O servente de pedreiro que se descobriu, por acaso, um dedicado cuidador de idosos

A linda missão de cuidar do próximo, principalmente em uma das fases mais delicadas em que muitos voltam a ser crianças, como existe no ditado popular, quando se refere à necessidade de atenção que muitos idosos precisam.

Falar sobre essa fase de vida é também destacar que os idosos, hoje em dia, têm muitos desafios e não apenas a acessibilidade, mas em relação às transformações que a própria vida impõe, de mudanças de pensar e agir e o próprio envelhecimento natural.

Nesta fase de pandemia, o que mais se vê são apelos em relação à terceira idade, os cuidados para com esse grupo que está em risco devido às complicações já preexistentes na saúde da grande maioria.

 

A reportagem do PAT entrevistou Jocenei Leite Gonçalves, de 50 anos. Há 18 anos ele teve uma mudança radical em sua vida, de servente de pedreiro,  passou a cuidar de idosos e desde então essa tem sido sua missão na Santa Casa de Alegrete.

Apaixonado pelo Internacional, Jocenei disse que em 2002 trabalhava como servente de pedreiro e, aos domingos seu programa favorito era ver o jogo. Neste período, a avó da esposa que tinha 94 anos, não tinha com quem ficar para que as filhas fossem a um aniversário e perguntaram se ele ficaria com a idosa. Durante o tempo que ficou com Ordália Santos, o cuidador se saiu muito bem. Assim que as filhas retornaram  ele descreveu que tinha sido tudo muito tranquilo e, como elas precisavam de alguém para cuidar da idosa ofereceram um valor para que Jocenei assumisse essa tarefa e, assim foi. Em dois anos, ele se redescobriu como pessoa e passou a gostar muito de fazer companhia e dar atenção à Ordália. Mas, cerca de dois anos depois, ela veio a falecer, depois de longo período de hospitalização.

“Quando a “vó” faleceu, lembro que alguns enfermeiros questionaram se eu não aceitava deixar o número do meu telefone, pois eles perceberam a atenção, carinho que eu tinha com a idosa e, sempre estavam precisando de alguém para cuidar principalmente de pessoas nesta fase da vida. Eu aceitei e estou há 16 anos na Santa Casa” – falou.

Em 2005, a vida de Jocenei teve uma reviravolta, ele sofreu um baque enorme, perdia naquele ano, o amor da sua vida. A esposa, Dilmair faleceu de um aneurisma. “Minha filha tinha 11 anos, nossa única filha. Lembro que ao chegar em casa, estava trabalhando na noite anterior, Larieli disse que o vizinho tinha levado a minha esposa para o hospital, ela havia desmaiado e bateu a cabeça. Quando cheguei na Santa Casa, soube que tinha sido um aneurisma e, mesmo com a transferência para o hospital Beneficência Portuguesa e a cirurgia, ela não resistiu. Mas durante o período que esteve internada, Jocenei era quem cuidava de forma integral da esposa.

Com a morte de Dilmair, a dedicação de Jocenei passou a ser para a filha e “seus idosos”. Com o tempo a filha casou e ele quase que de forma integral passou a se dedicar a cuidar dos pacientes, na maioria idosos. Ele recorda que em uma ocasião ficou quatro meses dentro da Santa Casa, com um idoso. “Muitas vezes não é por falta de querer e, sim, de tempo. Os filhos têm uma rotina muito comprometida e ficar de forma integral é complicado. Mas sempre falo que para os pacientes, mesmo com a tecnologia de hoje, que pode ligar o tempo todo, fazer chamadas de vídeo, o mais importante é o contato humano. Mesmo que eu me dedique ao máximo, o abraço de um filho ou familiar mais próximo é 70% do tratamento. ” -citou.

Em outro trecho da entrevista, o cuidador não segurou às lágrimas. A pergunta, foi o que marcou durante todos esses anos acompanhando os pacientes. Emocionado, pede desculpas, pois não consegue conter a emoção em lembrar de um episódio em que um idoso, com as mãos calejadas da enxada por ter trabalhado de forma digna a vida toda para formar o filho(a), foi simplesmente esquecido e abandonado na Santa Casa. “Sei que pelo Estatuto do Idoso ele tinha que deixar alguém cuidando do senhor, mas o sentimento daquele pai era algo indescritível, tudo o que queria era o abraço do filho que, já formado, tinha uma ótima condição financeira.” lembrou.

Para Jocenei, de toda paixão que tem pela sua profissão, o mais impactante ainda é e nunca muda, quando um dos idosos acaba falecendo. Dar a notícia ao familiar nunca é fácil, ele se recente bastante. “Muitas vezes, o familiar fica o dia todo ali e quando eu chego para passar a noite, acontece de falecer, fico chateado, pois nunca é fácil”- comenta.

Já no final da entrevista, não poderia ser diferente, a pergunta sobre os receios medos e a mensagem que gostaria de deixar a todos os leitores. Mas, um dos questionamentos foi em relação à Covid-19.  Jocenei disse que não tem receio pois mantém todos os cuidados de higiene, entre outros, porém, um idoso que estava cuidando testou positivo e consequentemente foi colocado em isolamento. “Eu estava há três dias com ele quando soube do teste positivo e fui para o isolamento, mais dois dias e o meu também deu positivo. Mas fui totalmente assintomático, não senti nada, nem sintomas gripais ou qualquer outra coisa, apenas um pouco na perda do apetite, entretanto sempre me alimentei bem pois sei que isso é muito importante. Já tive alta, fiz todos os exames e estou curado.” fala com tranquilidade.

Jocenei ainda diz que não tem medos, mas fé em Deus. ” Estamos aqui pela vontade dele, independente de idade todos podemos ter uma enfermidade, passar por algum problema de saúde e até mesmo perder a batalha por qualquer doença. Tudo é muito simples na vida, mas, às vezes, complicamos demais. Se as pessoas soubessem a importância do abraço e de valorizar quem se ama, não desperdiçariam tanto tempo. Quando os olhos se fecham, ali termina uma história, uma vida e nada pode mudar essa realidade. Nos primeiros meses de trabalho, vi muitos idosos sozinhos abandonados, pedindo um copo de água, hoje a realidade é outra. Mas são marcas que o tempo não apaga. É preciso valorizar a saúde e ficar perto de quem a gente gosta”- citou.

O cuidador reside na Zona Leste com a filha, o genro e o neto Matheus Gonçalves de 8 anos que o acompanhou na entrevista. Nos períodos de folga, o avô se dedica ao neto, são grandes parceiros. Eles negativaram para Covid-19, pois Jocenei optou por ficar em isolamento na ala Covid-19.

Para finalizar, ele disse que quando não está na Santa Casa, sente falta e cada paciente que vai pra casa é uma felicidade.

 

Flaviane Antolini Favero