Uma história de superação e amor além da vida

Patrícia Rodrigues Paim

No último dia 24 de janeiro interrompeu-se uma história de muito amor, doação,entrega, superação e sacrifício. A história do casal  alegretense, Inar Paim e Patrícia Rodrigues Paim. Tudo começou no ano de 1988. Um início normal como todos os namoros da época. Logo casaram, tiveram filhos e viviam a vida um para o outro.

Patricia  gostava muito de ir a bailes gauchescos. “Ela era uma exímia dançarina, tive que entrar num curso e aprender a dançar música gaucha para poder acompanhar a prenda”, revela Paim.

Patrícia amava viajar, gostava muito de conhecer outras cidades. Morou em várias lugares por força da profissão de militar de Inar. Foram muitas as amizades nessas andanças.

Inar Paim e Patrícia Rodrigues Paim
Inar Paim e Patrícia Rodrigues Paim

Em 1996, mudança para Nioaque-MS,”cidadezinha pequena, mas bem aconchegante” comenta o alegretense.Foi neste ano que começou a observar algumas dificuldades da Patricia, até então despercebidas.

Ela já tinha falado que quando pequena na escola não conseguia acompanhar as colegas em algumas brincadeiras tais como correr, saltar, subir em árvore. Mas como aquilo não influenciava em nada a rotina do casal e não estava prejudicando. “não procuramos verificar a causa”, conta Inar.

Lentamente começaram a surgir algumas dificuldades. Começaram as quedas por desiquilíbrio e dificuldade para se erguer sozinha. Faltava forças para levantar.

A casa em Nioaque ficava acima do nível da rua, e tinha uma rampa para entrar. Um dia ela tentou subir e não conseguiu, acabou caindo e novamente não conseguiu se erguer. E, assim,  foram acontecendo sucessivos incidentes.

A busca pelo apoio médico em sucessivas vezes, iniciou em Campo Grande-MS. Eram consultas, exames e nunca chegavam  a um diagnóstico.

Passaram-se os anos e nova transferência, dessa vez para o Sul, em Santiago. Seguiram buscando respostas para o que estava acontecendo, pois Patricia já não estava mais conseguindo subir em meio fio de calçadas e estava com dificuldades em levantar-se da cadeira, necessitava de apoio.

Inar pediu transferência para outro centro, onde houvesse condições de buscar um diagnóstico preciso e profissionais especialistas para o tratamento adequado.

Em Brasilia conseguiram consultar no Hospital Sarah Kubistck, referência em tratamento neurológico. Foram 30 dias, internada fazendo diversos exames e, finalmente o diagnóstico. Uma distrofia muscular tipo cinturas, doença degenerativa muscular, lentamente progressiva e irreversível, sem tratamento.

Inicialmente,o choque, principalmente por não ter tratamento. Depois a preocupação, com os filhos. Procuraram verificar se a herança genética da doença não tinha sido transferida para eles. “Foram feitos exames nos três e, graças a Deus, eles foram considerados normais”, explica.

Passado o choque inicial, retomaram a vida procurando usufruir o máximo que podiam. Aí, Inar passou estudar sobre a doença e toda sua evolução. “Busquei na internet os melhores profissionais que acompanham pacientes com Distrofia e busquei orientação”.

Tirava as dúvidas através de milhares de emails. “Sempre foram muito atenciosos e humildes para responderem todas as minhas duvidas”, revela.

A fisioterapia era vital para Patrícia. Em contato com pacientes em estado bem mais avançados que o dela, se deparava com o medo do futuro. Mas, ao mesmo tempo em que ficava triste pela evolução da doença, alimentava muita esperança,  pois muitas pesquisas estavam sendo feitas. “Sempre tive esperança que com o tempo, a ciência iria achar a cura”, acreditava.

Inar Paim e Patrícia Rodrigues Paim
Inar Paim e Patrícia Rodrigues Paim

Em 2008,  Patricia teve  a primeira de uma muitas crises de pneumonia. Ficou internada mais de um mês, e o quadro dela agravou mais um pouco. O diagnóstico do exame de  polissonografia, concluiu que ela tinha apneia obstrutiva do  sono em acentuada intensidade.

O Neurologista indicou que ela usasse CEPAP – é um compressor que infla as vias aéreas superiores de modo a minimizar a apneia do sono. Com dois níveis de pressão, sendo um para a inspiração e outro para a expiração para dormir. Ela se recusou a usar.

Depois de tratada a pneumonia e ela receber alta, foram diversas as seções de fisioterapia prescritas pelo médico.

Mais uma transferência.  Inar foi classificado para Curitiba. A Patricia não se adaptou, não gostou do clima de Curitiba. A doença dela já tinha se agravado mais e ela já estava com dificuldades de caminhar.  Na cama ela não tinha forças para fazer alguns movimentos. Inar tinha que virá-la quando  ela cansava de uma posição. Para sair, ele a levava em cadeira de rodas.

