Um ano após tragédia, famílias de vítimas de SC falam sobre indenização e saudade

Um ano após o incêndio no Ninho do Urubu, no Centro de Treinamento do Flamengo, que tirou a vida de dez jogadores da categoria de base, familiares das duas vítimas catarinenses da tragédia relatam a dor e a saudade de Vitor Isaías, de São José, na Grande Florianópolis, e Bernardo Pisetta, de Indaial, no Vale do Itajaí.

G1 conversou com a avó e responsável legal de Vitor Isaías, Josete Itavalda Adão, que conseguiu entrar em acordo com o clube. Outras três famílias também já fizeram o mesmo, enquanto as demais ainda lutam por indenização.

Josete e as lembranças do neto Vitinho — Foto: Diorgenes Pandini/NSC Comunicação

Josete e as lembranças do neto Vitinho — Foto: Diorgenes Pandini/NSC Comunicação

Vitor Isaías

O largo sorriso e a euforia de Vitor Isaías após assinar o contrato com o Flamengo são apenas algumas das memórias que fazem a voz de Josete Itavalda Adão embargar ao falar do neto. “A felicidade dele quando chegou em casa…”, diz a avó ao lembrar daquele agosto de 2018, quando o então atacante de 15 anos entrou para as categorias de base do rubro-negro carioca.

Funcionária da secretaria de uma escola municipal de São José, na Grande Florianópolis, há quatro anos, ela está afastada do trabalho, em licença médica, desde o dia da tragédia. Atualmente, ela mora em Biguaçu, na mesma região, com o esposo.

Vitinho, como carinhosamente era chamado pela família, completaria 16 anos no dia 1° de janeiro deste ano. Na tentativa de amenizar a saudade, em cada um dos oito meses seguintes à tragédia uma missa em memória ao adolescente foi rezada na Capela Nossa Senhora Aparecida, localizada dentro do estádio Orlando Scarpelli, em Florianópolis.

Apesar de não ser católica, a proximidade com a comunidade do Figueirense, clube pelo qual Vitor jogou futsal dos 7 aos 13 anos, levou Josete e o marido a continuarem a ir às celebrações, uma forma encontrada para relembrar a presença do neto.

“O pessoal lá já conhecia o Vitor. Na missa de sétimo dia, encheu a igreja. Depois, tinha dia que ia só eu e meu esposo, mas eu continuava fazendo”, recorda Josete.

Depois desse período, ela decidiu voltar a frequentar a igreja evangélica que costumava ir com o neto. “Nas duas vezes que ele veio de férias para o Flamengo, ele que me convidava para ir na igreja. Cada vez que ele vinha, a gente ia”, conta.

Elza Di Bernardi, responsável pela capela, conta que conheceu Vitinho na época em que o garoto treinava no ginásio ao lado do estádio. Segundo ela, de vez em quando ele e os outros garotos do time iam até o local para assistir a algumas missas. “Durantes os meses, a dona Jô me ligava e nós fazíamos a missa do mês sempre aqui na capela. A gente tinha um carinho muito especial por ele“, recorda.

O apego à religião é lembrado com carinho até hoje por Josete. Ela conta que o neto sempre carregava uma bíblia na bolsa. Quando viajava, pedia à avó que guardasse a na bolsa. “Na última ida em janeiro, quando ele voltou para o Rio pela última vez, eu tinha esquecido de colocar. Mas ele viu quando tava saindo, voltou pra casa e guardou na mochila”, recordou.

Catarinenses um ano após o incêndio no Ninho do Urubu — Foto: Diorgenes Pandini/NSC Comunicação

Catarinenses um ano após o incêndio no Ninho do Urubu — Foto: Diorgenes Pandini/NSC Comunicação

Elza Di Bernardi, responsável pela capela, conta que conheceu Vitinho na época em que o garoto treinava no ginásio ao lado do estádio. Segundo ela, de vez em quando ele e os outros garotos do time iam até o local para assistir a algumas missas. “Durantes os meses, a dona Jô me ligava e nós fazíamos a missa do mês sempre aqui na capela. A gente tinha um carinho muito especial por ele“, recorda.

Josete foi responsável pela criação de Vitor e uma das incentivadoras da carreira dele. Até o atleta partir para o futebol de campo, foram muitas seletivas até o jovem atacante ser contratado pelo Flamengo. Antes de ir para o Rio, Vitinho passou ainda pelas categorias de base do Internacional – RS e do Atlético Paranaense.

Catarinenses um ano após o incêndio no Ninho do Urubu — Foto: Diorgenes Pandini/NSC Comunicação

Catarinenses um ano após o incêndio no Ninho do Urubu — Foto: Diorgenes Pandini/NSC Comunicação

Acordo fechado

Para ajudar a enfrentar o luto, Josete recorreu à ajuda médica. “Eu encontrava as pessoas na rua e dizia ‘tenho tudo, mas não sou feliz’”, conta. Além de lidar com a perda, ela precisou ainda negociar com o clube a indenização paga aos familiares das vítimas do incêndio. Um mês após a morte de Vitor, os familiares dos dez garotos participaram de uma reunião no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para dar início às tratativas.

“Lá, o Flamengo pediu para tratar desse assunto com cada família de forma individualizada. Desde então a gente começou a conversar”, contou o advogado Thiago Camargo D’Ivanenko, que defende a família de Vitor.

