Marçal Alves Leite, o menino campesino que ganhou o mundo, conta sua história no Saudade do Alegrete

Nesta edição do Saudade do Alegrete, a história é de um alegretense de origem do campo, mas que desbravou o mundo. Do “bacudo” de Alegrete, o jornalista Marçal Alves Leite, hoje com 64 anos, viveu a intensidade a infância e juventude que à época foram remetidas a todas as tarefas que desempenhava com muita dignidade para auxiliar no sustento da família. A paixão por viagens e o desejo de estar em lugares que despertam a sua vivacidade, são possíveis pela forma em que administra a sua renda, comenta.

(Com o diretor da Ciavet Rogério Neumann em Alegrete no aniversário de 89 anos. Seu Rogério foi  chefe na empresa de agronegócio, colega na Faculdade de Administração e eterno incentivador profissional)

Além de descrever que, quando jovem,  a primeira oportunidade e a mais importante em sua vida foi junto à empresa Ciavet, Marçal cita como responsáveis pela sua ascensão em todos os aspectos, Luiz Carlos Moura e Rogério Neumann.  Muito mais do que ser o seu chefe, Rogério também o incentivou a fazer faculdade e se propôs a pagar o curso. Naquela década, anos 70, eles também se tornaram colegas de aula. Mas não era o que o alegretense idealizava e saiu da terra natal em busca do mundo e o conquistou. Depois de uma grande escola na Kodak, em Porto Alegre, uma das maiores empresas do segmento de fotografias, começava a explorar o mundo. Marçal também passou pelo Correio do Povo, onde foi colega do radialista Alair Almeida, correspondente da empresa no Município de Alegrete. Teve uma breve passagem pelo Jornal do Comércio e chegou à Zero Hora onde, por 21 anos até 2014 atuou com destaque e brilhantismo. Saiu quando se aposentou. Com a faculdade de Comunicação e um trabalho que ganhou projeção nacional no ano de 2006 com a premiação por reportagens relacionadas à crise na Ásia, prêmio este considerado o Oscar do jornalismo. Prêmio Imprensa de Educação ao Investidor, organizado pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e pela BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros). Após a aposentadoria, Marçal vive o prazer de estar no mundo, viajando e conhecendo novas culturas e pessoas. São mais de sete países, alguns que já esteve mais de dezenas de vezes.

(Com colegas e amigos da Várzea Verde, entre quais Zico, Zeca e João Batista, no Quiosque da Praça Getúlio Vargas em Alegrete).

Entre os fatos que marcaram sua vida em Alegrete, Marçal lembra que conheceu, aqui, Mário Quintana e que todos os fatos importantes que aconteciam na cidade, passavam pela Várzea Verde. Nisto cita o trem, os ônibus e caminhões que se deslocavam para Argentina e o caminho era a Ponte Borges de Medeiros, o Circo, os mochileiros,  entre outros. A última vez que esteve em Alegrete, foi em novembro do ano passado para deixar uma placa no Cemitério no Itapevi. Sua mãe, conhecida como dona Zica ( Idalgina Alves Leite), iria completar 100 anos. Ela faleceu no ano de 2005. Mesmo assim, Marçal mantém contato com muitos amigos e acrescenta que Alegrete é uma cidade universal.

(No cemitério de cerro no Parové com placa de homenagem ao centenário de nascimento da mãe Idalgina Alves Leite, a Dona Zica – 1920-2005).

 

Abaixo um texto do próprio jornalista Marçal Alves Leite em que ele descreveu um pouco de sua infância e alguns períodos vividos na cidade que ele foi um grande empreendedor por ser independente desde muito cedo, anda na primeira infância. Uma das lembranças que ele narrou por telefone, foi que a mãe sempre foi uma pessoa muito bondosa que, embora a casa estive quase caindo, sempre tinha espaço para mais um. O alimento, se pouco ou suficiente sempre era compartilhado e as crianças acompanhavam os mais velhos que na sua maioria viviam no interior e pouco sabiam da cidade.

(Comemoração da aprovação em janeiro de 1976 na Faculdade de Administração de Empresas da Fundação Educacional de Alegrete)

 

A infância

Filho de camponeses migrantes à cidade cresço em Alegrete na década de 60 num ambiente ambíguo pela euforia econômica da construção da Usina Termolétrica e asfaltamento da rodovia BR-290 e percalços da inadaptação familiar à vida urbana. Meu pai ficava mais tempo visitando parentes no interior do município que dentro de casa, que minha mãe precisava fazer milagres diários pra arcar com sustento. Repetindo irmãos e irmãs subsisto com dignidade graças à bravura dela na busca do bem estar caseiro e à diligência do trabalho próprio.

