Em áudio vazado de um grupo de mensagens, um preso admite ter usado um atestado médico falso, alegando que seria do grupo de risco do coronavírus, para ter direito a prisão domiciliar.
A Polícia Civil do RS investiga um esquema envolvendo advogados que estariam usando atestados falsos para liberar presos por causa da pandemia do novo coronavírus. De acordo com a polícia, a alegação para a liberdade provisória é de que os presos fazem parte do grupo de risco.
O delegado de Combate a Corrupção da Polícia Civil, Marcus Viafore, afirma que a polícia trabalha com diversas linhas de investigação, e teve acesso a áudios vazados em grupos de mensagens entre presos e advogados.
“Estamos analisando essa documentação toda e os áudios também. Eventuais crimes de falsidade documental, que é crime que pode ser que tenha ocorrido algum outro crime contra administração da justiça, que nós vamos ter que analisar de maneira mais detalhada e na verdade não estamos descartando nenhuma linha de investigação no presente momento.”
Em dez dias, quase 1,9 mil presos, idosos ou com doenças crônicas, ganharam o direito de prisão domiciliar com o argumento de que fazem parte do grupo de risco do coronavírus. Como Fabrício Santos da Silva, acusado de construir um túnel para fugir do Presídio Central em Porto Alegre, e Wanderlei da Silva Camargo Junior, acusado de jogar ácido em cinco pessoas em 2019.
A Justiça de Camaquã, na Região Metropolitana de Porto Alegre, havia concedido prisão domiciliar a Michel Garcia Colpes, no dia 23 de março, que cumpria pena por homicídio. No despacho, o juiz diz que o preso faz parte do grupo de risco por ter diabetes, o que teria sido comprovado através de um atestado médico.
Após o vazamento de um áudio, em que o advogado Leandro Horstmann admite ter usado um atestado médico falso, a Justiça revogou o direito de prisão domiciliar. Michel está foragido.
“Apresentamos um laudinho frio, frio, friozinho, lá do Hospital de Clínicas, mas bem feitinho ali, de diabetes, que ele tinha diabetes. E cantou”, diz o advogado no áudio que a polícia teve acesso.
Alguns apenados do Presídio Central de Porto Alegre receberam direito a prisão domiciliar por conta do coronavírus — Foto: Reprodução/RBS TV
A RBS TV tentou contato com o advogado, que atendeu a chamada, mas depois desligou o celular.
O Hospital de Clínicas afirmou não ter tido acesso, no caso do áudio, aos dados de identificação de paciente nem do profissional, supostamente implicados do caso, e também não foi notificado nem procurado por nenhum órgão oficial até o momento. O Clínicas reforçou que fornece atestado médico somente para pacientes atendidos na instituição. O hospital afirmou que está a disposição para esclarecimentos
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) abriu um processo ético disciplinar para investigar os profissionais que podem ter registro excluído, se as denúncias forem comprovadas.
Antônio Vinícius Amaro da Silveira, presidente do Conselho de Comunicação Social do Tribunal de Justiça do RS, afirma que a Corregedoria orientou que os fatos passem por uma orientação mais severa.
“A corregedoria adotou medidas de comunicação a todos os magistrados do estado, inclusive com orientação para que fossem adotadas medidas de melhor apuração dos fatos, utilizando inclusive o sistema de médicos de apoio que existe nas casas prisionais para fim de avaliar aquilo que o advogado está alegando corresponde a verdade”, disse.
Em outra conversa, no mesmo grupo de mensagens, um suposto preso conversa com outro advogado e diz que também quer sair da prisão.
“Eu tô procurando advogado que eu pague para fazer isso daí aí, para fazer o pedido e bote o laudo e me coloque na rua, né?”, diz o preso.
O advogado responde dizendo que cobra R$ 2 mil para pedir a liberdade de cada preso e que já conseguiu soltar seis apenados.
“Eu peguei sete processos, e consegui tirar seis clientes. Dois deles tinham condenação de homicídio e outro de estupro, e os outros são tráfico e receptação. Todos eu consegui colocar em casa por causa do coronavírus. Eu tô passando a minha conta para os clientes, os clientes estão fazendo transferência, eu já entro com o pedido”, explicou o advogado.
A denúncia dos atestados falsos também mobilizou o Ministério Público do Rio Grande do Sul.
“Tivemos a primeira preocupação em alertar os promotores de justiça do estado a respeito dessa possibilidade para que passassem a ter atenção neste tipo de situação e num segundo momento também ja passamos a recolher dados, informações e documentos a respeito dessa situação”, afirma o coordenador do núcleo de inteligência do Ministério Público do RS, Marcelo Tubino.
Fonte: G1