‘Pior semana da minha vida’, diz médica sobre lotação da rede de saúde

Médica clínica do Hospital da Restinga relata que dificuldade de transferir pacientes fez com que homem com plano de saúde tivesse que ser internado no SUS após negativa de cinco instituições. Segundo ela, pacientes chegam com sintomas mais graves da doença.

Marcada pelo esgotamento da capacidade das UTIs em Porto Alegre, a semana entre 21 e 27 de fevereiro foi difícil para a médica clínica do Hospital da Restinga Carolina Giacomello, 29 anos.

“Foi a pior semana da minha vida. Eu acho que não tem mais espaço pra negação. A doença tá aí, é real e está matando gente”, disse, em entrevista ao G1.

 

A demanda por atendimento da Covid-19 já vinha demonstrando sinais de limite, mas na semana passada extrapolou, como conta Carolina.

“Internei uma menina de 25 anos na semana passada. Tu nunca espera internar um paciente de 25. Tá sendo muito difícil pra todo mundo, todo mundo sobrecarregado”, afirma.

Equipe médica, enfermeiros, técnicos de enfermagem e fisioterapeutas estão esgotados, e isso impacta no cuidado com os pacientes. “É impossível cuidar de 10 pacientes como tu cuida de três. Não é desleixo, é humanamente impossível”, reflete.

Na tarde desta segunda-feira (1), o Hospital da Restinga registrava 100% de lotação nas UTIs, com 10 pacientes internados e 19 casos confirmados de Covid-19 aguardando leito.

Hospital da Restinga Porto Alegre — Foto:  Joel Vargas/PMPA

Hospital da Restinga Porto Alegre — Foto: Joel Vargas/PMPA

Pacientes com convênio no SUS

 

Carolina relata que a superlotação levou à internação de um paciente com plano de saúde no SUS, na semana passada. O homem chegou ao hospital passando mal, porém sem diagnóstico de Covid-19.

“Eu disse ‘então vamos tentar tirar ele daqui, a emergência está lotada com pacientes Covid, se ele não tem, vai pegar”, relata. Ao descobrir que o homem tinha convênio de saúde, Carolina tentou transferência. “Liguei pra quatro, cinco hospitais de Porto Alegre. Fui recusada por todos. Me disseram ‘tá tudo lotado'”, afirma.

O paciente acabou internado no SUS, mesmo com a emergência já lotada. “[o SUS] Sempre abraça mais um, não interessa se tenha convênio ou não”, afirma. A médica relatou a situação nas redes sociais.

Carolina Giacomello, médica do Hosital da Restinga, em Porto Alegre — Foto: Arquivo pessoal

Carolina Giacomello, médica do Hosital da Restinga, em Porto Alegre — Foto: Arquivo pessoal

‘Teu diploma vira de telefonista’

 

Além do atendimento, os médicos têm se esforçado para conseguir a transferência em um sistema superlotado.

“De 10 dias pra cá foram todos muito ruins. Tão chegando pacientes muito grave. Teu diploma vira de telefonista. Tu passa mais tempo no telefone tentando vaga do que atendendo os pacientes”, afirma.

 

O Hospital da Restinga absorve a demanda de pacientes da Zona Sul da Capital. Com frequência, pessoas de Viamão são transferidas para lá. O hospital de grande porte mais próximo é o São Lucas, da PUCRS, que fica a 13 quilômetros de distância.

Há cerca de 15 dias, o hospital começou a internar pacientes na sala de medicação, devido ao aumento nos casos. “Mas tinha rotatividade, ia mandando pra internação pra outros lugares. Da semana passada pra cá lotou a gente não conseguia ter a rotatividade”.

‘A doença tá diferente’

 

Além da superlotação, as equipes precisam lidar com uma doença mais severa, como observa Carolina.

“A doença está diferente. Os pacientes chegaram saturando [oxigênio] 86, 88, 90. Hoje estão chegando com 75, 78, 80. Não sei se é uma variante nova ou se é carga viral, mas está diferente, está mais grave. E está chegando pacientes muito graves, muito jovens”, relata.

“A gente só espera que as pessoas fiquem em casa, parem de negar a doença. A situação é séria. Não tem espaço pra ideologização da doença como ela foi ideologizada”, conclui.

Fonte: G1