Após sete meses de conversa, o advogado e o departamento jurídico do Flamengo chegaram a um acordo sobre a indenização em outubro de 2019. Apesar de não poder revelar o valor, Josete conta que foi o suficiente para realizar o desejo do neto. Além disso, ela recebe também R$ 5 mil mensais, que serão depositados pelo clube até o dia em que Vitor completaria 42 anos.

A avó conta que nunca quis levar o clube à Justiça. “Eu vejo uma fatalidade. Claro, devia ter mais gente pra cuidar deles [dos garotos], mas naqueles meses que ele estava dentro de casa podia ter pegado fogo também”, diz.

Viver com a perda

Conforme Josete, Vitor via no futebol a esperança de dar a ela melhores condições de vida. “Ele falava até para os amigos dele: ‘Vó, a senhora vai ser muito feliz’, porque ele viu a nossa situação, tudo que nós dois passamos. Não desejo pra ninguém”, conta ela.

Com a indenização, ela tem buscado transformar em realidade o que Vitinho queria, e atualmente tem uma casa e um carro. “Foi realizado, mas não do jeito que ele queria ‘dar com as mãos’. Mas tudo o que ele queria eu fiz. Uma boa casa, um carro, fiz do jeito que ele queria”.

Catarinenses um ano após o incêndio no Ninho do Urubu — Foto: Diorgenes Pandini/NSC Comunicação

Catarinenses um ano após o incêndio no Ninho do Urubu — Foto: Diorgenes Pandini/NSC Comunicação

Goleiro Bernardo: família ainda busca indenização

Além da avó de Vitor Isaías, até o dia 4 de fevereiro o Flamengo havia feito acordo com familiares de Athila Paixão, Gedson Santos e com o pai de Rykelmo Viana. As famílias de Christian Esmério, Arthur Vinícius, Pablo Henrique, Jorge Eduardo e Samuel Rosa e de Bernardo Pisetta ainda negociam com o clube.

Segundo o advogado Thiago Camargo D’Ivanenko, que também representa o catarinense Bernardo Pisetta, ainda não se chegou a um acordo com o clube sobre a indenização. Em entrevista ao Esporte Espetacular, exibida no dia 2 de fevereiro, o pai do garoto, Darlei Pisetta, conta que a família tem recebido assistência psicológica e um auxílio financeiro mensal, mas ainda sem um acordo entre as partes.

“É bom deixar muito claro que a gente contra o Flamengo não tem nada. A entidade, o clube, é grandioso, a gente tem que respeitar pela história que construiu. Contra os administradores, eu não vou dizer que tenho alguma coisa contra, mas sim, tenho mágoa”, afirma Darlei.

Ele diz que nenhum integrante da diretoria do clube procurou a família após o incêndio para dar uma palavra de consolo. “Esse aconchego eu acho que faltou, essa humanidade, esse respeito com as famílias faltou. Fizeram uma homenagem no Maracanã uma semana após [o incêndio], não tinha uma família convidada. Não sei se alguém iria naquele momento, mas o respeito ele merecia”, desabafa.

Mas o pai afirma que busca ir além da compensação financeira e que espera que algo seja feito para que novas tragédias sejam evitadas.

“Aconteceu e ninguém fez nada. Quantos meninos estão por aí, mal alojados, que pode acontecer de novo? Esse tipo de coisa que a gente gostaria que não acontecesse mais. Esse talvez fosse o tipo de justiça que a gente buscaria”, afirmou Pisetta na entrevista.

Catarinenses após um ano do incêndio no Ninho do Urubu — Foto: Arquivo pessoal

Catarinenses após um ano do incêndio no Ninho do Urubu — Foto: Arquivo pessoal

Flamengo

Uma semana antes de a tragédia completar um ano, o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, o vice geral e jurídico, Rodrigo Dunshee, e o CEO do clube, Reinaldo Belotti, responderam a uma série de perguntas em um vídeo transmitido pelo Fla TV, o canal oficial do clube no Youtube.

Em relação a possíveis melhorias feitas no Centro de Treinamento (CT), o CEO afirmou que o clube criou uma diretoria responsável que responde pelas questões administrativas do setor e que o time têm enfatizado uma estrutura que abrange saúde ocupacional, meio ambiente e segurança.

Landim afirmou que é “impossível” dar um prazo para o desfecho de todos os acordos em aberto. “Toda vez que a gente consegue equacionar dentro daqueles valores que eu falei, a gente tem tido acordos. Então é muito difícil, porque isso depende não só do Flamengo. Depende das famílias e do tempo delas”, declarou.

O presidente do clube também disse que o clube estabeleceu um valor limite para a indenização e que não irá negociar além dele. A quantia não foi informada.

Investigação em aberto

Ninguém foi criminalmente responsabilizado pelo incêndio até agora. Um relatório pedindo o indiciamento de pessoas do clube foi entregue ao Ministério Público do Rio de Janeiro em 2019. Entretanto, o órgão devolveu o documento e pediu complemento às investigações.

“É uma questão complexa, que envolve muita gente, crianças, então é natural que isso se estenda por um período relativamente grande para que se tenha certeza absoluta e se possa apurar efetivamente quem são os responsáveis e os culpados pelo que aconteceu no incêndio”, disse D’Ivanenko.

O presidente do Flamengo Rodrigo Landim disse que nenhum funcionário foi afastado depois da tragédia. “Encaramos o acidente como oportunidade de melhoria. Então, a gente queria identificar as causas para eliminá-las, para que isso nunca mais pudesse acontecer. Essa sempre foi a nossa grande preocupação”.

Fonte G1