Três meses desde primeiro óbito, coronavírus causa mais mortes diárias do que o trânsito no RS

A primeira morte por coronavírus confirmada no Rio Grande do Sul foi na noite de 24 de março, em Porto Alegre. Três meses depois, o estado contabiliza 500 mortes e atingiu a média de mais de cinco óbitos todos os dias, segundo dados da Secretaria Estadual da Saúde.

Em 92 dias desde a primeira morte, a média é de mais de 5,4 óbitos por dia. Para comparar, segundo o Detran-RS, o trânsito vitimou, em 2019, 1.591 pessoas em estradas gaúchas. Isto equivale a uma média diária de pouco mais de quatro vítimas.

Mortes diárias por Covid-19 no RS
Levantamento dos três primeiros meses desde o primeiro óbito
Número de mortesData do óbito24/328/31/45/49/413/417/421/425/429/43/57/511/515/519/523/527/531/54/68/612/616/620/624/605101520
Fonte: Secretaria Estadual da Saúde e G1

Por mais que oscile, a linha de mortes diárias por Covid-19 é ascendente, e não há elementos que sugiram uma tendência de retração. Não há, por exemplo, uma sequência de mais de três dias de quedas constantes.

“A tendência é, infelizmente, aumentar, porque temos um volume maior da doença na população”, diz o médico Alexandre Zavascki, professor de infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e chefe do Serviço de Infectologia do Hospital Moinhos de Vento. “À medida que vai se agravando a epidemia como um todo, a tendência é que aumente a sobrecarga no sistema. Não estamos com o sistema colapsado, mas a sobrecarga de pacientes, a dificuldades de disponibilizar leitos, começa a agravar a mortalidade”, pontua.

Nos primeiros 30 dias, foram 33 óbitos — quase uma morte por dia. Nos 30 seguintes, subiu para 165, ou seja, foram cinco vezes mais mortes.

Já nos últimos 30, o crescimento reduziu para 1,7 vezes. Porém, como o número de testes aumentou e o avanço é constante, o número de vidas perdidas é cada vezes maior.

“Estão tentando fórmulas que não deram certo em lugar nenhum, e mesmo nelas as pessoas tentam dar um jeito de levar uma vida normal. Estamos vendo os casos e a ocupação dos hospitais aumentarem, e fazemos menos do que já fizemos. A epidemia não vai acabar por decreto“, conclui.

Perfis distintos

primeiro óbito no estado foi de uma mulher de 91 anos que estava internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Moinhos de Vento, na Capital.

Na época, haviam cerca de 2,2 mil casos confirmados e 47 mortes no país. No estado, os poucos testes indicavam 122 casos positivos.

Neste momento, o RS tem mais de 22 mil casos confirmados.

Milton Fernando e a esposa, Néli Weizenmann, tiveram o coronavírus; ele morreu em 18 de junho e ela se recupera bem — Foto: Arquivo Pessoal

Milton Fernando e a esposa, Néli Weizenmann, tiveram o coronavírus; ele morreu em 18 de junho e ela se recupera bem — Foto: Arquivo Pessoal

O radialista Milton Fernando Weizenmann era 30 anos mais jovem do que a idosa. Ele completou 60 anos em 20 de maio.

No fim do mês, teve febre e dificuldade para respirar, precisou ser internado no Hospital de Estrela, no Vale do Taquari, e ficou 12 dias hospitalizados, oito dos quais na UTI. No dia 18 de junho, morreu por Covid-19.

“A última cruzada dele foi contra o coronavírus, conscientizar as pessoas sobre a doença. Era uma pessoa que se cuidava ao extremo, mas se mesmo se cuidando corre-se o risco, imagina os outros”, questiona o filho Rafael.

A mãe de Rafael e esposa de Milton Fernando, Néli, também teve o coronavírus, mas se recuperou em casa. O radialista tinha pressão alta e diabetes.

Na última conversa entre pai e filho, Milton Fernando comentou a Rafael que temia que muitas vidas ainda seriam desperdiçadas devido ao desleixo das pessoas com o distanciamento social. Discussões políticas, então, incomodavam-no bastante. Isso foi até tema do último comentário publicado no jornal Opinião, de Encantado, onde trabalhava.

“O Brasil (…), não sei se está no caminho certo ou não. Não sou médico infectologista, não sou nada. O que eu sei é que a ciência manda a gente se cuidar. Vamos nos cuidar, vamos usar máscaras e vamos ficar em casa”, escreveu Milton Fernando, que trabalhou por quase 30 anos em rádios de Lajeado, Estrela, São Gabriel e Encantado.

“Isso não é politica. Vai vir pra todos, não importa classe social, raça, cor”, afirma Rafael. “É uma doença terrível, que nos priva de tudo. Ela excluiu tudo que tínhamos. Não é uma gripezinha. É uma situação surreal”, acrescenta.

Mulheres são mais infectadas, mas homens morrem mais

A Covid-19 infectou mais mulheres no RS. Dos mais de 22 mil casos, 11,6 mil são mulheres (52,7%) e cerca de 10,4 mil são homens (47,3%).

Porém, o coronavírus mata mais homens. Das 500 mortes no estado, 276 foram de homens (55,2%) 224 de mulheres (44,8%).

Mortes por sexo
Homens: 276Mulheres: 224
Fonte: Secretaria Estadual da Saúde e G1

Por isso, a taxa de letalidade, que permanece em uma média de 2,3%, varia conforme o sexo. Em relação aos homens, ela pode chegar a 2,6% dos infectados e, em relação às mulheres, cai para 1,9%.

“Hipertensão e doenças cardíacas ou pulmonares são mais presentes em homens. Homens têm mais comorbidades”, explica Zavascki. “Mas esses são fatores não ajustados. Só vamos ver se o sexo é fator de risco depois. Aparentemente, sim, podem haver fatores genéticos e questões de estilo de vida, que acabam fazendo com que os homens tenham doenças mais frequentemente e mais cedo.”

Mortes por sexo e faixa etária

Faixa etáriaHomemMulherTotal
Menos de 1 ano101
1 a 19 anos000
20 a 29 anos336
30 a 39 anos7815
40 a 49 anos23629
50 a 59 anos342256
60 a 69 anos6934103
70 a 79 anos6862130
Mais de 80 anos7189160
Total276224500

O que chama a atenção do médico é que a morte dos homens é mais alta desde os 40 até os 80 anos, e ocorre de forma distribuída entre essas faixas etárias. Porém, o número de pacientes mulheres que morrem em decorrência da Covid-19 sobe bastante a partir dos 60 anos e supera o número de mortes de homens com 80 anos ou mais.

“A mulher de 60 anos é, em média, mais saudável do que os homens desta faixa etária. Depois dos 80, a senilidade fica sendo fator preponderante”, observa.

Mortes proporcionais ao avanço da idade

Os primeiros três meses desde a primeira morte confirma outra tendência da doença: quantos mais velhos, mais vulneráveis ao coronavírus são os gaúchos. Tanto que, até os 20 anos, apenas um bebê faleceu em decorrência da Covid-19.

A partir desta idade, as mortes vão praticamente dobrando a cada década, até estabilizarem a partir dos 70 anos — o que tem a ver, também, com a expectativa de vida da população gaúcha.

Coronavírus: infográfico mostra principais sintomas da doença — Foto: Foto: Infografia/G1

Coronavírus: infográfico mostra principais sintomas da doença — Foto: Foto: Infografia/G1