
Quando falamos dos intérpretes na área médica, é possível destacar sua atuação em hospitais, clínicas, campos de refugiados, missões humanitárias e centros de triagem. Esses especialistas em interpretação não se limitam a traduzir termos técnicos; eles são responsáveis por transmitir expressões culturais, emoções e até mesmo o silêncio.
De acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), mais de 280 milhões de pessoas vivem fora de seus países de origem e muitas delas enfrentam barreiras linguísticas ao buscar atendimento médico.
“O mercado de interpretação médica tem crescido de forma consistente nos últimos anos, impulsionado pelos fluxos migratórios, pela internacionalização dos sistemas de saúde e pela exigência legal de garantir atendimento acessível a pacientes de diferentes origens linguísticas”, afirmou Wilguens Estavien, intérprete que atuou por mais de quatro anos na Haiti Foundation of Hope, facilitando a comunicação e a colaboração entre médicos, enfermeiros e pacientes.
Por sua formação, experiência e contribuição para o mercado, Wilguens foi convidado para compartilhar um pouco de seu conhecimento na área. Natural do Haiti, é bacharel em Contabilidade e mestre em Administração de Empresas, com foco em Gestão de Organizações Sem Fins Lucrativos, pela Wilmington University.
A profissão em números e no cenário global
Nos Estados Unidos, a lei federal exige que qualquer hospital que receba financiamento público ofereça serviços de interpretação qualificados a pacientes com inglês limitado. Os profissionais devem seguir códigos de ética rígidos e, muitas vezes, possuem certificações como a do Certification Commission for Healthcare Interpreters (CCHI).
De acordo com o U.S. Census Bureau, mais de 25 milhões de pessoas nos EUA se enquadram na categoria LEP, ou seja, têm dificuldade significativa para entender ou se comunicar em inglês durante atendimentos médicos. E esse número continua crescendo com o aumento da população imigrante e refugiada.
“A legislação exige que hospitais ofereçam serviços de interpretação qualificada, e isso é essencial, porque mais de 25 milhões de pessoas simplesmente não conseguem se comunicar com clareza em inglês em situações médicas. Sem essa ponte linguística, diagnósticos podem ser comprometidos e tratamentos mal compreendidos”, comenta Wilguens.
Pode-se afirmar que, nos Estados Unidos, a interpretação médica deixou de ser um diferencial para se tornar uma exigência, transformando o setor em um campo promissor para profissionais bilíngues com formação técnica e sensibilidade cultural.
E não são apenas os Estados Unidos que se preocupam e investem nesse tipo de trabalho. Na União Europeia, países como Suécia, Alemanha e Holanda lideram iniciativas para integrar intérpretes de forma estruturada aos sistemas de saúde pública. Em muitos casos, os serviços são oferecidos por telefone ou vídeo, permitindo o acesso mesmo em regiões mais remotas.
A Suécia, por exemplo, é considerada referência mundial na oferta de interpretação profissional como parte do sistema público de saúde (Sjukvården). Por lei, todos os pacientes têm direito a um intérprete, e os serviços são fornecidos gratuitamente pelo estado.
“A Suécia é um exemplo claro de como a inclusão linguística pode ser tratada como uma questão de dignidade e direito. Lá, a interpretação profissional é parte integrante do sistema de saúde pública, não um recurso opcional. Todo paciente, independentemente de sua origem, tem garantido por lei o direito a um intérprete, sem custo algum. Isso mostra um compromisso real com o atendimento e serve como modelo para o resto do mundo”, comenta Wilguens.
Vale dizer também que, na Alemanha, embora não haja uma legislação nacional obrigatória que garanta intérpretes médicos gratuitos em todos os estados, muitos hospitais, clínicas universitárias e centros de acolhimento já contratam intérpretes ou usam serviços remotos pagos com fundos públicos ou privados.
Um trabalho diferenciado
Wilguens Estavien é intérprete, mas seu trabalho e contribuição, impulsionados por sua ampla visão de mundo, vão muito além disso. Ele foi uma peça fundamental na fundação de uma escola técnica para jovens adultos em situação de vulnerabilidade em 2008 e na criação de uma escola primária em sua vila, inaugurada em 2016.
“Também participei da cofundação de uma escola primária, onde 300 crianças, que, de outra forma, não teriam acesso à educação, estão atualmente sendo alfabetizadas. Além disso, mais de 600 jovens adultos já receberam formação técnica na escola profissionalizante que ajudamos a criar. Essa escola técnica começou oferecendo cursos de inglês, algo inovador na época, porque, em 2008, essa era uma das poucas oportunidades para jovens como eu. Percebi cedo que falar inglês pode abrir portas para empregos, educação de qualidade e oportunidades econômicas”, contou o profissional.
O profissional atua de forma dedicada na redução das barreiras linguísticas e no fortalecimento organizacional de ONGs e outras instituições sem fins lucrativos. Seu trabalho é focado na formação de lideranças e no avanço da educação linguística, contribuindo diretamente para o desenvolvimento sustentável dessas organizações.
“Dedico muitos dos meus esforços ao aprimoramento de sistemas de liderança e à integração de culturas estrangeiras na sociedade americana, promovendo um ambiente mais inclusivo e plural, atuando tanto em instituições religiosas quanto seculares, sempre pautado por altos padrões morais e éticos”, contou.
Além disso, por meio da criação de programas educacionais e iniciativas culturais, o intérprete constrói pontes sólidas entre diferentes comunidades, favorecendo o convívio harmonioso e o enriquecimento social no contexto americano.
A importância da comunicação
No mundo atual, a linguagem continua sendo uma das principais barreiras no acesso à saúde, porém, os intérpretes estão presentes, desempenhando seu papel de forma essencial. Esses profissionais exercem uma função silenciosa, garantindo que ninguém seja excluído do cuidado por não falar a língua dominante.
Mais do que tradutores de palavras, estes são mediadores de empatia, cultura e vida. “Ser intérprete na medicina ou em qualquer outra área não é só traduzir palavras, é traduzir dores, medos e esperanças de quem não consegue se expressar, mas precisa ser compreendido com urgência”, finaliza Wilguens.