Por que muitas pessoas preferem trair a se separar?

Com base no resultado de uma pesquisa sobre o tema, Donna conversou com especialistas para entender a razão de muitas pessoas recorrerem à traição em vez de encerrarem o relacionamento.

Por Gabriela Loeblein, especial

Afastamento conjugal, desgaste com a rotina e desejo sexual cada vez menor. Em meio a esse cenário, a advogada Viviane*, 48 anos,  procurou um caminho alternativo para não pedir o divórcio após quase 10 anos de casamento. Recorreu à infidelidade.

O caso é mais comum do que se imagina. Conforme o estudo Predizendo a Infidelidade Conjugal, publicado no ano passado com dados brasileiros, 18,7% das mulheres e 35,3% dos homens já foram infiéis ao parceiro atual. Para ambos os sexos, intenção de divórcio mostrou aumentar as chances de uma relação extraconjugal. Donna conversou com especialistas para entender a razão de muitos recorrerem à traição em vez de encerrarem o relacionamento.

– A infidelidade diz que a relação, muitas vezes, não está bem. As pessoas estão mostrando que estão insatisfeitas, e, na maior parte dos casos, buscam envolvimento fora por não estarem sexualmente ou emocionalmente se sentindo bem na relação – afirma a doutora em psicologia e terapeuta de famílias e casais Patrícia Scheeren, uma das autoras do estudo.

Segundo Patrícia, enquanto as mulheres tendem a trair mais pela questão do desejo e do envolvimento emocional, os homens buscam a liberdade e a atração sexual por outra pessoa. A infidelidade, contudo, salienta a psicóloga, provoca crises conjugais e envolve sofrimento pela quebra da confiança e da intimidade.

– A infidelidade pode vir como uma tentativa ou de “consertar a relação” ou de ver se realmente há amor pelo outro. Às vezes, ela é o início da caminhada para a separação – completa.

A infidelidade pode vir como uma tentativa ou de “consertar a relação” ou de ver se realmente há amor pelo outro”.

PATRÍCIA SCHEEREN

Doutora em psicologia e terapeuta de famílias e casais

Foi o que aconteceu com Viviane que, alguns anos após a traição, optou por dar fim ao casamento. Segundo a advogada, os anseios de sentir novamente as emoções de conquista e a curiosidade pelo novo podem ter colaborado para a relação vivida fora do matrimônio.

– Não sabemos ao certo de onde vem a insatisfação e o que podemos fazer para reverter isso. Ao passo que, se o parceiro não estiver nessa mesma frequência, sentindo os reflexos de um resfriamento da relação, apenas uma das partes sente o impulso de se jogar em situações extraconjugais – opina.

Desgaste na relação

Para a psicanalista Gabriela Seben, é mais comum que a infidelidade aconteça quando há um desgaste na relação ou se algo não anda bem. Ela pode ser ocasionada pela insatisfação sexual de um dos cônjuges, a falta de admiração pelo outro ou até mesmo pela busca da autoestima, por exemplo.

– No entanto, separar-se é bem mais difícil, pois envolve uma série de fatores, como ajustes da vida financeira, a criação dos filhos e o luto que se vive ao término de um relacionamento, que pode ser bastante doloroso e traumático para alguns. É um desprendimento dos ideais projetados naquele casamento – explica.

Diante da impossibilidade ou da dificuldade em lidar com essas questões, muitas pessoas, lembra Gabriela, preferem viver uma vida dupla ou traem de forma efêmera.

Até que a morte os separe?

Há quem mantenha o casamento ainda por questões de cunho social ou pela crença de que a relação deve ser até que “a morte os separe”. É o que salienta a psicóloga e terapeuta de casais Ana Paula Oliveira Freitas.

– Será necessário comunicar à família, aos filhos, aos amigos. Isso envolve um redimensionamento de uns aspectos da identidade também – avalia.

Outros casais, já separados dentro de casa, mantêm relacionamentos considerados extraconjugais pela questão financeira. Além disso, a chegada dos filhos também pode ser determinante no ciclo vital da família, uma vez que envolve toda uma organização para atender às necessidades do bebê.

– Muitos homens se sentem preteridos. E de fato, por um determinado momento, são, pois é preciso dar conta dos cuidados com o bebê. Se o casal já não tinha uma relação leal antes da chegada dos filhos, a tendência é que esse afastamento seja ainda maior – avalia a psicóloga.

Limites do que se julga aceitável e respeitoso

Claro que o casamento muda ao longo do tempo, e o casal precisa evoluir conforme as demandas de cada etapa. Há, contudo, quem não consiga acompanhar e lidar com as frustrações inerentes ao relacionamento e, em vez de dialogar, acaba por trair.

– Algumas pessoas têm receio de uma entrega, sentem-se capturadas pelo outro e ficam com medo de permanecer permanentemente preso a este relacionamento. Dessa forma, acabam buscando um terceiro para não se sentirem ameaçados –  destaca a psicóloga e terapeuta de casais Cláudia Haetinger.

O medo de ficar sozinha e não ter para onde ir com os filhos pesaram na decisão de Carolina*, 50 anos, em permanecer casada após a traição por parte dos dois lados.

– Acredito que o medo e a insegurança mantêm muitos relacionamentos – resume.

Todos buscam o “companheiro perfeito”, que seja desde alguém com afinidades até um bom parceiro sexual. Mas encontrar todos esses atributos em uma pessoa nem sempre é fácil. A psicanalista Gabriela Seben lembra que uma boa relação consiste em respeito e consideração. Ou seja, cada casal deve estabelecer os limites do que julga aceitável e respeitoso.

– É preciso tolerar frustrações na medida do que se considera tolerável. Esse é um caminho possível para estabelecer relações estáveis em que os cônjuges possam se desenvolver pessoalmente e crescer juntos – aconselha.

Fonte: Gaúcha/ZH