 

Aos oito anos ao natural já sou independente financeiro bancando estudos e ajudando em casa. São dezenas ou centenas de tarefas ou funções em oito anos até 1972 ao obter emprego de carteira assinada, que decorre de sequência ideal de chances e oportunidades iniciada com Seu Mosquito, o dono do ferro-velho na Várzea Verde. Esse relato é motivado por Eloé Mendes de Carvalho, o Lelo, amigo de infância e parceiro de histórias no bairro, que enviou ontem fotos inéditas do Seu Mosquito obtidas de Rui Alexandre Medeiros, neto do celebre personagem. Agradeço à cortesia dos dois.

(Discurso de campanha na chapa de oposição de 1974 no Grêmio Estudantil do Colégio Emílio Zuñeda).

 

Desde que me sei por gente era mandalete de minha mãe, que lavava roupa, costurava e cozinhava pra fora, mas raras vezes saia à rua. Os filhos é que tinham de trazer, entregar e cobrar pelos serviços ou vender produtos de sua fabricação ou intermediação. Ou seja, minhas atividades eram vinculadas às empreitadas materna.

Num repente arranjo fonte de recursos fora de casa ao juntar osso, vidro, ferro, metal, alumínio e cobre em pátios baldios, beira dos trilhos do trem, descampados e margens do Rio Ibirapuitã pra depois vendê-los no ferro-velho do Seu Mosquito. Limpeza de terrenos ou hortas rendia comissão extra ao recebimento pelo serviço: o valor da venda da coleta de material reutilizável numa época que nem se falava em ecologia.

A lata é o pior lixo e o resíduo menos valioso nos anos 60, quando o plástico ainda é pouco usado em recipientes e embalagens havendo necessidade, por exemplo, de se levar uma garrafa de vidro limpa ao buscar leite na União de Lacticínios Alegretense (ULA).

Natural de Santana do Livramento, corpo miúdo, simpático de pouca prosa, já senhor de idade, morando só com seus cachorros e cercado por morros de lixo reciclável, Severino Xavier compra de tudo e paga na hora pela sucata. Muitos guris da zona se aproveitam da bondade pra roubar seu depósito e depois revender. O ancião tinha noção, mas nunca criou caso. Era um ser humano acima da média e inabalável por natureza.

Seu Mosquito é um dos realizadores de fogueiras comunitárias de São João que contribuo juntando pneus velhos, arrancando abrofo, outros arbustos, galhos e folhagens secas pra queimar na frente do ferro-velho ou nalgum campinho da Várzea Verde. Os festejos reuniam dezenas de vizinhos independentemente da condição social, entre quais os sinceros amigos Nego Chico, Noé, Lélo e Hino, o meu irmão caçula Marcolino.

Com depósitos na Venâncio Aires perto dos trilhos ou no finzinho da Demétrio Ribeiro, Seu Mosquito era líder admirado e o abençoado.

(Com soldados da 12 ° Companhia de Comunicações em 1975 durante manobras militares na região do Tigre e Rio Ibicuí)

O interesse por Geografia

Sem olhar no atlas, ainda menino, já desenhava o mapa-múndi em folhas de papel ou no chão de terra com países, capitais e principais cidades, estradas, montanhas e rios. Também riscava de cabeça o plano urbano de Alegrete, que mais adiante percorreria integralmente de bicicleta como office-boy na Ciavet. Ganho maioria dos concursos de desenho na escola primária e chego fazer arquitetura em curso por correspondência no Instituto Universal Brasileiro.

Moreno robusto de estatura baixa, cabelo e bigode escuro, Seu Rui era um gentleman, andava e vestia elegante, integrava direção e equipe de veteranos do Santos, time varzeano da Rua das Tropas que mandava seus jogos no Mangueirão do CTG Farroupilha. Anos depois avalizou associar-me no Clube Caixeiral.

(Festa em 1974 do Grêmio Estudantil do Colégio Emílio Zuñeda, sendo Rosa, Delfino e Airton alguns dos memoráveis ​​colegas)

Aos 11 anos de idade não pensava conhecer Nova York, Londres e Paris e nem fazia planos de visitar Buenos Aires, Rio de Janeiro ou Porto Alegre, mas já pressentia viver numa cidade cosmopolita. Ainda balançava ao vento da subcultura campesina dos meus pais recém despertando ao conhecimento e urbanidade. Numa infância de poucas brincadeiras, dedicava quase todo tempo ao trabalho e estudo. E assim foi, até sair de Alegrete  em 1977 e chegar em Porto Alegre.

(Hora de futebol de salão da turma no Colégio Emílio Zuñeda em junho de 1974 na quadra da Sociedade Real)

(Foto do começo dos 2000 em Alegrete da minha mãe Idalgina Alves Leite e a saudosa prima Dorvalina Silva da Costa).

 

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