Dona Negra, a lavadeira de trouxa na cabeça que fez história em Alegrete

Poucos lembram de um tempo em que as tradicionais lavadeiras faziam das barrancas do Rio Ibirapuitã, em Alegrere, a sua máquina de lavar natural.

Uma dessas antigas lavadeiras, a dona Miguelina Soares Cardoso, Dona Negra, viúva, conta com lucidez o seu ofício por mais de 10 anos. Com trouxa na cabeça, todos os dias,  na década de 70, ela descia de sua casa na Rua Santana, no Bairro Ibirapuitã, para as pedras às margens do rio, junto à Ponte Borges de Medeiros para lavar.

Uma rotina que incluía equilíbrio da trouxa,  força nos braços, sabão em barra e um pau para bater as roupas. Enquanto tirava a sujeira de umas, outras “cuaravam” ao sol com anil, diz Dona Negra aos 86 anos.

Ela lavava para famílias de alegretenses e militares e, para estes, além de lavar e passar tinha que engomar as fardas com um preparo de maizena.

Mãe de 10 filhos, viúva, 14 netos, 16 bisnetos e um tataraneto, dona Negra, só parou de lavar no rio porque as filhas insistiram. –  Foi difícil conta Marta uma das que moram com a mãe, porque quando a gente dava falta dela já tinha feito a trouxa e descia para o Ibirapuitã.

  • Eu  gosto de lavar até hoje, mas agora é tudo em máquina e só me resta tirar a roupa e estender, porque as filhas não querem que ligue aparelhos mais modernos e me exponha.

Esta história da Dona Negra, a lavadeira com a trouxa na cabeça, tem muitos fatos agregados ao ofício. Ela lembra de uma vez em que lavava no antigo campo da viação, quando tinha uns pequenos açudes no local, e estendia as roupas na cerca. -Uma vez eu estava lavando e soltaram uma tropa de gado, no campo e para me proteger me escondi embaixo de um lençol, conta rindo.

Além de lavar nos “peraus” do rio, toda roupa era passada com ferro à brasa que era comum e, dois cruzeiros, a moeda da época, era o preço por uma dúzia de roupas limpa e passada.

Hoje, a idosa que já teve covid e se se curou, fala com tranquilidade deste ofício que a ajudou a criar os 10 filhos.  -Eu me criei no interior de Alegrete, no Cerro do Dinheiro, e fui acostumada a fazer de tudo e agora fico com o preparo da comida para mim e as duas filhas que moram comigo- a Marta e a Andreia. -É boia campeira que engrossa os mocotós, faz questão de dizer.

Muitas vezes uma das filhas ia até o rio para ajudar a mãe, mas outras vezes para nadar. Sandra, conta às gargalhadas, que em uma ocasião estava tentando ensinar um irmão a nadar e o colocou nas costas e o pai deles, que era servidor da Prefeitura, parou o caminhão em cima da ponte e disse: eu vou te dar uma “sova” quando chegar em casa,- tu vai matar o teu irmão.

Vera Soares Pedroso