Moderato, o alegretense que jogou a primeira Copa do Mundo, no Uruguai, em 1930

O alegretense Moderato Wisintainer nasceu no dia 14 de julho de 1902. Começou no futebol no Esporte Clube 14 de Julho, de Sant’Ana do Livramento.

Em 1920 atuou no Guarani de Alegrete, onde ficou apenas um ano, transferindo-se para o Esporte Clube Cruzeiro de Porto Alegre, sagrando-se campeão da Capital em 1921, quando foi considerado o melhor ‘winger’ (ala) pela crônica esportiva carioca e paulista. Com todo o destaque obtido no Cruzeiro, o Flamengo carioca contratou o atleta, em 1923, e ele permaneceu por sete temporadas no Rio de Janeiro, sempre jogando como ponta-esquerda, conquistando dois títulos estaduais e chegando ao ‘scracht’ brasileiro, que defendeu de 1925 a 1930.

A primeira Copa do Mundo da história, realizada em 1930, na época chamada de Campeonato Mundial de Futebol, foi disputada no Uruguai, entre os dias 13 e 30 de julho. Convocado pelo técnico Píndaro de Carvalho, o craque alegretense embarcou no transatlântico ‘Conte Verde’, acomodado no ‘camarote’ 514, dividindo a cabine com o ídolo botafoguense Carvalho Leite, rumo à Montevidéu.

Segundo o ‘Diário da Noite-RJ’, o navio partiu no dia 2 de julho, do cais da estação de passageiros localizada na praça Mauá, na cidade do Rio, às 19h30min, com a presença de grande público se despedindo da Seleção Brasileira.

O periódico mandou correspondentes especiais para a cobertura, os jornalistas Andrés Guevara e Antenor Magalhães, chefe da editoria de esportes do Diário e também do ‘Suplemento Esportivo’ da revista ‘O Cruzeiro’.

Na edição de 11 de julho de 1930, o jornal conta a rotina do ‘player’ alegretense a bordo: “Moderato, sempre sem chapéu, cantarolando e fazendo humorismo, é a figura mais alegre da delegação. Irradiando verve, Moderato já foi cognominado ‘touriste’, dados os seus longos passeios pelo convéz e o seu ar de inglez.”

OS GOLS DE MODERATO

O primeiro gol brasileiro em mundiais foi marcado por ‘Preguinho’, apelido de João Coelho Netto, filho do famoso escritor Coelho Netto, na estreia com derrota por 2 a 1, para a Iugoslávia. Na segunda partida o Brasil goleou o selecionado boliviano por 4 a 0, com dois gols de Moderato e dois de ‘Preguinho’, no estádio Centenário de Montevidéu, numa tarde gelada de inverno. O ‘Diário da Noite-RJ’ registrou o feito: “Moderato jogou com muita alma. Obteve dois lindos goals, tendo produzido centros mathematicos que impressionaram magnificamente.”

E o primeiro ‘tento’ foi de Moderato, o segundo gol brasileiro na história dos mundiais: “Fausto avança pelo centro e entrega a bola adiantada a Carvalho Leite, que entra resolutamente entre Durandal e Chavarria, aproximando-se da méta boliviana. Bermudez salta de seu posto ao encontro do médio-atacante brasileiro, mas Moderato atira opportunamente a goal, em tiro forte e calculado. A bola bate na trave transversal, por dentro, e resvala para dentro do goal vasado, marcando-se assim, aos trinta e cinco minutos, o primeiro ponto dos brasileiros.” O segundo e o quarto gols foram do capitão Preguinho e o terceiro de Moderato. O Brasil jogou apenas duas partidas, não conseguindo a classificação para a fase seguinte. O Uruguai foi o grande campeão mundial de 1930.

