Famílias contam o drama de ter o salário parcelado

ZH acompanha três famílias de diferentes padrões de vida que sofrem os efeitos da decisão do governo estadual

Vai dar para fazer o rancho, e olhe lá. Com os cerca de R$ 620 que devem receber no pagamento da primeira parcela de seus salários, segunda-feira, funcionários públicos apontaram a alimentação como prioridade. A partir deste sábado, ZH acompanha três famílias de diferentes padrões de vida – um casal de policiais civis de Cruz Alta, uma agente administrativa que mora em Viamão e trabalha em Porto Alegre e uma professora da Capital – para retratar a ginástica financeira que terão de fazer para se equilibrar na corda bamba do salário parcelado.

“Vou montar barraca na frente do Piratini”

Diante da certeza de que não poderá pagar o aluguel, a professora Andrea Cezimbra Ortiz, 48 anos, prevê dias difíceis:

– Vou ter de entregar o apartamento e morar na rua. Vou montar uma barraca e me instalar na frente do Palácio Piratini.

A docente passou agosto saindo de casa, no bairro Bom Fim, às 5h30min e retornando quase à meia-noite para lecionar no Colégio Estadual Protásio Alves, no bairro Azenha, e no Colégio Estadual de Ensino Médio Raul Pilla, na Restinga. No início do mês, atingida pelo primeiro corte, teve de pedir dinheiro emprestado a familiares, e ainda assim atrasou o aluguel e o cartão de crédito.

– Se não houvesse a greve na segunda e eu tivesse que vir para a escola dar aula, não teria dinheiro para a passagem.

A prioridade será quitar os R$ 600 da clínica onde vive a mãe de 76 anos. O que sobrar fica para comida e transporte:

– Já passo a pão pela correria entre uma escola e outra. Vai ser menos ainda.

A professora diz que o trabalho de lidar com turmas de até 40 jovens fica prejudicado pelo estresse de “já ganhar um dos piores salários do país e ainda não receber o integral”:

– A gente não dorme. Uma colega caiu no choro por não saber o que fazer. Se tu não está bem emocionalmente, o que vai passar para os estudantes? Pelo menos os alunos têm sido muito parceiros.

Andrea Cezimbra Ortiz, 48 anos
Professora com 17 anos de profissão
Solteira e sem filhos, mora na Capital, no bairro Bom Fim. Tem a mãe de 76 anos como dependente
Renda bruta: R$ 3,2 mil
Previsão de gastos:
– Moradia: R$ 800
– Água e luz: R$ 100
– Transporte: R$ 250
– Alimentação: R$ 400
– Clínica geriátrica da mãe: R$ 600

“Nem para saúde e alimentação vai dar”

Pagar a escolinha do casal de netos foi a escolha dos policiais civis Marcos Kaefer e Marley Remus, em agosto. Parceiros de trabalho na Polícia Civil em Cruz Alta, terão de reduzir o padrão de vida, o que inclui ainda dois filhos. A doméstica, que recebia R$ 1.006, foi demitida.

– Tivemos que trancar minha faculdade de Direito e a de Administração do meu filho mais novo. Economizamos durante quatro anos para pagar um intercâmbio que ele faria em Dublin (Irlanda). Viajaria agora em setembro, mas vamos cancelar e tentar negociar para outra data – conta Marley.

Despesas com TV a cabo, telefone e jornal foram cortadas. Pagaram as contas básicas. Outras prestações, como a de um carro e da casa, só foram quitadas com juros na metade do mês. Os policiais arcam com os tratamentos de saúde das mães – a de Marcos mora em São Luiz Gonzaga, o que o obriga a gastar em frequentes viagens. O escrivão paga duas pensões para filhos de outro casamento.

A saúde emocional e física do casal também sofre. Marley teve uma crise de labirintite e erupções de herpes no rosto:

– Saúde e alimentação é o básico agora em setembro, mas nem para isso vai dar.

Marley Remus, 52 anos, e Marcos Kaefer, 47 anos
Escrivães da Polícia Civil
Companheiros, vivem em Cruz Alta com dois filhos, de 20 e 29 anos, e dois netos, de oito e 10 anos
Renda bruta do casal: 13,4 mil
Previsão de gastos:
– Moradia: R$ 1,2 mil
– Água, luz e telefone: R$ 650
– Alimentação: R$ 1 mil
– Transporte: R$ 1,2 mil de prestação de um carro e R$ 1 mil de combustível
– Estudos: R$ 3.340 (duas faculdades e duas escolinhas)
– Carnê Leão: R$ 455

“O governador não pode deixar todo mundo na mão”

Há quatro anos, Daniela trocou 12 horas de trabalho e salário quase três vezes maior em posto de combustíveis pela aprovação em concurso para agente administrativo na Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Sema):

– Fiz pensando em estabilidade e em ter uma velhice digna. Agora estou em estado de pânico, sem dormir.

Em agosto, Daniela escapou do parcelamento. Agora, deve ser atingida em cheio. Os R$ 1,5 mil ganhos pelo marido, vigilante, vão segurar as pontas:

– Vamos comprar rancho só com o básico e pagar o curso de informática e inglês do meu filho. O estudo dele é prioridade para ele ter um futuro melhor.

Daniela e o filho de 16 anos gastam R$ 450 no transporte de Viamão a Porto Alegre para trabalhar e estudar – o rapaz iniciou estágio e terá de ajudar em casa. Para completar a renda, comprometida por empréstimo consignado que financiou reformas na casa, a mãe tem feito faxina nos finais de semana. Daniela deixa um recado ao governador Sartori:

– Não posso dizer ao meu filho que ele não vai comer porque não tenho dinheiro. Tenho de achar uma solução porque é meu papel de provedora. O governador é provedor do Estado, não pode simplesmente deixar todo mundo na mão.

Daniela Engel Oliveira, 39 anos
Agente administrativa na Sema
Casada, com um filho de 16 anos, mora em Viamão
Renda bruta mensal: R$ 1,8 mil
Previsão de gastos:
– Moradia: R$ 350
– Luz, telefone e água: R$ 280
– Alimentação: R$ 800
– Transporte: R$ 450