Remanescente de quilombo do RS é um dos 40 selecionados pela ONU para formação em Brasília e Suíça

Advogado e estudante de mestrado, Arilson Jesus, de 25 anos, foi aprovado em processo seletivo. Programa aborda Direitos Humanos e é voltado especificamente para comunidades indígenas e quilombolas.

Um remanescente da comunidade quilombola Vila Miloca, em Lagoão, na Região Noroeste do Rio Grande do Sul, foi aprovado em um processo seletivo da Organização das Nações Unidas (ONU). O advogado e estudante de mestrado Arilson Jesus, de 25 anos, foi selecionado para participar de uma formação em Direitos Humanos. Serão duas semanas em Brasília e quatro em Genebra, na Suíça. O programa teve início nesta segunda-feira (12).

Ao todo, 40 bolsistas do mundo inteiro participarão da formação. São 10 de Língua Portuguesa, 10 de Língua Inglesa, 10 de Língua Espanhola e 10 de Língua Russa. O programa é voltado especificamente para comunidades indígenas e quilombolas.

”Fiquei muito feliz. Acho que é muito parecido com o sentimento de quando eu passei na universidade, de quando passei no mestrado. Acredito que acaba reforçando essa ideia de que é possível. É possível ocupar esses lugares, ocupar esses espaços, conseguir chegar. A gente pensa na ONU e parece que é uma organização que não tá acessível pra nós”, reflete o advogado.

Remanescente de comunidade quilombola do RS está participando de formação da ONU — Foto: Arilson Jesus/Arquivo Pessoal

Remanescente de comunidade quilombola do RS está participando de formação da ONU — Foto: Arilson Jesus/Arquivo Pessoal

De acordo com Arilson, o processo seletivo envolveu uma série de etapas. Entre elas, uma carta de apresentação e uma carta de recomendação da comunidade quilombola da qual ele faz parte. O retorno com a aprovação veio em 15 de maio.

”Eu espero conseguir trazer o conhecimento que se estará discutindo sobre direitos humanos, sobre garantias de direitos humanos, pra cá, para o Brasil, especialmente dentro da minha comunidade. Na minha comunidade, a gente tem muitos problemas básicos, como falta de acesso à habitação e falta de acesso à água”, pontua Arilson.

A comunidade Vila Miloca foi certificada como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares em 2017. De acordo com Arilson, atualmente moram cercam de 60 famílias na localidade.

”O reconhecimento da minha comunidade se deu formalmente em 2017. Anterior a esse período, nós não tínhamos essa compreensão de quilombolas. Por mais que a gente reproduzisse os nossos costumes, a gente não tinha essa identidade”, explica.

Moradores da comunidade quilombola Vila Miloca, no Noroeste do RS — Foto: Arilson Jesus/Arquivo Pessoal

Moradores da comunidade quilombola Vila Miloca, no Noroeste do RS — Foto: Arilson Jesus/Arquivo Pessoal

Arilson conta que morou na Vila Miloca até a adolescência. Depois, acabou se mudando em busca de melhores condições. A família trabalhava com agricultura de subsistência. Segundo ele, os pais estudaram apenas até o 2º ano do Ensino Fundamental.

”Na época, eles tiveram que abdicar [dos estudos], trabalhar em vez de estudar. Estudar não era uma realidade pra eles. Sou o primeiro da família, o primeiro da comunidade. O primeiro a chegar em uma universidade pública, o primeiro advogado. É bom ocupar esses espaços [universidade]”, relata Arilson.

Ele ingressou no Ensino Superior em 2017, via ações afirmativas. Na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), graduou-se em Direito. Em agosto de 2022, Arilson iniciou o mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

”Eu gosto de pensar que eu sou um sonhador. A minha comunidade, os meus mais velhos fizeram de mim um sonhador. Tem uma expressão africana que diz que nós somos os sonhos dos nossos ancestrais. Eu acredito que o que eu tô alcançando é uma conquista coletiva. Eu não consigo ocupar esse lugar e me ver somente enquanto Arilson”, reflete.

Arilson se graduou em direito na Universidade Federal do Rio Grande — Foto: Arilson Jesus/Arquivo Pessoal

Arilson se graduou em direito na Universidade Federal do Rio Grande — Foto: Arilson Jesus/Arquivo Pessoal

Por Pedro Trindade, g1 RS

Se inscrever
Notificar de
guest

0 Comentários
Comentários em linha
Exibir todos os comentários