Sindicato das Empresas admite: atual modelo de transporte público está falido

O Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário de Alegrete, manifesta sua preocupação e ao mesmo tempo solicita medidas urgentes do poder público no sentido da busca efetiva de restabelecer-se a prestação do transporte coletivo urbano em Alegrete, serviço público essencial a vida urbana de obrigação primeira do Executivo Municipal e, por conseguinte das empresas concessionárias, nesse caso, permissionárias precárias do serviço. A informação de que a Empresa Nogueira Transportes promoveu a demissão de 60 (sessenta) funcionários em vista da suspensão do transporte escolar rural devido à paralisação das aulas escolares, conforme o decreto de distanciamento/isolamento social determinado pelo avanço da pandemia do Covid-19, é mais um fator de agravamento ao já anunciado colapso do transporte coletivo urbano e rural em Alegrete. Se a situação já era complicada, de difícil solução, a pandemia só veio aprofundar a crise.

Na tarde de ontem, o Sindicato das Empresas enviou nota à nossa redação:

A qualidade do serviço prestado vem diminuindo a cada dia, devido a inúmeros fatores: precarização da infraestrutura viária principalmente na periferia; alta dependência da tarifa paga pelo passageiro; ineficiência no cumprimento de obrigações pelas empresas permissionárias e falta de agenda pública para o enfrentamento.

A dificuldade encontrada pelo poder público que passados sete anos não conseguiu ainda implantar um plano de Mobilidade Urbana que tem por objetivo contribuir para o acesso universal à cidade, o fomento e a concretização das condições que contribuam para a efetivação do planejamento e da gestão de Mobilidade Urbana, competência dos municípios. Somados a isso, a infraestrutura viária é temerária, em especial nas ruas de periferia, rota indispensável de prestação do transporte público. O caso do Bairro Nilo Soares Gonçalves virou folclore, inadmissível. Motoristas e cobradores (as), por exemplo, dependem da caridade da comunidade para suas necessidades fisiológicas, sequer o chamado terminal é servido de toaletes, nos finais de linha. É preciso celeridade e eficiência no trato deste plano, principalmente para que se conheça efetivamente qual a política a ser implementada a partir de sua implantação.

O modelo de sustentação financeira do transporte público é altamente dependente da tarifa paga pelo passageiro. Com essa política tarifária, porém, há um círculo vicioso que se inicia no aumento das tarifas e consequente perda de competitividade em relação ao transporte individual (IPEA, 2016). Com a variação no preço do diesel (sem subsídios), e estímulo ao uso do automóvel, o transporte público se mostra menos viável à população, e a cada novo  aumento na passagem tira ainda mais pessoas do sistema público de transporte. Hoje, calcula-se que o diesel já representa 27% da composição da tarifa do transporte público (NTU), valor que ficava em torno de 10% no passado (IPEA). Enquanto os aumentos no diesel são superiores ao IPCA e a gasolina, a queda no número de passageiros do transporte público se agrava. Em vez de termos um custo elevado no transporte público por ele ser eficiente e de qualidade, temos um custo elevado por uma série de despesas obrigatórias e pela concessão de uma série de subsídios em um sistema extremamente sensível aos interesses políticos. E não se fale que o custo com pessoal tem encarecido esta tarifa, proporcionalmente sua representatividade neste custo é menor do que muitos pensam; motoristas, cobradores e pessoal de apoio hoje convivem com o desemprego (pessoal do transporte escolar), com salários mínimos; determinada empresa sequer consegue pagaros salários e vale-alimentação em dia (125 dias de atraso) e ainda submetendo-os a carros com submanutenção e/ou sucateados(baixa infraestrutura + carros sucateados = seguidas ausências do cumprimento de rotas devido a quebra dos ônibus em trânsito); o achatamento da remuneração dos colaboradores em geral, sem revisão salarial há dois anos e a considerável redução do número de usuários do transporte coletivo, nos exigem reflexão e ação.

O que assistimos hoje é um fracasso desse projeto político de concessão descontrolada de subsídios que enfraqueceram o bem-estar social. Existe um consenso técnico de que o problema existe. O que precisa ser construído é o entendimento político da situação.

