Doença do silicone: socióloga compartilha experiência traumática e reforça debate sobre pressão estética

Ingrid Gerolimich produziu documentário para alertar mulheres sobre os riscos de perseguir padrões de beleza

Fadiga crônica, problemas de visão, desconfortos gastrointestinais, zumbido no ouvido e até diagnóstico de depressão. Até acessar o link de uma postagem, em 2020, sobre uma mulher que havia feito remoção do silicone nos seios por questões de saúde, a psicanalista e socióloga carioca Ingrid Gerolimich, 39 anos, jamais associou tais sintomas às próteses que carregava há quase 10 anos. E os males já se arrastavam há dois ou três anos.

 — Os sintomas são aos poucos. Você começa a ir a vários médicos, ao neurologista, ao oftalmologista, ao clínico geral, e ninguém sabe o que você tem. Nenhum sintoma dialoga com o outro. E são anos buscando soluções particulares para esses sintomas quando na verdade têm uma raiz única. Isso é o mais cruel. Aconteceu comigo e acontece com muitas mulheres – conta.

A descoberta tornou urgente a retirada do silicone, uma ideia que ela já amadurecia na medida em que foi questionando a necessidade de se enquadrar a padrões estéticos. E motivou também o documentário Explante, que ela produziu do próprio bolso e deve seguir uma agenda de estreias por Rio, São Paulo e Brasília a partir deste mês. Há planos de distribuição online em universidades, para gerar debate, em organizações voltadas a questões do feminino, além de atender a pedidos de grupos de mulheres. O documentário estreou em Portugal no início do ano e despertou interesse na Espanha e na Argentina. A agenda de exibições está disponível no Instagram @explanteofilme.

— Eu não quero aqui demonizar a cirurgia plástica e quem quer fazer, porque é uma decisão de âmbito pessoal de cada mulher. O que eu quero é dar informação para que elas possam realmente decidir o que fazer com os seus corpos  — aponta.

O documentário visa a contribuir para corrigir, segundo Ingrid, a falta de maiores esclarecimentos por parte de sociedades médicas.  São grupos de mulheres organizadas que têm feito circular o debate sobre os riscos do implante de silicone, com textos “respaldados por pesquisas e especialistas”. No filme,  Ingrid mostra o processo da sua cirurgia de explante, conversa com mulheres que passaram pelo procedimento e com especialistas nacionais e internacionais.

— São informações com base na ciência, de quem está de fato estudando o tema. Não é uma opinião.  Fiz questão de contar com pessoas que são pesquisadores e referências no assunto  — afirma. — Os riscos do silicone são discutidos há 30 anos (…) A FDA, a “Anvisa” norte-americana, uma referência no mundo todo, usa tarja preta nas caixas de silicone e mostra os riscos em seu site.

Os dados mais recentes da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica, de 2020, apontam que o número de explantes realizados no Brasil cresceu 31,6% em comparação ao ano anterior. O tema tem aparecido com mais frequência nas mídias. A ex-BBB Amanda Djehdian (que está no documentário), as atrizes Carolina Dieckmann e Fiorella Mattheis, a  influenciadora digital Evelyn Regly  e a designer Monica Benini estão entre as famosas que realizaram a remoção – seja por motivos de saúde ou por um novo olhar sobre o próprio corpo.

Na entrevista a seguir, Ingrid comenta com base na própria experiência — é loira, branca, magra e, ainda assim, passou anos se cobrando um ideal de beleza irreal — que mudar a forma como as mulheres se vêem é uma construção contínua e não pode ser solitária. 

— A gente não nasce odiando os nossos corpos, isso é uma construção social.

Entrevista

Do ponto de vista estético, os implantes nos seios são apenas um exemplo do que é feito na busca por um modelo de beleza. Você acredita que isso vai ter fim? Que realmente as mulheres serão livres desses modelos? 

O silicone teve sua moda, assim como outras cirurgias são da moda. Eu falo no documentário sobre a ninfoplastia, a cirurgia estética íntima, intervenções que a mulher faz como lipoaspiração na região pubiana ou diminuição dos pequenos lábios. Até a esse ponto se chega. Os modelos de beleza vão mudando, e a mulher fica se adequando como se estivesse trocando de roupa. Mas é o nosso corpo. É cirurgia estética, mas não deixa de ter os riscos que qualquer cirurgia tem. Fora as consequências dela: até onde a gente vai por causa dessa obsessão de ter um corpo que sequer existe na vida real?  Mesmo que a gente busque de todas as formas um corpo perfeito, em algum momento vai falhar. É uma falácia que o mercado criou … a indústria da beleza é uma das mais lucrativas do mundo, compete com a de armas e a farmacêutica… Há um lucro com a nossa insegurança feminina. Para mudar isso,  precisa de um trabalho coletivo. A pressão estética não pode ser tratada no âmbito do individual e do subjetivo. Mudar o olhar sobre o corpo não é uma tarefa individual. Porque vai haver frustração e sofrimento.

