Justiça barra uso de tornozeleiras em presos do regime semiaberto

Cerca de 120 detentos do regime semiaberto que utilizam o controle eletrônico são mandados de volta para casas prisionais

tornozeleira

O projeto de monitoramento eletrônico de presos sofre um revés no Estado. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) tem determinado retirada de tornozeleiras de apenados do semiaberto por entender ser ilegal o uso do equipamento para cumprimento de pena. Desde a implantação do controle à distância, no ano passado, o Ministério Público (MP) tem recorrido, caso a caso, ao TJ-RS. E decisões, em volumes maciços, começaram a ser conhecidas nos últimos 30 dias.

Nesse período, o tribunal já mandou retornar para albergues e institutos penais cerca de 120 detentos do regime semiaberto. A medida pode resultar que traficantes, homicidas e assaltantes fiquem soltos nas ruas por falta de vagas nas casas.

As tornozeleiras surgiram como alternativa à prisão em junho de 2010, quando o governo federal alterou a Lei de Execuções Penais. Foi autorizado o uso do equipamento para controlar apenados do regime semiaberto em saídas temporárias dos albergues ou fiscalizar detentos do regime aberto em prisão domiciliar (condenados com mais de 70 anos, doentes graves, gestante e mulheres com filho menor ou deficiente físico ou mental).

Em maio de 2013, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) implantou o projeto das tornozeleiras em presos do semiaberto e do aberto que cumprem pena na Região Metropolitana. Contou com o aval da Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital, em razão da crise de vagas nos albergues. Apenados ficariam em casa, podendo sair para trabalhar e percorrer uma área pré-determinada. O raciocínio foi o seguinte: sem tornozeleira, o apenado do semiaberto ficaria atrás das grades no Presídio Central ou à solta nas ruas sem qualquer vigilância. A medida, contudo, despertou contrariedade do Ministério Público.

– O regime semiaberto não foi extinto no Brasil. A tornozeleira não pode substituir o cumprimento de pena. Antes de o Estado adotar esse sistema, o MP já tinha se manifestado contrário – afirma a promotora Ana Lúcia Cioccari Azevedo, da Promotoria de Execução Criminal do MP gaúcho.

– Juridicamente, sempre dei razão ao MP. Mas existem decisões do tribunal, recomendações do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e da OEA (Organização dos Estados Americanos) dizendo que presos do semiaberto não podem ficar no Presídio Central – pondera o juiz Sidinei Brzuska, da VEC.

– Entendo a angústia dos juízes. Mas cada função tem a sua responsabilidade, e a do Executivo é a de gerar vagas – rebate a promotora Ana Lúcia.

Mesmo prometendo até em documento firmado pelo governo federal com a OEA, a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) não construiu casas para o semiaberto, como previsto. Ao mesmo tempo, desistiu das antigas, levando a um déficit de 1,4 mil vagas (veja na página ao lado).

Equipamento é para preso bem comportado, diz juíza

Há cerca de dois meses, a juíza Patrícia Fraga Martins assumiu, na VEC da Capital, o juizado que acompanha a execução das penas de detentos com tornozeleiras. Ela demonstra preocupação com o futuro do projeto que prevê monitorar 5 mil presos.

– Infelizmente, o Estado apostou só nas tornozeleiras. É preciso conjugar tornozeleira e construção de unidades para o semiaberto. O equipamento serve para preso de bom comportamento, que cumpre a pena sem desrespeitar as regras. Existem presos que não se adaptam, e o aparelho não vai impedir eles de cometer crime – avalia a magistrada.

Outro problema é que há 150 presos com direito de progressão ao regime semiaberto que seguem atrás das grades por falta de vagas nos albergues, ocupando os espaços destinados a apenados que serão transferidos do Presídio Central.

Interdições e problemas geram déficit de 1,4 mil vagas no semiaberto na Região Metropolitana

Instituto Penal Padre Pio Buck (Porto Alegre)
Dois pavilhões com problemas estruturais estão fechados desde 2010
Déficit de vagas: 225

Colônia Penal Agrícola de Venâncio Aires
Dois pavilhões fechados, um deteriorado por problemas estruturais e outro por falta de segurança, mortes ocorridas e fugas registradas
Déficit de vagas: 280

Instituto Penal de Charqueadas
Interditado pela Justiça por falta de segurança depois que presos, armados, renderam agentes penitenciários. Em recente revista, 40 presos tinham 48 celulares
Déficit de vagas: 290

Instituto Penal Ir. Miguel Dario (Porto Alegre)
Um prédio está fechado desde agosto de 2010 por causa de um incêndio. No mesmo ano, foi erguido um pavilhão emergencial jamais ocupado
Déficit de vagas: 200

Instituto Penal de Viamão
Recordista em fugas, era o maior albergue do Estado. Teve um prédio incendiado em 2010 e foi fechado pela Susepe no ano passado
Déficit de vagas: 410

Em média, o monitoramento de um preso com o equipamento custa R$ 400 por mês ao Estado, enquanto no sistema convencional chega a R$ 1,2 mil

Livre para circular

Em 2010, o governo federal autoriza o uso de tornozeleira para controlar apenados do semiaberto em saídas temporárias ou para fiscalizar detentos em prisão domiciliar.

Três anos depois, a Secretaria de Segurança do Estado adota o equipamento para presos do aberto e semiaberto. O Ministério Público contesta o uso do aparelho para o cumprimento de penas. Entra com ação, e o Tribunal de Justiça (TJ) determina a retirada das tornozeleiras e a volta dos apenados a casas prisionais.

Sem aumentar a capacidade de atendimento, as casas prisionais podem ficar sem vagas para receber apenados que deixarem de usar tornozeleiras. As decisões do TJ abrangem a Região Metropolitana, onde 950 usam o equipamento. Com a escassez de espaço nos albergues, a tendência é que parte dos apenados fique solta.

A volta de presos devido ao veto à tornozeleira também complica o projeto de esvaziamento do Presídio Central de Porto Alegre. Os presos seriam transferidos para casas prisionais que podem começar a receber apenados que deixarem de usar o monitoramento eletrônico.

Fonte: Zero Hora