Em Palmares do Sul, filho escreve na grama mensagem pedindo o retorno do pai, que estava na UTI com covid-19

Em Palmares do Sul, filho escreve na grama mensagem pedindo o retorno do pai, que estava na UTI com covid-19.

 

A fotografia área, feita sob a grama cortada de uma casa em Palmares do Sul, no Litoral Norte, atesta um pedido afetuoso e preocupado. No solo da propriedade onde vive com a esposa e o filho de dois anos, o administrador Afonso Schifino Camargo, 36, fez uma súplica ao produtor rural Alvaro Bernardes Camargo, 63, internado com coronavírus em uma unidade de tratamento intensivo (UTI) do Hospital São Lucas da PUCRS: “Volta, pai”.

— Escrevi isso faz uns 20 dias com o cortador de grama. Era depois do almoço, comecei a cortar e me deu na cabeça: vou escrever. Fiz e deixei. Fiquei bem quieto, não contei para ninguém. Pensei: “É para o pai”. Levou dias para descobrirem — comenta o filho Afonso.

A mensagem foi articulada de forma espontânea na propriedade após uma sucessão de acontecimentos que pegaram a família Camargo desprevenida.

Alvaro, um sessentão magro, atlético, pai de quatro filhos e conhecido por se movimentar com destreza pela lavoura de arroz e de soja da família em Capivari do Sul, apresentou no início de novembro dores de garganta e de cabeça. A família comprou um oxímetro (medidor da saturação de oxigênio) e passou a monitorá-lo com atenção.

— Um dia, acordei cedo para ir pra lavoura, fui pra casa dele pegar umas coisas e ele falou que estava com sono. Como assim sono àquela hora? Botei o oxímetro e estava com 74% de saturação. Na noite anterior, era 91%. Colocamos ele em uma ambulância — conta Afonso.

Afonso Schifino Camargo / Arquivo Pessoal
Alvaro sentado de casaco azul com os quatro filhos e o neto: Angelo (cinza), Afonso, Anne e, sentado ao lado do pai, AugustoAfonso Schifino Camargo / Arquivo Pessoal

Após percorrer um trajeto de 90 quilômetros, cerca de uma hora e meia, Alvaro foi internado no Hospital São Lucas da PUCRS, em Porto Alegre. Com as UTIs lotadas, aguardou por dois dias na emergência, diz o filho, até obter um leito intensivo. Foi entubado em 13 de novembro.

— Achei que o mundo ia acabar — comenta Afonso.

O patriarca chegou a ser desentubado, mas voltou a depender do equipamento. Passadas duas semanas, a equipe médica avaliou que era hora de retirar o tubo, mas o movimento, de difícil execução, não tinha sucesso. O médico responsável convocou familiares para autorizarem a traqueostomia, um procedimento que abre a traqueia do indivíduo com um corte, o que auxilia na desentubação.

Após assinar o documento, a filha de Alvaro, a fisioterapeuta Anne Schifino Camargo, 34 anos, solicitou uma única visita ao pai. Recebeu o aval e acalmou-o:

— Pai, te acalma, vai ficar tudo bem. A lavoura está plantada, os filhos estão bem, os netos estão bem, não te preocupa. Estão querendo tirar teu tubo, tu precisa te acalmar.

Após a visita, Anne voltou para casa, tomou um banho e retornou ao hospital. Encontrou o pai desentubado, sem a necessidade de traqueostomia. A família entendeu que a visita foi o suficiente para o acalmar. Alvaro teve alta, se recupera em um leito clínico e já se preocupa com os outros, conta Afonso.

— Agora ele está bem lúcido. Todo fim de ano, ele dá uma ovelha pra cada funcionário fazer um churrasco, e já me perguntou se eu tinha dado. Quando ele viu o corte na grama, respondeu: “Tô voltando, tô voltando” — afirma o filho.

Já recuperado da covid-19, Alvaro passará a ceia com um dos filhos no quarto do hospital. Em Palmares do Sul, a família Camargo se reunirá na véspera do Natal e agradecerá pelo presente: nos próximos dias, o pai voltará para casa.

Fonte: Gaúcha/ZH