A solução de subir a tarifa chegou no seu esgotamento e o problema só tem aumentado pois estamos tratando sintomas e não a doença. Para reavaliar esse cenário é necessária disposição política, que mexa com privilégios, seja coerente com benefícios e invista em infraestrutura e transformação digital, observando e convertendo para boas práticas internacionais. Esta é uma agenda muito difícil e requer um amplo debate sobre qual ajuste e qual a velocidade desse ajuste para que ela possa ser de fato implementada construindo uma outra visão da relação do transporte público com a sociedade.Como já dito está em curso um novo plano de mobilidade, esperado há mais de 10 anos que teima em ser protelado. O problema se agrava quando gratuidades e benefícios (para idosos, estudantes, servidores público, etc.) são estipulados sem a devida fonte de recursos pelo poder legislativo e ou executivo e sem critério técnico para sustentabilidade dessas iniciativas. Portanto, essas políticas de descontos e passes livres acabam sendo divididas no custo total do sistema, ou seja, o usuário pagante está pagando também todas as gratuidades e descontos. Exemplo da incoerência do modelo diz respeito ao aumento da expectativa de vida da população e a inversão da pirâmide populacional no Brasil, que torna as gratuidades de idosos cada vez mais impactantes, contribuindo para aumentos acima da inflação na tarifa. É importante lembrar que há idosos de classe média que poderiam pagar por suas viagens de transporte e contribuir para um sistema eficiente e economicamente viável. Situação igual para jovens estudantes de colégios particulares de classe média alta que recebem descontos. Atualmente, pessoas economicamente vulneráveis, que precisam pagar a tarifa cheia, estão pagando também benefícios para pessoas de classes médias e altas. Não raro os ônibus circulam apenas com beneficiários de isenções. Além da comprovação de renda para concessão de benefícios, outra saída, que não envolva sua redução, inclui compartilhamento total dos custos do sistema também com quem não o usa “grande parte dos custos arcados pelos operadores de transporte público advêm do excesso de congestionamento nas vias urbanas, que reduzem a velocidade média operacional, logo faz algum sentido que os motoristas de carros particulares sejam parcialmente responsáveis por pagarem pelo atraso que eles causam aos passageiros de ônibus”, estas medidas já estão sendo implantadas no mundo. O excesso de carros gera distorções no espaço viário e aqueles que andam de forma coletiva acabam vivendo o mesmo trânsito daqueles que escolhem opções individuais. As taxas de congestionamento implementadas em outros centros se mostram como alternativas ao subsídio cruzado para financiar o transporte público. Nessas cidades, perímetros altamente congestionados têm cobrança pelo uso do espaço viário, numa lógica de oferta e demanda na circulação de carros. Uma alíquota de até 15% (quinze por cento) inclusa no monitoramento do estacionamento rotativo, por exemplo, poderia ser realocado como subsídio às empresas por conta destas isenções.

Por fim, para compreender a falência do modelo de financiamento do transporte público é preciso falar na vontade política de fazer a mudança acontecer ou não. Há décadas a política para a mobilidade tem se concentrado em incentivar o transporte individual por meio de isenções e incentivos fiscais à aquisição e produção de automóveis, subsídios para gasolina e financiamento em longo prazo de veículos, nos últimos anos tivemos um considerável aumento de novos veículos (carros particulares e de aluguel, motos (mototáxi) e bicicletas) circulando.

Com essas políticas o transporte público perdeu considerável competitividade em relação ao transporte individual, culminando no êxodo coletivo para o privado. Existem iniciativas ousadas que buscam propor uma agenda ativa do Estado Brasileiro para o transporte, que inclui fundos federais, estaduais e municipais, destinação de impostos, como o CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) sobre a gasolina, além de taxas de congestionamento, como abordadas em trechos anteriores. Para isto deverá haver empenho político em resolvê-lo. Há quatro anos a comunidade da zona leste descobriu que o caminho até o centro não era tão longo e começou a andar a pé, de bicicleta e outros meios abandonando o coletivo de tarifa incompatível e por vezes fora do horário. Se não há regularidade no horário pré-estabelecido o sistema perde a confiança. Em tempos de Covid-19 ganhou destaque o home office (trabalho em casa). A modalidade altera a relação de pessoas com a vida profissional e vai ao encontro da tendência de menos deslocamentos e até mais eficiência em alguns casos. Algumas empresas gostaram disto e poderão adotar em definitivo para alguns afazeres.

