Instituto americano projeta dobro de mortes por Covid até julho caso RS não tome medidas adequadas

Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME) prevê que estado possa chegar a ter entre 35,5 mil e 47 mil óbitos por coronavírus em três meses. Especialistas reforçam necessidade de distanciamento e uso de máscaras até que efeitos da vacinação cheguem à população.

Rio Grande do Sul pode ter entre 35,5 mil e 47 mil mortes por coronavírus até 1º de julho, projeta o Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), vinculado à Universidade de Washington, em Seattle, nos Estados Unidos. A variação no número de vítimas — e, consequemente, a preservação de 11,5 mil vidas — dependerá das medidas de distanciamento, uso de máscaras e ritmo da vacinação no estado.

 

A ferramenta do instituto norte-americano prevê diversos cenários conforme vários critérios: mobilidade das pessoas, disseminação de novas variantes, aplicação de vacinas e utilização de equipamentos de proteção individual.

Em uma evolução normal, seguindo o padrão atual, o RS deve ter 41,8 mil vítimas nos próximos três meses, um aumento de 103%. Seria como se a população de Eldorado do Sul, na Região Metropolitana de Porto Alegre, morresse de uma mesma doença.

De acordo com o virologista Fernando Spilki, professor da Feevale, a ferramenta é confiável e a tendência a ser observada no estado é esta.

Eles têm uma assertividade muito grande. Em maio, junho [de 2020], davam números para o início de agosto que pareciam completamente impossíveis, e acertaram na mosca. Eles até subestimam a mobilidade ou superestimam o isolamento social. Mas, mesmo com as pequenas diferenças, a assertividade é muito alta”, diz.

Por outro lado, caso medidas de proteção não sejam tomadas, a projeção no cenário mais crítico do IHME é de 47 mil óbitos, um crescimento de 128%. Como se toda a população de Osório, no Litoral Norte, falecesse de Covid-19 em pouco mais de 15 meses.

No entanto, para a epidemiologista Lúcia Pellanda, reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFSCPA), isto pode ser ainda pior, já que a previsão sofre influência de fatores que podem variar conforme lugar e políticas públicas.

“O pior cenário seria, com a vacinação, voltar à mobilidade anterior. Considerando que tem P.1, que a mobilidade não reduziu e que a vacinação está lenta, pode ser pior do que o pior cenário“, alerta.

Por fim, no cenário mais otimista do IHME, o número de pessoas mortas pela Covid-19 pode ser de 35,5 mil, um índice 72,4% maior do que a tendência atual, mas bastante inferior ao previsto. Algo semelhante à comunidade de Garibaldi, na Serra.

A professora Suzy Camey, do Departamento de Estatística da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), prevê um cenário semelhante ou ainda mais positivo — chegar em julho com 25 mil mortes —, desde que mantendo a desaceleração nos casos e ocupação de leitos das últimas semanas.

“A gente não tem feito projeções a longo prazo porque é muito dependente do comportamento das pessoas. O que vivemos em março deu um susto grande, as pessoas estão se cuidando mais, o retorno do comércio não teve um impacto como antes do fechamento. As pessoas voltaram mais conscientes. Para ter aquele número, a gente precisa ter uma aceleração como em meados de março”, observa.

Lote com 645 mil doses de vacina chegou a Porto Alegre na manhã de sexta-feira (2) — Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini/Divulgação

Lote com 645 mil doses de vacina chegou a Porto Alegre na manhã de sexta-feira (2) — Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini/Divulgação

Governo aposta na conscientização

 

O governo do estado diz que acompanha semanalmente projeções empregando modelos epidemiológicos. Entre elas, as projeções elaboradas pelo IHME, que também têm sido analisadas pelo governo constantemente.

Contudo, acredita que o modelo é abrangente e não leva em consideração detalhes da realidade regional.

“O instituto constantemente demora a captar mudanças de tendências ao longo da pandemia, muitas vezes não sendo a melhor ferramenta de projeções”, alega.

Por isso, aposta na conscientização e mudança de comportamento da população em respeitar os protocolos para evitar o pior cenário.

“Embora elas sejam bastante precisas para um horizonte de duas semanas, para períodos maiores elas são sensíveis às mudanças nas taxas de contágio que podem vir a ocorrer. Ou seja, havendo a adoção consciente da população aos protocolos de uso de máscara, não aglomeração e higiene, teremos uma transmissão menor no presente, impactando em menos mortes nas semanas e meses seguintes”, sustenta.

 

Movimentação de pessoas com máscara no centro de Porto Alegre  — Foto: OMAR DE OLIVEIRA/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Movimentação de pessoas com máscara no centro de Porto Alegre — Foto: OMAR DE OLIVEIRA/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

‘Aprender a conviver com o vírus’: especialista pede paciência

 

O modelo do IHME é amplo e pode não detectar variações locais, como o esgotamento sistema de saúde e a compreensão de toda a população sobre os cuidados sanitários. “A [previsão] otimista é de 95% de pessoas usando máscaras, o que acho que a gente não vai chegar”, comenta a reitora.

No entanto, eles concordam no entendimento de que ele sinaliza um caminho e o que fazer para atenuá-lo.

“Detesto ser o mensageiro do apocalipse. O epidemiologista é sempre acusado de ser pessimista. E não precisa ser assim. Pode ser horrível, uma tragédia, mas também pode ser algo muito melhor”, destaca Lúcia Pellanda.

 

O que faz convergir o pensamento dos especialistas, entretanto, é a crença nos cuidados e no que a professora Suzy chama de “aprender a conviver com o vírus”. Segundo ela, a população precisará entender que a alternância entre períodos de maior isolamento com relaxamento gradual será uma realidade, e que os cuidados pessoais não devem ser ignorados.

“Mesmo que tivesse doses suficientes, garantia de que não tem infecção e que a vacina proteja para qualquer cepa, a população precisa aprender a conviver com um vírus que se transmite por partículas. Então, com o uso adequado de máscaras, lavar as mãos cada vez que tira, não encostar nos olhos sem as mãos limpas, vai poder abrir o comércio, voltar a aula, ter a vida praticamente normal, mas observando essa restrição”, aponta.

O RS está há seis semanas em bandeira preta e com restrição de abertura de atividades não essenciais. Independentemente do sistema de distanciamento controlado, para Spilki, superar a pandemia dependerá das decisões individuais.

“Não importa as medidas dos governantes, a questão é se resguardar de aglomerações, e quaisquer atividades que tenha um contingente de pessoas devem ser evitadas. E todos aqueles cuidados mínimos de ambientes ventilados, higiene e vacina. Vamos demorar muito tempo para notar o efeito das vacinas na população. Pegando a previsão e sabendo dos problemas que temos de outono e inverno, no nível individual, que se mantenha o mínimo de cuidado possível”, sublinha.

Fonte: G1