RETORNO PARA CASA E A DESPEDIDA NO ‘DIÁRIO DA NOITE’

Após a experiência no Campeonato Mundial, Moderato retorna do Uruguai, por terra, para visitar parentes em Alegrete, escrevendo de próprio punho uma saudação aos companheiros de seleção e amigos, reproduzida pelo ‘Diário da Noite’, edição do dia 31 de julho:

– ”Deixando hoje Montevidéo com destino ao meu torrão natal, Rio Grande do Sul, onde ficarei residindo, valho-me das colunas do Diario da Noite para por seu intermédio fazer as minhas despedidas aos amigos cariocas de quem guardarei as mais amáveis recordações. Montevidéo 25 de julho de 1930. Moderato Wisintainer.”

E a reportagem do jornal carioca encerra da seguinte forma: “Moderato, que sempre foi de um espírito folgazão na embaixada brasileira, era tratado por nós como turista da turma, pelo seu ar observador e predisposição para a alegria.

O ‘Pestana Branca’, como o tratavam seus companheiros de seleção, tornou-se uma figura symphatica e bemquista por todos, apesar das pequenas tricas que surgiam de vez em quando. Pois o nosso Moderato, tendo-se formado em engenharia, resolveu encerrar a sua vida esportiva com a sua participação no Campeonato Mundial e de Montevidéo seguir para o Rio Grande do Sul, onde vai passar a residir. Com essa resolução, aliás, tomada antes da partida do Rio de janeiro, os seus amigos cariocas não o verão tão cedo.”

Uma curiosidade que acabou somando para que Moderato se tornasse um ídolo do Clube de Regatas Flamengo foi o fato de, em 1927, o ‘player’ ter jogado com uma cinta para proteger uma cirurgia de apêndice, feita poucos dias antes do jogo final do Campeonato Carioca contra o América-RJ. Moderato fez o segundo gol na vitória por 2 a 1, que deu o título ao Flamengo. O escritor, jornalista e rubro-negro, Ruy Castro, definiu o gesto do alegretense: “A ideia de que Moderato pudesse morrer em campo, com os pontos estourados e o sangue confundindo-se com o vermelho da camisa – tudo isso pelo Flamengo – era demais para o homem comum.”

Moderato Wisintainer, que também era conhecido pelo apelido de ‘Paraguaio’, acabou não encerrando sua carreira de jogador de futebol naquele momento. No seu retorno ao Brasil, ainda defendeu o Flamengo em alguns jogos em 1930 e a Seleção Gaúcha no Campeonato Brasileiro de Seleções em 1931, além de disputar partidas pelo Cruzeiro de Porto Alegre, inclusive um amistoso internacional contra o Olímpia, do Uruguai, no estádio dos Eucaliptos, em Porto Alegre, partida vencida pelo Cruzeiro por 3 a 2. No mesmo ano voltou ao Guarani Futebol Clube de Alegrete, sagrando-se vice campeão gaúcho em dezembro.

A VIDA DEPOIS DO FUTEBOL

Em 1932 o ‘Paraguaio’ resolveu pendurar as chuteiras, seguindo sua vida profissional como engenheiro da Viação Férrea, em Pelotas (RS).

Moderato concedeu uma descontraída entrevista ao repórter Fúlvio Bastos, do ‘Diário de Notícias-RS’. Em abril de 1954, em um trem especial da RFFSA, no vagão-restaurante, entre baforadas de charuto e bebericando seu uísque, o craque alegretense falou de sua vida após o futebol. Nas décadas de 1950 e 1960, foi diretor de patrimônio e também presidente do Clube Campestre naquele município. Em 1962 assumiu como diretor, responsável pelo ‘Escritório Técnico da Variante de Pedras Altas’, da Viação Férrea, com sede em Pelotas.

Ele explicou sobre sua ida para o Rio de Janeiro. Moderato já estudava na Escola de Engenharia de Porto Alegre e conseguiu transferência para a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, em 1923. Esse fato foi fundamental para que ele seguisse jogando futebol e não abandonasse os estudos, o que lhe garantiu a profissão de engenheiro.

