Família de Alegrete, em que todos foram contaminados pelo coronavírus, faz um alerta

Sintomas silenciosos, falta de testes, a saúde em alguns locais quase em colapso, o luto sem chance de despedida. Todos os aspectos da pandemia se juntam em várias histórias. A terceira vítima da COVID-19 em Alegrete não é apenas mais um que entrou nas estatísticas, assim como todos os outros alegretenses que tiveram a vida ceifada pelo vírus, ele também, tem um nome, uma história, uma família. Reni Renato Mota Martinez, 70 anos. O aposentado da Corsan, que morava sozinho, gostava de música, facas, carros e lutou por duas semanas contra a virulência do novo coronavírus, mas não resistiu ao ataque do SARS-CoV-2 a diferentes órgãos, deixou quatro filhos e esposa.

A homenagem a Reni no dia 22, foi feita com o consentimento de uma das filhas, Renata Martinez, que voltou a falar com a reportagem cinco dias depois da perda do pai. Desta vez, ela fala na intenção de alertar de forma muito impactante a todos que, até o momento, não acreditam ou simplesmente não levam a sério os perigos que à Covid-19 representa.

Ainda muito emocionada, Renata que também testou positivo, assim como os irmãos e a mãe, diz que não é fácil falar, mas que a força, mesmo depois do falecimento do pai, é por perceber que ainda tem gente que brinca com a “coisa” e não vê a importância do isolamento social.

No início da entrevista, que foi realizada por telefone, questionamos  Renata no que mudou desde o diagnóstico. Ela diz que muda uma infinidade de coisas.

“Em minha cabeça até agora não consigo acreditar que seja verdade, para mim é muita loucura, os médicos não estão preparados para lidar com o vírus, ninguém está, as informações da Covid-19, não é o que se fala na mídia. É muito maior e não tem como saber, tudo é incerto, ninguém tem culpa, não existem culpados, até porque até o momento não tem vacina.

O sistema dos hospitais está fora de controle, muitos médicos trabalhando turnos maiores que 48 horas em Alegrete, falo isso porque sentia a exaustão deles na voz quando nós ligávamos para dar o parecer do dia do paciente. Sinto falta de conhecimento de uma nação, até agora, não existe solução, não existe cura, temos que respeitar uns aos outros, respeitar a quarentena, respeitar o isolamento, para mim é como se tivesse uma guerra lá fora, (armas e facas e tiros) todos deveriam ver como se fosse a revolução, se sair de casa você pode morrer. Temos que nos cuidar e, principalmente não acreditar em ídolos, nesse momento, eles também não sabem a cura” – falou.

Renata continua explicando como aconteceu todo o processo em sua família, todos estão com o vírus à exceção da mãe que tem anticorpos para o novo coronavírus e está curada.

Para ela, o grande problema foi que todos avaliavam os sintomas de febre e falta de ar, o que não tiveram. Foi tudo muito silencioso.

“É óbvio que a ideia de imaginar Covid-19 ficou em nossas cabeças, mas imaginávamos que não iria acontecer com a gente, até a internação do meu pai, ainda confiamos no médico ao invés de cobrar e pedir urgência para fazer o teste. É uma doença nova, não tem como saber- destaca a alegretense que deixa claro que em momento algum quer que as pessoas venham a observar que houve erro ou algo assim, ela fala o tempo todo, que é tudo muito incerto e sintomas comuns, podem sim ser um alerta para à Covid-19. Não há culpados, mas precisamos fazer nossa parte – reitera.

O início

Rafaela disse que a mãe já tinha um histórico de AVC e, nos dias 21 e 22 ficou internada em um hospital fora de Alegrete, por esse motivo. Ela sofreu mais um AVC, se recuperou e deu alta dia 23. Por ser esse o diagnóstico, não foi feito o teste da Covid-19 e a família nem cogitou, pois pra eles, essa não seria uma opção naquele momento.

Mas, mesmo sem ter certeza, a jovem acredita que a primeira a ser positivada foi a mãe. “Falo dela, pelo fato que depois que fizemos os testes e deu positivo para Covid-19, ela é a única que tem o anticorpo e está curada do vírus,
nós filhos estamos na batalha com diz, estamos, ainda, com o vírus” – comenta ela que está em isolamento domiciliar, assim como os demais.

