Uma sombra sobre o Fies: banco afirma que inadimplentes aumentaram, mas MEC contesta

Há elevação na inadimplência dos empréstimos do Fundo de Financiamento Estudantil, segundo um relatório do banco de investimentos Morgan Stanley. Ministério da Educação discorda e garante que a situação é estável

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O que estaria ocorrendo com o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), responsável por dar continuidade ao crédito educativo e garantir que brasileiros de renda insuficiente conquistem o diploma universitário? Para o banco de investimentos Morgan Stanley, há risco de inadimplência. O Ministério da Educação (MEC) nega, mas não esclarece a situação.

A dúvida paira sobre o Fies desde setembro, quando um relatório do Morgan Stanley – considerado o maior do mundo na sua especialidade – apontou que os atrasos acima de um ano no pagamento dos financiamentos chegam a 10%. Numa previsão para 2017, alertou que a inadimplência poderá saltar para 27%, se não houver reversão no curto prazo.

Elaborado pelos analistas Javier Martinez de Olcoz Cerdan e Thiago Bortoluci, baseados em São Paulo, o relatório avisou que o modelo pode não ser sustentável. Informou que o fundo para cobrir a inadimplência no Fies – chamado de Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo – estaria sendo mal gerenciado.
ZH pediu entrevista com Javier Cerdan e Thiago Bortoluci. Foi aceita, inicialmente, mas depois a direção do banco, em Nova York, decidiu cancelar sem expor a razão.
Responsável por administrar o Fies, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), uma autarquia do MEC, foi procurado por ZH, mas não respondeu aos pedidos. A Caixa Econômica Federal, que banca os financiamentos, também não se pronunciou.
O silêncio do FNDE e da Caixa é total. Não informam sequer quantos financiamentos foram concedidos desde a criação do crédito educativo, em 1976. Nem quantos estão em andamento pelo Fies desde a reformulação do sistema, em 2010.
Mas, durante um evento promovido pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo, o coordenador do FNDE, Flávio Carlos Pereira, disse que a inadimplência seria de 3% a 4%. Em uma matéria publicada pelo Uol Educação, Pereira declarou:
– Esperamos que o Fies fique nesse patamar e siga nessa esteira.

Instituições privadas têm 78% dos alunos

O Fies é aprovado por universidades particulares. O presidente do Sindicato do Ensino Privado, Bruno Eizerik, observa que as instituições não recebem dinheiro do MEC. São pagas com títulos da dívida pública, que podem ser usados na quitação de tributos federais, como o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o Imposto de Renda.
– O programa é interessante, é muito bem-vindo – ressalta Eizerik.
As universidades privadas respondem por 78% dos alunos brasileiros, segundo o Sinepe. Eizerik lembra que parte deles (não tem a estatística) depende do Fies ou de outros modelos de empréstimo.
– O que precisamos é que o estudante, depois de formado, tenha emprego para arcar com os custos do financiamento – diz o dirigente.
No início dos anos 1990, o financiamento estudantil entrou em crise por falta de recursos e devido à falta de mecanismos adequados para corrigir a inflação. Os meios de cobrança, junto aos devedores, também eram ineficazes. Em 1998, foi rebatizado com o nome de Fies.

Estudantes renegociam a dívida

O sonho de cursar uma faculdade tem provocado aflição em jovens que recorrem ao Fies. É que, depois de formados, nem sempre conseguem um emprego com salário polpudo o suficiente para cobrir a mensalidade da dívida. Resultado: as contas não fecham.
Em 2008, Rafael Maltez Olmedo, 33 anos, pegou metade do Fies para cursar Direito – a outra parcela da mensalidade resolveu pagar do próprio bolso. Como recebia um salário modesto à época, precisou se sacrificar e improvisar. Além dos estudos, havia as despesas com roupas, livros, transporte, alimentação e moradia.
– Não conseguia mais fazer todas as cadeiras na faculdade – conta Rafael.
Uma das saídas foi trocar de universidade. Optou por uma instituição cujo valor das mensalidades é menor para o mesmo curso. Pôde aumentar o número de cadeiras, mas o orçamento seguiu apertado.
No momento de começar a quitar o Fies, Rafael percebeu que não poderia manter as mensalidades em dia. Então, procurou a Caixa Econômica Federal pedindo renegociação. E ficou satisfeito com o acordo: o prazo de pagamento da dívida, que seria de sete anos, foi espichado para 2030.
– Ficou bom. Consigo saldar o débito e tocar a vida – diz ele.
As dificuldades podem iniciar antes mesmo da cobrança do Fies, já durante o curso. 
Que o diga Janine Priscila Duarte Ferreira, 33 anos, estudante de Gastronomia. Ela captou 95% do financiamento e paga o restante com o salário de técnica em enfermagem. A cada três meses, desembolsa mais R$ 50 de taxa (o serviço da dívida junto à Caixa, previsto em contrato).
Já aconteceu de Janine ter de selecionar quais dívidas pagará primeiro, correndo o risco de atrasar alguma delas. A primazia é não descuidar dos 5% da faculdade e dos R$ 50 trimestrais do Fies.
– Faço um sorteio de prioridades – diz a universitária.

