“Não tem uma palavra, um adeus”, familiar de vítima da Covid descreve a dor de uma despedida a distância

Em muitas reportagens ao logo de seis anos do PAT, os leitores muitas vezes foram presenteados com histórias que tocaram o coração. Muitas delas lembram o quanto é importante amar  uns aos outros intensamente, sem medo e sem culpa, para fazer a vida valer a pena. Principalmente quem faz parte de forma única na vida de cada um. Sempre que uma família está em luto, significa que uma mãe perdeu um filho, um pai também pode estar passando pela mesma dor ou um filho ficou órfão, irmãos, primos, amigos, todos de alguma forma vão estar sofrendo pela dor da ausência, não só física. Muitas vezes, mesmo distante, a “modernidade” da tecnologia pode proporcionar através de uma videochamada, uma ligação, uma mensagem, a possibilidade de dizer o quanto se ama e que a saudade é grande; é o abraço virtual que se tornou uma das opções de demonstrar amor.

 

 

 

Mas, o relato a seguir, é de uma das famílias que entre estes meses de pandemia e crescente número de pacientes positivados da Covid-19 e 12 óbitos, teve a perda de um ente querido em razão do vírus.

O assunto está machucando muito e a dor parece não ter fim, descreveu uma familiar. Por esse motivo, a  identidade da vítima que recentemente faleceu não será revelada, pois o objetivo é somente demonstrar para àqueles que ainda não perceberam o quão doloroso e trágico é o luto e a falta que ele faz, que o vírus não escolhe quem vai ser infectado , tampouco, com que agressividade vai atingir o organismo da pessoa.

 

 

Com a voz embargada, e momentos que alternava com o choro, a familiar pondera que a ficha parece que ainda não caiu por completo. ” Eu vi o momento em que ele entrou na Santa Casa caminhando, não que estivesse tudo bem, mas jamais imaginávamos que o final seria uma despedida da maneira que foi. De todas as formas, perdê-lo foi terrível, mas nem ao menos ter a opção de vê-lo  pela última vez, de ter o tempo da despedida que por algumas horas é possível chorar, abraçar e consolar àqueles que estão sofrendo assim como eu. A impressão que temos quando estamos sepultando um ente querido pela Covid-19, é que somos leprosos, sentimos a indiferença, o receio das pessoas de se aproximarem, quase uma discriminação, mesmo todos com o resultado negativo” – descreveu.

O desabafo, serve, também, para evidenciar o quanto as medidas de segurança fazem sentido. Pois há pessoas quebrando os protocolos e que, mesmo infectadas, não estão cumprindo o isolamento social e passam o vírus para dezenas de outras pessoas ou àquelas que estão assintomáticas. Então, a diferença não está apenas em saber quem é o positivado, mas ter a certeza que todas as pessoas podem de alguma forma, querendo ou não, passar pela mesma situação. Neste caso, a família deixa claro que o paciente apesar de constar no boletim que já tinha uma comorbidade, em nada isso influenciou para que o vírus fosse tão agressivo. O problema do paciente foi nos pulmões e, em menos de duas semanas evoluiu para o óbito. “Esse vírus devastou nossas vidas, pois foi muito rápido como tudo aconteceu” – disse.

 

“Lembro que quando chegou no hospital(paciente), estava com um pouco de indisposição e febre, mas caminhando, parecia realmente  como se fosse uma gripe. Mas em menos de quatro dias, passou para a UTI Covid. No período em que estava na Unidade Covid, conversávamos por dois minutos, mas aquele momento parecia ser um segundo, não queríamos transparecer que estávamos apreensivos, pois a pessoa fica isolada, depois daquela porta tu já não tem mais a opção de vê-la. A sensação é que teríamos muito mais a dizer, mas o mais importante é que o amávamos e estávamos esperando o retorno que não aconteceu.

Depois que foi para a UTI, ele não falou mais, apenas os médicos e, a cada toque do celular o coração parecia que iria sair pela boca. Ficamos reféns do celular para que os poucos minutos se transformassem em esperança a cada conversa com os médicos, mas no final, já não queríamos mais que o telefone tocasse pelo receio da notícia que fatalmente tivemos que ouvir. Se as pessoas soubessem o que é estar naquela área do cemitério, sem ninguém, pois precisamos cumprir o protocolo, ouvir apenas que tem que comprar um caixão e esperar. “Quando a van entrou, passau muito longe de onde estávamos, apenas visualizamos os funcionários com as roupas adequadas. Não houve nem ao menos uma palavra, o caixão passa e os tijolos fecham o túmulo e tu não tem como se despedir, não pode tocar uma última vez, não pode receber os abraços de conforto, não tem a opção de escolher a roupa, de fazer uma oração ao lado do caixão, de alguma forma cumprir com o ritual do luto que passa pelo velório. Se as pessoas pudessem ter a ideia dessa dor, que é inimaginável, elas teriam mais cuidado, iriam cuidar mais de quem amam e de si. Iriam perceber o mal que podem causar e a tragédia que é esse vírus. O protocolo, as medidas de segurança tudo o que é solicitado, deve ser mais que uma orientação, deve-se ser uma regra, assim como o uso da máscara, a higienização e o distanciamento. Se eu não precisasse sair de casa, acredito que faria isso apenas quando tudo passasse” – falou emocionada.

Para finalizar, a familiar disse que para muitos, aquele foi apenas mais um corpo sepultado, mas foi muito mais que um número nas estatísticas; o vírus tirou uma pessoa incrível que tinha uma importância incalculável para sua família. As vidas perdidas não podem ser tratadas como números e corpos, são irmãos, são filhos, são pais, avós, são amados e importantes para alguém. Além de dizer que antes de julgar que esse ou aquele está errado, cada um deve fazer a sua parte.

Minha família perdeu alguém muito especial para a Covid-19, isso não foi e não está sendo fácil. Espero que esse relato possa servir para conscientização quem ainda não percebeu que estamos vivendo em uma trágica pandemia – finalizou.

Flaviane Antolini Favero