. No início deste mês, uma aula aberta, também da UFSM, e uma webconferência do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) sofreram ataques racistas durante atividades online.

“A internet encoraja muito. Há um crescimento que se dá por vários fatores: fatores sociais e políticos, por esse sentimento de encorajamento que há, partindo das próprias autoridades e isso é muito impactante na arena pública, que encoraja as outras pessoas. Aliado a isso temos uma situação das próprias tecnologias. Porque as pessoas estão, com celular e computador elas acessam, elas vão criar uma conta com outro nome, ingressam com câmeras fechadas, criam contas faltas, criadas para o objetivo de fazer os ataques, então elas acham que não vão ser encontradas”, destaca Rosane.

A professora afirma que os grupos propagadores do discurso de ódio trabalham na lógica de um silenciamento dos que representam um grupo com o qual eles não reconhecem ou não concordam, por determinadas razões pautadas no preconceito.

“Eles articulam manifestações que acabam silenciando. São tão agressivas e brutais que intimidam”, diz.

Nota oficial da UFSM

A UFSM repudia toda e qualquer conduta desrespeitosa, intolerante e discriminatória em qualquer ambiente e circunstância.

As direções das Unidades de Ensino, Coordenações e demais setores foram notificados sobre como proceder com segurança nos ambientes digitais, visando coibir a prática de condutas como as recentemente vivenciadas durante webconferências e aulas práticas.

Reiteramos que essas condutas, quando identificadas, importarão na responsabilização civil, penal e administrativa de seus agentes.

Além disso, reafirmamos nosso compromisso de garantir o acolhimento e acompanhamento das vítimas.

Fonte: G1