Priscila Ferreira captou 95% do financiamento pelo Fies, mas encontrou dificuldades para pagar os 5% da faculdade – Foto: Carlos Macedo

Acionar a Justiça é uma das soluções

Alunos que se encalacraram com o Fies apelam à Justiça. O advogado Gilberto Karoly Lima diz que já patrocinou em torno de cem causas. A estratégia é renegociar, pedir redução de juros e multas, esticar os prazos de pagamento. Lima pondera que parte dos estudantes, até por cursar faculdades de qualidade discutível, demora para obter um emprego rentável após a formatura.
– Ficam com uma dívida impagável. O papel do advogado é aliviar a dor – destaca.

Evite dissabores

A diretora institucional da Proteste, Maria Inês Dolci, sugere cautela no momento de contrair o Fies. Veja as dicas:

— Leia atentamente as regras do contrato, prestando atenção nas diferentes fases: taxa de amortização, prazo de carência para iniciar o pagamento, juros e penalidades para eventuais atrasos.

— Esteja alerta para uma situação: os juros do Fies são baixos, mas as mensalidades são aumentadas acima da inflação pelas universidades, todos os anos.

— Preparar-se para quitar um financiamento de longo prazo, que levará o triplo da duração do curso.

— Planeje-se desde o início, ainda durante o curso, para enfrentar o pagamento do Fies. O ideal seria reservar dinheiro, com pequenos depósitos, para antecipar pelo menos as três primeiras mensalidades. O fôlego dá tranquilidade em caso de aperto.

— Esteja consciente de que contraiu uma dívida e deverá pagá-la.
Feito para financiar estudantes de baixa renda: entenda o que é o Fies

As condições
— Podem ser financiados os cursos com conceito maior ou igual a três no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), entre as instituições que participam do Fies.

— Não podem participar do Fies os estudantes com renda familiar mensal bruta superior a 20 salários mínimos.

— Algumas universidades limitam o número de financiamentos pelo Fies, de acordo com suas necessidades. A realização da inscrição, portanto, fica condicionada à disponibilidade.

Percentuais de financiamento
— Para estudantes com renda familiar mensal bruta de até 10 salários mínimos, de 50% a 100% pelo Fies.

— Para os que têm renda familiar mensal bruta maior de 10 salários mínimos e menor ou igual a 15 salários mínimos, de 50% a 75% pelo Fies.

— Para os que têm renda familiar mensal bruta maior de 15 salários mínimos e menor ou igual a 20 salários mínimos, 50% 
pelo Fies.

Os juros
— 3,4% ao ano. Durante o período de duração do curso, o estudante pagará, a cada três meses, o valor máximo de R$ 50, referente aos juros incidentes sobre o financiamento.

O pagamento
— Começa 18 meses após concluir o curso. Encerrado o tempo de carência, o saldo devedor será parcelado em até três vezes o período financiado, acrescido de 12 meses. Exemplo: um curso com quatro anos de duração poderá ser pago em até 13 anos.

Com fiador
— Para contratação do financiamento é exigida a figura do avalista. Há dois tipos de fiança: a convencional e a solidária.

— A convencional: é prestada por até dois fiadores cuja renda seja igual ao dobro do valor da mensalidade paga pelo estudante.

— A solidária: três a cinco participantes do Fies formam um grupo de fiadores, sem necessidade de comprovar os rendimentos. Eles não podem ser parentes entre si.

Sem fiador
— Ficam dispensados da exigência do fiador os bolsistas parciais do ProUni, os matriculados em cursos de licenciatura e os alunos que tenham renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio.

Fundo garantidor
— Para cobrir a inadimplência dos que não pagam o Fies, existe o Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (FGEDUC), administrado pelo Banco do Brasil. Para os estudantes pobres, elimina a necessidade do fiador. Para as universidades, cobre até 90% do risco de inadimplência.

Fonte: Zero Hora