Porém, a suspeita do novo coronavírus e a realização dos testes só ocorreu depois da hospitalização do Reni. Quando foi feito o teste nele, todos da família fizeram. Entretanto, Renata ressalta que a primeira a ter problema de saúde foi a mãe que teve o AVC acompanhado de dores no corpo, perda de paladar e olfato, mas, nunca mediu febre. Hoje, curada, ela está com sequela na perna direta e ainda sem olfato.

Já no caso do irmão e do noivo, eles nunca sentiram nada, nem mesmo sintomas gripais, são assintomáticos.
Ao verificar o calendário, Renata lembra que a mãe começou com os sintomas de já descritos antes de ir para o hospital, com o diagnóstico de AVC no dia 21 e deu alta dia 23.

Já no dia 28, ela(Renata) foi a segunda a sentir um desconforto, mas até então, não se cogitava o vírus, dores fortes de cabeça, tipo de enxaqueca, dores nas costas, xixi forte, escuro todos os dias, falta de memória, indisposição, perda de olfato e paladar. Já no dia 30 a irmã teve sintomas de sinusite fortes, perda de olfato e paladar. A mãe nestes dias também perdeu o olfato e paladar, coriza e indisposição.

O último a ter algum sintoma, foi Reni, no dia 5 de junho. Ele teve uma indisposição, falta de ar, glicose baixa, febre. Mas melhorava e piorava, nada crítico até desmaiar dia 07 de manhã e ir para UPA.

“Como falei na postagem anterior, meu pai morava sozinho em Alegrete, por escolha própria, sempre gozou de boa saúde, tomava insulina para diabetes. Ele ficou conosco, em Santa Maria, até dia 28 de maio cuidando a mãe. Ele foi para SM para pagar a conta do hospital da mãe e, depois da alta dela no dia 23 permaneceu com ela até dia 28, cuidando e fazendo companhia. No dia 07 de junho, nós em SM sentimos falta dele pois ele ligava, para mãe, umas 4 vezes ao dia e, no sábado dia 06, ele não ligou e a tardinha o celular, dele, estava desligado. De manhã no domingo fomos atrás, pedimos para uma vizinha amiga da família há muitos anos, ir dar uma olhada nele, pois o celular estava desligado. Foi quando de alguma forma ele abriu a porta e ele se encontrava em estado critico, sem memória e nu. A gente não sabe o que ocorreu nesse sábado e início da manhã de domingo.
Ele tinha muitas escoriações do corpo e um corte profundo atrás da cabeça. Então ele foi para a UPA de Alegrete com a glicemia baixa. Uma outra amiga da família ficou com ele na UPA até chegarmos de SM para Alegrete. Segundo o médico a princípio era AVC também. Descartaram o AVC logo em seguida, falaram em pneumonia e estava recebendo tratamento para isso” – comentou.

Logo depois, segundo Renata, o quadro apresentou melhoras e os exames de pulmão dele estavam melhorando. Ele foi o paciente que foi comentado que teria ficado em leito comum, devido aos sintomas que seriam de um AVC, mas na sequência foi levado para a UTI, ala Covid- 19. “Ele melhorava e piorava, em turnos, era muito louco, até que passou muito mal à noite, e o teste para o novo coronavírus chegou com o resultado positivo.

“Quando descobrimos que meu pai estava infectado entramos em contato com a Secretaria de saúde de Alegrete e fizemos os exames, dando positivo para Covid-19. Como aconteceu tudo tão rápido, ficamos na casa da minha sogra, pois quando aconteceu que meu pai desmaiou, meu irmão veio e já fez a mudança da casa dele para Caxias, onde ele estava planejando se mudar. Na casa do meu pai, não havia cômodos para nós todos dormirmos, então, ficamos na casa da vó do meu noivo, Dai tu imagina o desespero da gente, mas felizmente, elas fizeram o exame e deu negativo (minha sogra e avó do meu noivo) com a graça de Deus” – comentou.

“O que fica de tudo que foi descrito é a importância de que às pessoas não brinquem com essa pandemia, não deixem de se cuidar, não deixem de seguir os protocolos. Até o momento, em que aconteceu com a minha família, julgávamos que não iríamos passar por isso. Acredito que tem muitos com sintomas leves, assintomáticos e resfriados, independente da situação se a família achar que pode ter qualquer ligação com esse vírus, o teste deve ser feito, pois nada é o que parece, pelo menos para nossa família, todos os sintomas foram de problemas de saúde que já tínhamos de alguma forma histórico- finaliza.

 

Flaviane Antolini Favero