Na Polônia, alegretense especializado em sistemas de saúde manda recado para os Alegretenses

Na terceira reportagem da série, o Portal Alegrete Tudo traz neste domingo (4), o alegretense Renan Aurélio Marques, radicado na cidade  de Cracóvia na Polônia.

Os três alegretenses que vivem em países diferentes e estão convivendo em meio à pandemia do coronavírus, Dinler Amaral Antunes, reside em Houston nos Estados Unidos, Luiza Elesbão Sbrissa, mora em Barcelona (Espanha), e Renan Aurélio Marques, na Cracóvia (Polônia), foram os personagens desta série. Estudiosos e conhecedores do tema atual que afeta o mundo todo, eles relataram suas experiências e dirigiram um recado direto para comunidade alegretense.

Renan, desde a pré-escola, estudou no Colégio Divino Coração. Porém, concluiu o ensino médio na Escola Demétrio. Formado em Odontologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) em 2013, foi morar em Dublin na Irlanda, no ano seguinte onde trabalhou  numa organização humanitária chamada Concern Worldwide durante o surto de Ebola.

Ao voltar para Alegrete, foi voluntário do Movimento Pró Rio Ibirapuitã durante todo o ano de 2015. Em 2016, foi aprovado na Residência Multiprofissional da Escola de Saúde Púbica do Rio Grande do Sul (ESP/RS), e selecionado para o Curso Colaborativo em Saúde Pública Harvard/Brasil.

Ao longo de dois anos, atuou na Coordenadoria Geral de Vigilância em Saúde de Porto Alegre (CGVS) e, na sequência, no Centro Estadual de Vigilância em Saúde – onde participou ativamente no enfrentamento à epidemia de Zika e Chikungunya -, até concluir a especialização em Vigilância em Saúde.

No final da Residência, ganhou uma bolsa de estudos de um joint-masters (mestrado duplo) em duas universidades Europeias. Em 2018, começou os estudos na Universidade de Sheffield, na Inglaterra.

Atualmente, está em seu segundo mestrado com especialização em Governança de Sistemas de Saúde pela Universidade Jaguelônica em Cracóvia (Polônia), mesma instituição em que Nicolau Copérnico e Papa João Paulo II estudaram.

Ao longo de toda essa trajetória, o maior interesse do alegretense tem sido voltado a políticas intersetoriais, sobretudo aquelas articuladas entre os setores da saúde, educação e meio ambiente, e a participação da população na formulação e execução de políticas de saúde púbica.

Experiência da Quarentena:

O primeiro caso de Covid-19 foi confirmado na Polônia dia 04 de março de 2020. Após oito dias, com 68 casos confirmados e uma morte, o governo polonês implementou as primeiras medidas de distanciamento social.

A partir de então, escolas, universidades, atrações turísticas e shows, tiveram suas atividades suspensas, e grandes aglomerações passaram a ser proibidas por um prazo inicial de 2 semanas. Fronteiras com países vizinhos foram fechadas, e voos aéreos, inclusive domésticos, cancelados.

Ao término desse período, as restrições acabaram sendo estendidas até 10 de abril, tornando-se mais rígidas quanto ao deslocamento de pessoas nas ruas, fechamento de estabelecimentos, e com inclusão de multas a quem desrespeitasse as novas leis temporárias – no valor aproximadamente 5 mil reais, na moeda local.

Apesar do sucesso ao impedir que o número de casos aumentasse muito rapidamente, mais restrições foram anunciadas porque muitas pessoas têm violado normas de isolamento. A partir de 1º de abril, somente mercados e farmácias continuaram a funcionar, bem como bancos e serviços postais – todos com atendimento extremamente reduzido e devendo seguir normas de biossegurança. Grandes empresas e transporte público, ambos com regras rígidas a serem obedecidas, seguem funcionando em pequena escala.

Novas medidas de quarentena foram também preconizadas, estendendo-se o período de quarentena de 14 dias para 1 mês a quem apresente, ou tenha apresentado, sintomas de Covid-19. A quem desrespeitar essa orientação, uma multa de aproximadamente 30 mil reais está prevista.

