Pesquisa de universidades do RS detecta vírus da gripe bovina pela primeira vez na América do Sul

Estudo da UFRGS e da Feevale identificou vírus que só havia sido encontrado na América do Norte, Europa e Ásia a partir de amostras coletadas em bovinos no Rio Grande do Sul.

Uma pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em parceria com a Universidade Feevale , publicada no periódico Archives of Virology, demonstra que o vírus da influenza D já está presente entre os bovinos da América do Sul. Anteriormente, o vírus só havia sido identificado em animais da América do Norte, Europa e Ásia.

O estudo Cattle influenza D virus in Brazil is divergent from established lineages verificou 10 amostras de ruminantes que manifestaram doenças respiratórias em 2020 e, em uma delas, coletada no Rio Grande do Sul, o vírus foi identificado. Segundo Cláudio Canal, professor da Faculdade de Veterinária da UFRGS que participou da pesquisa, já se suspeitava que o vírus da influenza D circulava entre os bovinos do Brasil.

“Já faz um ano, mais ou menos, que a gente estava procurando, até que localizamos um animal que tinha esse vírus”, afirma.

Para o professor, o resultado da pesquisa aponta para a possibilidade de que o vírus esteja circulando em todo o Brasil. O que não significa, contudo, que esteja causando doenças nem tampouco a gravidade delas nos animais.

“Se for fazer um trabalho de sorologia, vou detectar em todo o Brasil. Só não existe porque não se procura”, explica.

Descoberta entre suínos, gripe é preponderante entre bovinos

Ao contrário dos vírus da influenza A e B, que afetam humanos e que já são conhecidos pelos pesquisadores há algum tempo, os vírus da influenza C e D foram descobertos recentemente, há cerca de 10 anos. O estudo pode ser o primeiro passo para investigar infecções por influenza D em bovinos no Brasil e em países vizinhos, nos quais a indústria de carne bovina é economicamente importante.

Apesar de ter sido detectado primeiro em suínos nos Estados Unidos, hoje se sabe que o microrganismo infecta principalmente os bovinos. O professor Cláudio participou de um estudo epidemiológico que, a partir de amostras de soro bovino coletadas nos Estados Unidos em 2014 e 2015, verificou que 77,5% dos animais tinham anticorpos contra a doença, o que indica uma infecção prévia.

No Brasil, a primeira detecção ocorreu quando um produtor rural procurou o professor David Driemeier, também da Faculdade de Veterinária da UFRGS, para fazer o diagnóstico de bovinos que estavam com problemas respiratórios. Foram coletadas amostras desses animais por swabs nasais e enviadas para laboratório.

“Eu fiz um exame PCR dessas amostras, e em uma delas nós detectamos o vírus da influenza D”, afirma Cláudio.

Os pesquisadores, então, fizeram uma parceria com a Universidade Feevale para caracterizar o genoma do vírus, utilizando um equipamento de sequenciamento de alto desempenho de última geração. Esse processo é utilizado para detectar seres vivos que ainda não são conhecidos pela ciência.

“Ele sequencia todo o ácido nucleico, DNA e RNA, que tem naquela amostra. Assim, tu consegues ver o que tem ali de diferente do normal de se encontrar em um ser humano ou animal. No caso da influenza D, nós já sabíamos que [o vírus] estava naquela amostra, mas nós queríamos ter todo o genoma dele para conhecê-lo por inteiro, não só um pedacinho que a gente tinha detectado pelo PCR”, diz o professor Cláudio.

Presença entre humanos

Anticorpos do vírus da influenza D já foram identificados em humanos, principalmente em criadores de bovinos, o que demonstra que o microrganismo circula na população humana. Ainda não é claro, porém, se a influenza D é relevante ao ponto de gerar sinais clínicos em pessoas.

“Aparentemente é branda, mas tem pouco tempo [de estudo]”, completa o professor.

Além disso, os vírus causam diversas doenças que implicam prejuízos à saúde e prejuízos econômicos em animais de produção. De acordo com um relatório da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 2020, o rebanho bovino brasileiro foi o maior do mundo, com 217 milhões de cabeças, representando 14,3% do rebanho mundial.

“Porque é um vírus, causa a doença? Não, a doença é exceção. A maior parte das infecções virais não causa doença. Às vezes nem tem sintomas”, acrescenta.

Contudo, o professor alerta que, quanto mais animais são criados em grandes concentrações, maior é a facilidade com que os vírus circulam entre eles — o que pode causar doenças que impactam a produção pecuária do país.

Segundo Cláudio, os próximos passos incluem saber se o vírus da influenza D está causando doenças nos bovinos e em que gravidade. Além disso, também é preciso verificar se será necessária a criação de uma vacina para impedir que os animais adoeçam.

“[O estudo] É o ponto inicial. É uma doença muito recente. A gente sabe que tem. Agora a gente vai partir para ver quanto tem e qual a participação do vírus nas doenças respiratórias dos bovinos. Tem várias doenças respiratórias que podem levar à morte do bovino assim como no humano. Para algumas, já tem vacinas. Os vírus ou bactérias estão envolvidos e, muitas vezes, estão juntos. Não é um único causador, tem mais de um”, aponta.

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