Uma longa conversa e, a tentativa em dar a  ela uma qualidade de vida melhor, era retornar para a cidade natal, onde todos os familiares poderiam dar um apoio,  pois Inar já não estava mais conseguindo trabalhar e tirava sucessivas licenças, devido a incapacidade em consequência da doença.

Retornaram para o Alegrete, no final de 2009.  “Ela ficou muito feliz, nossos familiares nos receberam bem, afinal eram mais de 20 anos que tínhamos saído da cidade”.

Em maio de 2010, foi internada com infecção respiratória. No hospital teve uma parada cardiorrespiratória. A agilidade nos procedimentos, graças a médica que não desistiu quando extrapolou o tempo de protocolo, permitiu que Patricia conseguisse voltar. Logo foi entubada e transferida para outro hospital de Alegrete. Ficou quinze dias e, neste tempo ela foi traqueotomizada. Passados os quinze dias, o quadro dela era muito grave e resolveram transferi-la para o Hospital Militar de Porto Alegre.

O  médico que a recebeu, após avaliar o quadro falou para Inar  – O senhor está ciente que a doença dela é muito grave, por isto gostaria de dizer que é muito difícil reverter o quadro, talvez ela  não volte”. A resposta de Inar foi imediata, ” O senhor não conhece a Patricia”.

Dias em frente a UTI dormindo nos bancos até os horários de visita. O quadro dela nunca melhorava.

Um dia o chefe da UTI, chamou Inar e disse que poderia ficar com ela, pois tinham a colocado em isolamento.

Autorizado, ficou o tempo todo com ela na UTI observando os procedimentos de enfermagem e os fisioterapêuticos.

Um dia a fisioterapeuta perguntou se ele gostaria de participar no tratamento, prontamente aceitou. Claro que sim.

Aprendeu a fazer as manobras de fisioterapia motora e respiratória e os cuidados de enfermagem.

Recebeu autorização do chefe da UTI  a fazer os procedimentos. Identificou os parâmetros do respirador e fazia o acompanhamento.

Prestava atenção todas vez que faziam as manobras e retiravam a secreção. Patricia tinha uma melhora nos parâmetros. Então toda vez que a saturação caia de 90, mesmo que a Patricia não pedisse, ele fazia manobras e aspirava a secreção. Os parametros melhoravam.

Todos os dias era tirado raio X. Antes das manobras, ela estava sempre com o raio X, cheio de secreção e com atelectasia (colapso total ou parcial) nos pulmões. De tanto observar, três dias depois, se envolver no tratamento,  houve uma importante expansão pulmonar e melhora  na atelectasia.

Um dia, Inar discutiu com o chefe da UTI, sobre o assunto e mostrou diversas anotações. Agradeceu a ele por ter deixado ficar com sua esposa e ter permitido  a ele participar no tratamento. Falou ainda,  que se não tirassem a secreção, de forma ágil, não haveria mudança  no estado de saúde de sua mulher.. Sem manobras de fisioterapia não era possível aspirar secreção, ela não tinha força para tossir e a secreção não subia. depois dessa conversa, em uma semana Patricia já estava caminhando nas seções de fisioterapia. Logo, começaou o “desmame” do respirador. Depois foi para o quarto e logo recebeu alta e retornaram para casa em Alegrete.

Inar diz que não achou mais o médico que tinha lhe dito que a Patricia não voltaria.

“Voltamos para casa, só que a Patricia estava agora com a traquéia metálica, e isto exigia muitos cuidados de enfermagem, muitos materiais de consumo, os mesmos cuidados do hospital só que agora em casa.

“Passei o que aprendi para meus filhos e minhas irmãs para poderem nos apoiar”.

Um ano depois, a volta ao Hospital em Porto Alegre para fazer procedimentos. Patrícia estava com uma estenose na subglote que estava bloqueando a passagem de ar pelas vias aéreas.  Fizeram a cirurgia e teve uma complicação no pós operatório. Novamente teve que ir para UTI, só que agora não deixaram Inat entrar para ajudar.O quadro se agravou, o pulmão ficou com atelectasia de novo. O quadro passou para muito grave, de novo.

Tentou o chefe da UTI, queria fazer parte no tratamento, explicou as dificuldades. Ela precisava de profissionais de enfermagem e fisioterapeutas 24hs por dia.

Foi autorizado e se repetiu a história, logo voltaram para casa.

Ocorreram outras internações em Alegrete e outras infecções respiratórias, pois ela estava com o pulmão exposto devido a tráqueo.

O quadro foi se agravando, ela já não tinha mais condições de se firmar em pé nem com ajuda e teve que ficar restrita a cadeira e cama. Teve que tirar sucessivas licenças pois agora o apoio que no começo era grande, agora já não existia mais.

A Patrica já não conseguia mais respirar o ambiente e era urgente que ela usasse o CEPAP, mas ela sempre recusava.