Pessoalmente, essa experiência tem exigido muita paciência, tranquilidade, e a aceitação de que meus projetos foram afetados, bem como o de milhões de pessoas. Assim como eu, outros 45 profissionais de 24 países diferentes que também fazem parte do programa de mestrado estão realizando estágios à distância ou tiveram suas atividades suspensas.

Todos estamos longe de nossas famílias e amigos. Essa semana, fomos informados que a tradicional formatura que reúne mestrandos de 6 universidades Europeias, a ser realizada em julho, na França, foi cancelada.

Com isso, não teremos a possibilidade de nos despedir após quase 2 anos de convivência, e permanecemos com a incerteza de quando poderemos voltar a nossos países de origem.

Atualmente, há 2.554 casos de Covid-19 oficialmente confirmados e 43 mortes na Polônia. O governo avalia a possibilidade de monitorar por celular todos os pacientes que apresentem sintomas relacionados à doença. Apesar das críticas quanto atuação precoce do país – tanto por parte da população como até mesmo pela chanceler da Alemanha,  Angela Merkel, e pelo presidente da França, Emmanuel Macron, as medidas polonesas são agora reconhecidas como uma das mais bem-sucedidas na Europa. Polônia, Eslováquia, e Hungria são os países que apresentam o menor número de infecções pelo novo coronavírus, por milhões de habitantes, no continente.

Mensagem aos alegretenses:

Independentemente das diversas maneiras que o coronavírus tem atingido outros países, e das medidas adotadas por cada governo, a importância da solidariedade e sentimento de coletividade é uma das poucas certezas que temos sobre o que está realmente fazendo a diferença mundialmente.

Por esse motivo, sugiro uma trégua nas divergências políticas e ideológicas, pois enquanto umas pessoas seguirem tentando atingir as outras, o coronavírus é que levará vantagem nessa disputa.

A curto prazo, essa atitude será um grande passo em nossa aproximação, permitindo a colaboração de todos. Após a pandemia, tenho certeza que servirá como uma grande lição para fortalecer nossa democracia.

Profissionalmente, reconheço a necessária atuação séria e responsável por todas as esferas de governo. Porém, alerto para o fato de que toda a população também precisa agir de tal maneira, pois são as suas atitudes que farão a diferença na proporção em que o novo coronavírus será disseminado em toda e qualquer cidade brasileira.

Por isso, é de nossa responsabilidade, enquanto cidadãos e cidadãs, o autocuidado, o cuidado coletivo e a adoção de medidas preventivas. Com o distanciamento social, estaremos abraçando a oportunidade de ajudar o SUS e, indiretamente, salvando um número máximo de vidas – tanto aquelas a serem acometidas por Covid-19, quanto outras milhares relacionadas a doenças já existentes.

Após um ano e meio de estudos na Europa, sinto orgulho de dizer que o SUS é um dos melhores e maiores sistemas de saúde do mundo, mesmo com suas fragilidades. Entretanto, não podemos medir a força que nosso país terá nessa batalha apenas a partir do número de UTIs, quantidade de equipamentos de proteção individual ou profissionais, entre outros – ainda que sejam fundamentais. Faço essa observação porque, ao fazermos isso, estaremos subestimando o poder e impacto das ações de cada um e cada uma de nós, e erroneamente esperando que a situação possa ser revertida já tarde demais.

Neste momento em que escrevo (sexta-feira 3), completo 21 dias isolado em um apartamento pequeno, sozinho, sem o contato de vizinhos, e com extremas dificuldades de sequer me atualizar sobre o que está acontecendo onde estou devido às barreiras impostas pelo idioma local.

Ainda assim, mantenho meus pensamentos positivos voltados ao Brasil e desejo que consigam substituir o sofrimento individual pela força e luta coletiva. Lembrem-se da capacidade da população brasileira de superar adversidades solidariamente como já fizemos inúmeras vezes.

Vamos mostrar ao mundo que nossa determinação e entusiasmo coletivo vão muito além do carnaval, e que o melhor do Brasil são sim, os brasileiros e brasileiras! Sempre que possível, por favor, fiquem em casa.

 

Júlio Cesar Santos                       Foto: reprodução