Portanto, para solucionar esse problema complexo, a regulação é fundamental. Não uma limitação ou proibição como alguns governos propõem – que pode levar ao encarecimento dos serviços devido à baixa oferta. A saída está na promoção de políticas públicas e de regulações. O Executivo deve se concentrar em “limitar os veículos de baixa ocupação, aumentar a ocupação dos aplicativos de transporte e de táxis, mudar a operação de veículos comerciais e garantir serviços de ônibus mais frequentes e confiáveis”. Deve ainda garantir que a remuneração do operador da frota possa ter garantia de pagamento justo e em dia, garantindo sua saúde física e psicológica com reflexo direto na segurança e satisfação do usuário. O aumento do Desemprego e da informalidade também atua neste processo, temos que os postos de trabalho criados no período, 87,1% são informais. A propagada Reforma Trabalhista trouxe em verdade uma realocação de trabalhadores para trabalhos informais, sem carteira assinada ou CNPJ. Esse cenário impacta diretamente o transporte público, pois desempregados e trabalhadores informais não têm direito ao Vale-Transporte, sendo este benefício uma fonte de renda importante para empresas de transporte. Parte dele é pago pelo empregado (até 6% de seu ganho) e complementado pelo empregador. Esse valor é por vezes alocado diretamente em cartões de transporte em nome dos funcionários. Dessa forma, sistemas de transporte público contam com uma receita recorrente advinda diretamente da aquisição de créditos por parte das empresas. Porém, com a crescente informalidade o Vale-Transporte perde relevância. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) aponta que em 2019 41,4% dos brasileiros estavam no mercado informal, e neste percentual encontram-se, sobretudo, os mais pobres, que precisam se locomover por meio do transporte público.

O desemprego acima dos 10% atualmente, a recente reforma trabalhista e a facilitação de aderência ao MEI (Microempreendedor individual) só aumentam o número de pessoas que não têm carteira assinada (CLT), forma pela qual é possível obter o benefício do Vale-Transporte e, por consequência, gerar receitas recorrentes ao transporte público. Diante dos desafios do mercado após a crise pandêmica, os números da informalidade e desemprego devem aumentar ainda mais, como afirma a Fundação Getúlio Vargas prevendo retração na economia brasileira em 2020.

O transporte escolar dos Polos Educacional rurais há muito vem sendo o mantenedor, subsídio cruzado, do coletivo urbano e agora com a sua suspensão desnudou o quadro caótico vivido pelas empresas e seus funcionários. Urge que em tempos de pandemia o poder público, responsável pela suspensão do serviço, aloque subvenções e indenizações (art. 486, da CLT) em socorro à classe de trabalhadores que só em Alegrete soma 60 (sessenta).

Depois da quarentena o transporte público vai voltar ao normal? Isso não é possível, pois o normal é justamente o problema. Estamos em um caminho onde clientes não conseguirão pagar pela passagem, pois ela estará muito cara, e operadores não poderão custear as operações, pois não tem clientes. Precisamos enfrentar essa crise com responsabilidade e transparência, e o debate aqui não será política social versus ajuste.  O debate que deve existir agora é a política de gastos obrigatórios e a concessão crescente de subsídios para grupos sociais versus preservar a solidez do serviço público essencial, para garantir a continuidade da política social. O transporte urbano nacional é o reflexo perfeito na microeconomia de todos os desafios e reformas estruturais que o Brasil precisava enfrentar antes e agora mais do que nunca depois da crise. Os problemas da pós-pandemia (coronavírus) não serão novos. Serão os antigos problemas só que agora potencializados com o fechamento da economia pelo período de quarentena.

Nós já sabíamos que empresas de ônibus estavam quebrando, que a perda de passageiros acontecia na casa dos dois dígitos, sabíamos também da existência do desastre regulatório, da incapacidade do governo de criar projetos de infraestrutura e do desafio de investir em inovação no setor. Os problemas já estavam aí.

A torcida agora deve ser para que nesse momento triste em que vivemos a sociedade construa uma majoritária consciência de que é preciso enfrentar os problemas. Que não é simplesmente elevar o valor da tarifa que as contas do sistema de transporte público voltam para o ponto de equilíbrio.

O aumento da tarifa hoje é muito diferente do que era há 15 anos, porque as condições mudaram. O peso da tarifa no orçamento familiar aumentou, a renda caiu em relação ao começo da década, o desemprego e a informalidade aumentaram, a população envelheceu, o combustível encareceu, a regulação piorou o setor não se desenvolveu, não inovou, e a concorrência externa finalmente chegou. Ou seja, o setor perdeu competitividade. Esperamos que o efeito colateral desse vírus seja o ganho de consciência de que é preciso avançar reformas.

O maior obstáculo para as reformas são a sociedade e a política. Precisamos ter regras mais uniformes para o setor. Parte do caos são as cada vez maiores concessões, exceções e isenções, obrigações acessórias e regras específicas. A agenda existe. Agora a dificuldade de essa agenda avançar começa na organização dos empresários/operadores, trabalhadores e comunidade como grupo de interesse não só para pedir subsídio e sim para pedir reformas. Tencionando junto ao Poder Público quanto ao seu dever com a sociedade que reclama um serviço de qualidade e eficiência para voltar a acreditar no Sistema. Neste particular o Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário de Alegrete é parceiro para construir.

 

Edson Dinei Severo da Costa                         Sivens Henrique Gomes Carvalho

Presidente                                                      Assessor Jurídico