Um dia no pronto atendimento do Hospital Militar de Alegrete, a saturação estava muito baixa mesmo sem secreção. Foi internada, e nos exames ambulatoriais estava normal. A médica colocou ela no oxigênio direto na tráqueo e a saturação normalizou. A partir dali ela teve que ficar direto nesse procedimento.

Não conseguia mais respirar o ar ambiente. Todos os dias tinha que conseguir um torpedo de oxigenio.

Pesquisou na internet e descobriu em Porto Alegre que tinha um home care conveniado ao plano de saúde do Exército.

Seria a solução. No home care, técnicos em enfermagem, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, médicos e todo material necessário em casa. Ela concordou e seguiram os procedimentos para conseguir transferência para Porto Alegre.

Na capital,  começaria uma nova etapa na vida do casal.  Sempre com esperança de dias melhores. Agora teriam que conviver todos os dias com uma pessoa estranha no lar. Mas era uma necessidade pois “a minha baixinha” como Inar costuma chamar seu grande amor,  precisava de cuidados profissionais em tempo integral e ele teria de trabalhar, cuidar da casa e do filho menor.

Pouco tempo em Porto Alegre e mudaram para Canoas. O aluguel além de caro, também não havia espaço suficiente para acomodar todos os materiais necessários.

Começaram os problemas com o home care. A falta de técnicos e abandono do plantão. Outra licença devido a falta de profissionais para trabalhar em Canoas.

O Quadro da Patricia se agravou, sentia muita ansiedade e só se sentia segura com a presença do seu marido.

“Fico muito grato a DEUS por ela se sentir segura comigo, foram várias noite sem dormir devido a diversas aspirações e as dores devido a imobilidade”.

– Mas eu sempre recebia um prêmio, o sorriso dela me agradecendo pela paciência e falava que eu era o anjo dela.

Aquele sorriso enchia Inar de energia suficiente para mais um dia. Sempre que dava, tinha alguém para ficar com ela. Inar é atleta, maratonista e participa de diversas provas. Sempre que sobrava tempo se dedicava aos treinamentos. Acumula uma galeria de prêmios e troféus. Graças a ela, ele tinha força, “ela era minha força”. Nunca demonstrou seu sofrimento, pelo contrário, a todos recebia com um lindo sorriso.

– Com ela aprendi a dar valor a tudo que Deus nos deu  de graça e que não percebemos. C  om ela aprendi a nunca desistir e sempre acreditar. Com toda minha aptidão física, me sentia um fraco perto dela.

A doença dela foi progredindo na mesma proporção que os técnicos de enfermagem e alguns familiares próximos íam se afastando. Mas ela não se preocupava, bastava eu estar com ela, não precisava de mais nada para se sentir segura.

Ela não estava mais conseguindo deglutir, a alimentação que antes era pastosa agora era liquida e mesmo assim ela não estava conseguindo. – Aquele sorriso lindo já não saia mais com tanta intensidade.

Veio outra internação, a última. Desta vez não deixaram Inar ficar com ela, apesar da insistência.  “Cada dia nos despedíamos um pouquinho”. O namoro durava meia hora e ela sempre correspondia enquanto estava lúcida com um lindo sorriso. A cada despedida era regada de muita tristeza e assim foram 15 dias, até que um dia o médico disse que ela daria alta, era só fazer a parte burocrática junto ao home care e preparar a casa para recebe-la. Ela estava muito feliz em poder voltar para casa novamente.

Inar foi para casa muito feliz. Fez faxina  e arrumou os móveis de outra maneira para mais conforto à sua amada.

No outro dia, na hora da visita ele estava ansioso para entrar, o médico que a estava acompanhando chamou-o antes e disse, “ infelizmente a Patricia teve hoje duas paradas cardíacas e esta em coma profundo, seu quadro é muito delicado, tem poucas chances de sobreviver”.

Desmoronou no momento. Mas, veio a lembrança que as palavras foram as mesmas que outro médico havia falado em 2010, e agarrado nestas poucas chances, colocou todas as esperanças. Orava a Deus todos os dias para dar mais uma oportunidade de cuidar da Patricia.

Durante nove dias ía para UTI no horário de visita com esperança de alguma melhora, mas as noticias nunca eram boas.

Ficava me lembrando das várias noite acordado, cuidando dela e das vezes que orava pedindo paciência e das vezes que se queixava do cansaço. Agora implorava a Deus por mais uma oportunidade de ficar uma noite cuidando do seu amor.

Mas sabia que estava sendo muito egoísta e Deus na sua infinita sabedoria e misericórdia, resolveu levar Patrícia no dia 24 de janeiro.

Inar disputou a Travessia Torres -Tramandaí no último final de semana, conquistou mais um troféu especialmente dedicado para o seu infinito amor. Neste domingo, vai correr a Maratona do Vinho. “Obrigado baixinha pelas diversas lições que me ensinou e pela preocupação que sempre teve comigo e com seus filhos Liana, Lian e Liandro” , agradece emocionado o guerreiro e eterno apaixonado Inar Paim.

Por: Júlio Cesar Santos