Também confessou nunca ter abandonado o gosto pelo esporte, tanto que era ouvinte de rádio, e tinha algumas observações bem peculiares sobre algumas formas de narração, como, por exemplo, quando o locutor dizia que o jogador havia perdido um gol ‘infantilmente’: “Ninguém perde gol ‘infantilmente’. Os motivos: diversos. Ora porque chutava com o pé errado, ora porque calculava mal a localização das traves (…) ora porque vinha com muita velocidade, etc…etc…(…).”

Outra ‘reclamação’ registrada sobre as descrições dos lances pelos narradores é quando dizem: “vira rapidamente, e fuzila no canto esquerdo…” Moderato diz que não tem como o jogador escolher canto numa situação dessas: “êle (o jogador) executa ‘a virada’ torcendo que a bola vá para qualquer canto…”

Talvez por não ter jogadas ‘infantis’ e nem ‘viradas mirabolantes’, o craque do 14 de julho, Guarani, Cruzeiro, Flamengo e Seleção Brasileira tenha escolhido o golfe como seu esporte preferido após ter largado a bola. Moderato Wisintainer, o ‘touriste’, o ‘Pestana Branca’, o ‘Paraguaio’, faleceu em Pelotas, no dia 31 de janeiro de 1986, aos 83 anos.

Pesquisa histórica:

Biblioteca Nacional Digital – jornal ‘Diário da Noite-RJ’ (edições de 02 a 31 de julho de 1930) – ‘Jornal do Dia-RS’ (edições de 1952 e 1962) e jornal ‘Diário de Notícias-RS’ (edições de 1954 e 1955); Página do Facebook ‘Esporte Clube Cruzeiro e sua História’; Blog ‘Heróis do Mengão’; ‘Museu do Futebol João Saldanha (Alegrete)’ e ‘Wikipedia’.

Colaborou: Ernani Campelo

*Nas citações, mantidas as grafias da época.

Fotos e digitalizações:

Foto 01 – Guarany Foot-Ball Club Vice-Campeão Gaúcho em 1931. Moderato é o segundo da esquerda para a direita (Museu do Futebol João Saldanha-Alegrete-RS);

Foto 02 – Moderato Wisintainer no Esporte Clube Cruzeiro de Porto Alegre (Museu do Futebol João Saldanha-Alegrete-RS);

Foto 03 – Convés do Transatlântico ‘Conte Verde’. Moderato está no alto da escada. Preguinho e os dois jornalistas do ‘Diário da Noite-RJ’ também estão identificados em letras vermelhas. Carvalho Leite identificado em letras brancas. Os demais, estão identificados na legenda (Diário da Noite de 03 de julho de 1930);

Foto 04 (Digitalização) – Despedida ‘manuscrita’ dos companheiros após o Campeonato Mundial do Uruguai, publicada pelo jornal ‘Diário da Noite-RJ’, no dia 31 de julho de 1930;

Foto 05 (Digitalização) – Destaque para a vitória brasileira sobre os bolivianos por 4 a 0, com dois gols do alegretense no ‘Diário da Noite-RJ’, em 21 de julho de 1930. Moderato identificado em letras vermelhas;

Foto 06 – Moderato (primeiro jogador agachado à esquerda) jogando pelo Cruzeiro de Porto Alegre, na partida amistosa realizada no estádio dos Eucaliptos, contra o Olímpia do Uruguai, em 19 de julho de 1931, vencida pelo glorioso Cruzeiro por 3 a 2 (Arquivo de Ernani Campelo-página no Facebook ‘Esporte Club Cruzeiro e sua História);

Foto 07 – O alegretense com a camisa do Clube de Regatas Flamengo, onde jogou por sete temporadas. Moderato está em pé, bem à direita da foto (Revista Placar);

Foto 08 – Moderato, à esquerda na foto, concede entrevista ao repórter Fúlvio Bastos, do ‘Diário de Notícias-RS’, em 1954 (Foto: Ernani Contursi).

Júlio Cesar Santos                       Fonte: Márcio Beyer