A programação da Feira do Livro de quarta-feira (1º), foi especial. A noite reservada para o cantor, compositor e ex-guitarrista da Legião Urbana.
Dado Villa-Lobos de fala mansa, pausada e carismático atendeu a reportagem do Portal Alegrete Tudo. Minutos antes de subir ao palco, entre uma foto e outra, um copo de água falou de sua visita a 36ª Feira do Livro.
A noite era dele, lá fora centenas de jovens e adultos aguardavam o momento de reencontro com um dos caras que revolucionou o rock e a cultura brasileira. A autobiografia “Memórias de um Legionário”, do músico que fez o livro sobre a vida dele e a banda, em parceria com historiadores.
Antes de ser apresentado para a plateia, recebeu dos alegretenses do Baita Chão News uma surpresa, era um passaporte temporário feito pela República Federativa do Alegrete. A brincadeira arrancou risadas do cantor que agradeceu o carinho e retribuiu com uma foto junto ao pessoal do Baita Chão News.
A obra aborda política e cultura de 1965 a 1996 e fala de Renato Russo. Foram necessários 19 anos desde o fim da Legião Urbana para que o público pudesse conhecer a história da banda pela visão de quem fez parte dela. O livro “Dado Villa-Lobos – memórias de um legionário” traz a proposta de passar a limpo a trajetória do grupo que colocou Brasília no mapa do rock brasileiro nos anos 1980.
O livro narra a trajetória da banda dos tempos do Aborto Elétrico até a morte de Renato Russo em 1996. A introdução da obra trata de como Dado recebeu a notícia por um telefonema do médico Saul Betshe, que acompanhou o cantor por oito anos, às 2h15 daquele 11 de outubro. O guitarrista fala sobre a ida ao Rio de Janeiro, a cremação do artista, o contato com amigos e familiares, o assédio da imprensa.
Ao longo das 256 páginas, Renato figura como personagem principal, muitas vezes mais até do que o próprio Dado. O guitarrista fala da forma com que ele agia, o comportamento explosivo, o processo de criação, os acessos de fúria, os momentos de descontração, a relação com os outros músicos, com a turma e todo o showbizz.
Apesar do gênio de Renato, Dado afirma que nunca pensou em sair da Legião, mesmo nos momentos mais difíceis ao longo dos 13 anos em que esteve no grupo. “Nunca pensei em sair. Renato era daquele jeito, mas a banda tinha vida própria, a gente alimentava aquilo. Havia um respeito entre todos, um queria o bem do outro”, afirmou o guitarrista
A lembrança do Mané Garrincha é apenas uma entre as várias histórias que mostram os bastidores turbulentos de uma das bandas mais cultuadas do Brasil. Mas, diferentemente das dezenas de livros e trabalhos acadêmicos escritos sobre a Legião, Memórias, é o primeiro a trazer a versão de uma testemunha ocular. A versão de Dado.
Há no livro passagens pouco conhecidas que mostram o distante equilíbrio em que se encontrava a Legião. No final de 1992, encerrando a turnê de V (1991), a banda estava por um fio por conta da relação de Renato Russo com as drogas e o álcool: “Lembro que, voltando ao Rio, no Galeão, eu estava esperando a mala quando o Renato chegou. Eu imediatamente lhe falei: ‘Pra mim chega, Perdeu a graça e a razão de ser, isso aqui está uma merda e você se perdeu, vamos encerrar o circo, não subo mais num palco nessas condições, se liga e vá se cuidar’.”
Por outro lado, o vocalista também era capaz de situações hilárias, como insistir em ver tuiuiús durante a visita da banda ao Mato Grosso: “(…) ele adorava a novela Pantanal. Chegamos ao hotel em Cuiabá, e só dava Beto Barbosa; era lambada pra lá, lambada pra cá. E o Renato falando: ‘Pantanal! Pantanal! Eu quero ver revoada de tuiuiús!'”.
Dado enfatiza que desde o início a ideia era falar sobre a banda, como ela funcionava, contar histórias sobre a formação, os shows e os discos e fatos que a marcaram e que pouca gente conhece, explica o guitarrista. “E, no meio disso, mesclar um pouco da minha trajetória e dar um contexto sociocultural e político da época”, explica o legionário.
Filho de diplomata, Dado nasceu na Bélgica, em 1965. Aos 11 anos, se apaixonou por Lou Reed (a imagem da capa do livro não deixa dúvidas) e, adolescente, morando em Brasília, mergulhou na cena local. Com 18, foi oficialmente integrado à Legião Urbana – que contava com Renato nos vocais e Marcelo Bonfá na bateria.
A partir daí, a história segue em ritmo de montanha-russa até a morte do vocalista e o fim oficial das atividades do grupo, em 1996. Depois, encerra com a rusga de Dado e Bonfá com o herdeiro de Renato e os trabalhos atuais do guitarrista, como apresentador do programa Estúdio do Dado (no canal BIS) e produtor.
“Acho que não deixei nada de fora”, acredita Villa-Lobos. Estava com essa história toda fragmentada dentro e precisava juntar os cacos. Fui percebendo, ao longo do processo, que seria bom para mim e para o público ter esse foco interno e ver quem foi essa banda, quem foram esses caras. E tirar suas próprias conclusões.
Dado se emociona ao falar de Renato Russo e avalia a perda do amigo como uma tragédia, “a gente nunca acreditava que aquele dia chegaria. Ele deixou um legado incrível como compositor, cantor e intérprete. Era um artista fora do comum, o tipo de cara que faz muita falta, principalmente nos dias de hoje”, resume.
Em aproximadamente uma hora, Dado relatou todas essas histórias e narrou momentos do livro. Como mediador da palestra-show, o publicitário alegretense Sílvio Balestra conversou e fez Dado relatar histórias. E no final cantar três canções épicas, que levou o público ao delírio em mais uma noite de Feira do Livro.
Dado entoou Tempo Perdido; Eu Sei e, na saideira a música “Índios”, com acompanhamento dos fãs. Ao final agradeceu e atendeu a enorme fila para fotos e autógrafos do livro e do seu novo trabalho em carreira solo.
Fotos: Alisson Silveira