Como foi o processo de decisão para colocar implante entre 2010 e 2011? 

Acredito que tenha sido nesse momento do boom do silicone, em que muitas mulheres estavam colocando, entendia que era vitalício, ficaria lá inerte e não faria mal ao corpo, que não seria necessária uma nova cirurgia… mas foi uma decisão impulsiva, motivada por um contexto. Sempre achei muito bonito os seios grandes.

E o processo de decisão para tirar, como foi? 

Logo depois da cirurgia, eu já senti que não desceu bem, foi por impulso e não fazia muito sentido pra mim. Ao longo dos anos, só se fortaleceu o sentimento de que o corpo feminino precisa ser pensando em outras bases, para uma real emancipação feminina. O corpo é um elemento central dessa emancipação. Sete anos depois, voltei ao cirurgião por causa de nódulos nos seios. Aí ele falou que tinha de trocar a prótese. E eu, como assim? Não era vitalício? Aquilo me acendeu um alerta. Não queria fazer outras cirurgias. Eu não tinha essa informação. A partir de 10 anos, tem de trocar. Mas até então eu não sabia da possibilidade de explante.

O que aconteceu depois?

Em 2020 eu tive acesso a um link e entrei pensando se tratar de texto sobre mulheres que estavam fazendo explante por conta de uma nova consciência sobre seus corpos. Ali vi que o buraco era bem mais embaixo: descobri a doença do silicone e todos os males. Até ali eu não tinha a menor ideia disso. Eu tinha vários sintomas relatados ali. Então, se eu já estava descontente com a prótese por tudo que eu pensava sobre a pressão estética, naquele momento eu tive certeza de que precisava tirar e era urgente. 

A cirurgia e o pós-operatório são dolorosos? Tem diferença entre colocar ou tirar?

O pós é doloroso sim. No caso do implante, foi bem doloroso, senti mais dores e desconforto. É um peso que o corpo não está acostumado. No explante, já foi mais tranquilo. Não precisei tomar remédio para dor nem nada.

 O que acha que teria acontecido se não tivesse feito o explante?

Eu não sei, mas com certeza manteria os sintomas e agravaria… Já existem pesquisas que relacionam o silicone com câncer. O corpo, na tentativa de expulsar aquele corpo estranho, vai gerando respostas inflamatórias constantemente. Imagina o cansaço do organismo.

Como você se sente hoje?

Me sinto livre. Com as próteses, havia uma certa frustração, de trazer comigo algo que não era do meu corpo e não me representava mais. Tirar o silicone foi fazer as pazes comigo. Hoje eu me gosto muito mais. É um exercício, isso de se olhar e gostar do que vê no espelho. Não vem de uma hora para outra. É um exercício diário. Tem dias que a gente acorda e não gosta, não tem como ser diferente diante de tanto estímulo. Se a gente entende que esse é um exercício diário e constante, isso provoca uma mudança, que é esse olhar mais afetuoso e generoso com a gente mesmo.

Quando consultar um médico

A médica mastologista Bianca Ceratti Zardo explica os riscos do uso de próteses:

  • Os implantes são regulamentados pelo FDA e usados há aproximadamente 60 anos. Têm se mostrado seguros. O risco de complicações graves é muito baixo. As complicações mais frequentes são locais, como contratura capsular e necessidade de reoperação.
  • A mulher deve procurar ajuda especialmente se tiver dor mamária persistente, assimetria, endurecimento da mama, nódulo ou inchaço. Na presença desses sintomas ou outras anormalidades, consulte um cirurgião plástico ou mastologista.
  • Doença do silicone: termo adotado para descrever um conjunto de sintomas que podem surgir em mulheres com próteses mamárias, como dor nas articulações, pele e cabelos secos, mau funcionamento intestinal e cansaço excessivo.  A doença do silicone poderia ser considerada uma das apresentações da síndrome asia, contudo, mais estudos estão em andamento para que isso possa ser cientificamente comprovado. 
  • Síndrome asia: alteração inflamatória e imunológica que pode ser desencadeada por substâncias externas ao organismo, resultando em uma doença autoimune em pessoas que já possuem predisposição. Algumas das doenças autoimunes associadas são artrite reumatoide e síndrome de Sjögren. Além do silicone, agentes como óleos e alumínio presentes em algumas vacinas e infecções virais podem causa a síndrome.

Fonte: Gaúcha/ZH

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