Estado lidera ranking há 10 anos
Nos anos 80, ser diagnosticado como soropositivo era quase o mesmo que ter uma sentença de morte. Na época, pouco se sabia sobre a doença. Hoje, falar de Aids é menos complicado, mas igualmente necessário. Mesmo que, nos últimos 10 anos, a taxa de mortes pela doença tenha reduzido em 14% no Brasil, há índices que preocupam. Um deles é a posição do Rio Grande do Sul e de Santa Maria em um ranking nacional.
Há 10 anos, o Estado lidera o número de casos de Aids, conforme os levantamentos do Ministério da Saúde. Enquanto a média nacional de detecção da doença é de 20,5 a cada 100 mil habitantes, o Rio Grande do Sul tem o dobro da média: 41,3 para cada 100 mil habitantes. O Rio Grande do Sul também lidera o número de mortes por Aids: são 11,2 mortes a cada 100 mil habitantes, o dobro do coeficiente nacional. A taxa de mortalidade é ainda maior em Santa Maria: 16,3 a cada 100 mil habitantes. O número de jovens, de 15 a 24 anos, com a doença aumentou 40% desde 2006. A quantidade de casos locais também é alarmante já que, entre os municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, Santa Maria aparece em 10º lugar. O levantamento considera o período entre 2009 e 2014. A média de detecção do vírus no município é de 43,5 a cada 100 mil habitantes.
De acordo com dados preliminares da Secretaria Municipal de Saúde, no ano passado, houve registro de 19 óbitos por Aids até o mês de outubro. Ainda de acordo com a estimativa, houve 26 gestantes com Aids, e 22 novos casos de pessoas com a doença. O número de portadores do vírus é maior, mas não foi informado.
No Hospital Universitário de Santa Maria (Husm), são 1.663 pessoas cadastradas e que fazem o tratamento. Só no ano passado, houve 197 novos pacientes. Mais da metade (65,7%) é de Santa Maria.
O número de pessoas que resistem ao tratamento também é sinal de alerta. De acordo com Alexandre Schwarzbold, médico infectologista do Husm e professor do curso de medicina da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), há uma média de 20% de pessoas que iniciam e depois abandonam o tratamento. Deste grupo, cerca de um terço retoma a rotina de medicação.
Por que o número de casos é alto em Santa Maria?
O Coração do Rio Grande está entre os 10 municípios com maior índice de portadores de HIV. Por que nossa cidade tem números tão assustadores? O infectologista Alexandre Schwarzbold aponta três fatores que são relevantes para que o município integre o ranking da Aids: as falhas na rede básica, a falta de diagnóstico precoce e o número de pessoas que passam pela cidade, a maioria jovens:
— É preciso generalizar o teste rápido, capacitar profissionais que façam em qualquer unidade básica da saúde, oferecer a oportunidade de fazer o teste em todos os cantos da cidade. Tem de fazer campanha para o teste rápido. No Rio Grande do Sul, falta o diagnóstico precoce. Levamos cerca de quatro anos para começar com o teste. Em Santa Maria, ele ainda não é generalizado. Além disso, temos uma rede básica que é falha, que não acolhe o paciente em sua integralidade. Se ele tem acesso ao diagnóstico e ao tratamento, muitas vezes, o município não fornece o tratamento para outra doença, que é consequência da Aids.
Suzana Lopes, coordenadora da atenção básica no município e médica na Casa Treze de Maio, lembra que a maioria dos novos casos são de jovens, com idades entre 15 e 24 anos, e idosos do sexo masculino, a partir dos 60 anos:
— Hoje, a gente nota que houve uma certa tranquilidade dos jovens quanto ao fato de o HIV ter um tratamento que, ao contrário de anos atrás, tem resultado. Muitas vezes, o jovem deixa de se prevenir e não tem aquele medo que se tinha nos anos 1980, de que a pessoa portadora do vírus morreria. E os homens, acima dos 50, 60 anos, em média, têm uma cultura de não usar camisinha. Eles apresentam uma resistência muito grande — lembra Suzana.
A prevenção ainda é necessária. Suzana defende que se faça, cada vez mais, campanhas nas escolas e nas universidades, mas lembra que também é uma questão de consciência.
— Muitos dos jovens que são diagnosticados na Casa Treze de Maio comentam que só fizeram sexo sem proteção uma vez. Outros ainda dizem que estavam sob efeito de álcool, por exemplo — acrescente Suzana.
ESTATÍSTICAS
– Em 2014, o Brasil distribuiu 22 tipos de medicamentos para o tratamento da Aids, um investimento de cerca de R$ 900 milhões
– Em 2015, a estimativa é de que R$ 1 bilhão seja investido em medicamentos
– Há grupos sociais que são considerados vulneráveis à doença. Estes grupos são de homens homossexuais ou que mantiveram relações sexuais com prostitutas e travestis. Neste grupo, ainda há o crescimento de casos de Aids
– Nos últimos 10 anos, a taxa de morte por causa da Aids reduziu em 14% no país, mas o número de jovens portadores da doença cresceu
– Além disso, o Rio Grande do Sul, há 10 anos, é o Estado com maior índice da doença
*Fonte: Ministério da Saúde
Você se cuida?
Você sabe que a principal forma de transmissão do vírus é por meio do sexo sem proteção? Sabe que a camisinha é um dos métodos mais eficazes de prevenção? Usou camisinha em todas suas relações? E na última? Você alguma vez fez o teste?
Perguntas como essas foram feitas em uma pesquisa do Ministério da Saúde aos brasileiros. A maioria dos entrevistados (94%) sabe que o preservativo é a melhor forma de prevenção da Aids e de outras Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs). Mesmo assim, metade dos entrevistados (45% da população sexualmente ativa do país) não usou camisinha nas relações casuais dos últimos 12 meses. A pesquisa, divulgada neste ano, entrevistou 12 mil pessoas com idades entre 15 e 64 anos, em 2013.
Este número mantém a média dos últimos anos de pessoas que deixaram de usar o preservativo na última relação sexual. Enquanto isso, o número de pessoas que tiveram 10 ou mais parceiros sexuais cresceu 44% na última década.
Por isso, quando se fala em Aids, é preciso ir muito além da prevenção. É preciso fazer o teste e estar seguro sobre sua saúde.
Santa Maria, a 10ª cidade com casos no país
– No último boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde, Santa Maria ficou em 10º no número de casos
– 1.663 pessoas retiram medicação no Husm, 65% são de Santa Maria
– Somente no ano passado, 197 pessoas começaram o tratamento
– No Rio Grande do Sul, 11,2 pessoas a cada 100 mil morrem por Aids, média que é o dobro da estatística nacional. Em Santa Maria, o índice é ainda maior: 16,3 pessoas morrem, a cada 100 mil
– Até outubro do ano passado, 19 pessoas morreram por causa da Aids em Santa Maria. Há ainda o número de pessoas que morrem por causa de doenças que são consequência da Aids, mas não são contabilizadas no índice
*Fonte: Husm, Ministério da Saúde e Secretaria Municipal de Saúde
O teste deu positivo. E agora?
Busque acompanhamento e o tratamento médico adequado. Se o teste é feito em um Centro de Testagem e Aconselhamento, como a Casa Treze de Maio, a pessoa já recebe o encaminhamento necessário.
Desde o ano passado, a partir de uma recomendação do Ministério da Saúde, o tratamento é feito em todas pessoas que são detectadas como portadoras do vírus. Até então, pessoas diagnosticadas com uma carga viral considerada baixa não recebiam o tratamento precoce.
— Antes, as pessoas que não se tratavam morriam. Na maioria dos casos, eram vítimas de doenças oportunistas, por causa da imunidade baixa. Depois de um tempo, foi observado que as pessoas portadoras do vírus que tinham a imunidade alta apresentavam uma incidência maior de doenças inflamatórias, como infarto. Com isso, todas as pessoas passaram a ser tratadas, porque evita que tenham outras doenças — explica Schwarzbold.
Busque ajuda
– Em Santa Maria, os testes rápidos, que apresentam o diagnóstico em cerca de 15 minutos, podem ser feitos nas unidades básicas de saúde, exceto nos postos Bela União, Ruben Noal, Oneyde de Carvalho e do Alto da Boa Vista
– A Casa Treze de Maio também oferece os dois tipos de testes. O exame rápido é oferecido de segunda à sexta-feira, das 8h às 11h30min. Também é possível fazer o teste tradicional de segunda a sexta-feira, das 8h15min às 11h15min, ou nas terças-feiras e quintas-feiras, das 15h15min até as 17h30min. Para fazer o teste, é necessário levar documento de identificação e cartão do SUS. A Casa Treze de Maio fica na Rua 13 de maio, 35, Centro. Informações pelo telefone (55)3921-1263.
– O Husm oferece tratamentos gratuitos para pacientes da região. O encaminhamento é feito pela Secretaria Municipal de Saúde
Ainda é preciso falar sobre Aids
Há 11 anos, um santa-mariense que pediu para não ser identificado, foi diagnosticado com Aids. Na época, ele não desconfiava que era portador do vírus, mas precisou ser hospitalizado porque estava com outras doenças oportunistas. Foi durante a internação que soube que era um portador:
— Ficar sabendo da doença foi uma coisa devastadora. Mesmo com todo o conhecimento que se tinha na época, foi uma situação ruim para mim. Quando é com os outros, a gente acaba naturalizando, não é o mesmo impacto. Mas sentir a doença na pele, e não só a doença, mas todo contexto que ela envolve, a temática, o preconceito, a dificuldade de falar no assunto, é muito complicado.
Dois meses após o diagnóstico, o homem começou a participar de um grupo de apoio no Husm. Foi lá que ele encontrou mais informações e notícias sobre a doença, além de ter se fortalecido.
— Foi com aquele grupo que percebi que conviver com o HIV não era o fim do mundo. Vi que, com o tratamento, poderia voltar a fazer as mesmas coisas de antes. Foi então que eu melhorei, não só do ponto de vista clínico.
Depois de superar a notícia, ele sentiu necessidade de falar, de participar de discussões sobre o assunto. Aos poucos, passou a fazer parte de espaços para debater a Aids e se transformou em um ativista do tema. Um ano depois, voltou aos estudos, concluiu o Ensino Médio e, atualmente, está prestes a se formar no Ensino Superior.
— O HIV e a Aids não atacam só a saúde, atacam o lado social, emocional e até financeiro das pessoas. Na época, eu parei de trabalhar, porque existe uma espécie de mordaça, que afeta as pessoas em muitas situações. É como se o diagnóstico fosse o decreto da morte social. Parece que há uma preocupação grande do governo e da sociedade com a prevenção. Mas pouco se fala de políticas públicas para depois do diagnóstico. A sociedade fecha os olhos para quem tem Aids. O depois do diagnóstico também é muito importante e tem de chegar até as pessoas. Isso tudo tem de ser pensado.